Duas missões lunares privadas foram lançadas numa trajectória translunar pela empresa Space Exploration Technologies Corp. (SpaceX).
O lançamento teve lugar às 0611UTC do dia 15 de Janeiro de 2025 e foi realizado pelo Falcon 9-425 (B1085.5) a partir do Complexo de Lançamento LC-39A do Centro Espacial Kennedy, Ilha de Merritt, Florida. O primeiro estágio B1085 foi recuperado com sucesso após aterrar na plataforma flutuante Just Read The Instructions (JRTI), no Oceano Atlântico.
O primeiro estágio utilizado nesta missão foi utilizado pela primeira vez a 20 de Agosto de 2024 para lançar colocar em órbita 22 satélites Starlink v2.0 Mini na missão Starlink G10-5. Posteriormente, foi utilizado para lançar a missão espacial tripulada USCV-9 “Crree-9” para a estação espacial internacional (28 de Setembro), para lançar a missão Starlink G6-77 (7 de Novembro) e o satélite de navegação GPS-III 7 (17 de Dezembro).
Os veículos lunares
A bordo seguiam os veículos lunares Blue Ghost M1 (CLPS, 19D) e Resilience (HAKUTO-R M2, iSpace Mission 2), este transportando o veículo Tenacious (rover).
O Blue Ghost M1
O veículo lunar Blue Ghost M1, numa missão designada “Ghost Riders in the Sky”, foi desenvolvido de forma privada pela empresa Firefly Aerospace. Tendo como destino uma alunagem no Mar das Crises (Mare Crisium), a bordo transporta um conjunto de instrumentos seleccionados pela agência norte-americana, NASA.
Os objetivos da missão são investigar o fluxo de calor do interior lunar, as interações entre a pluma e a superfície, e os campos elétricos e magnéticos da crosta lunar. Também tirará imagens de raios X da magnetosfera da Terra. Os testes de tecnologia a bordo incluem a amostragem de regolito, a aderência de regolito, as capacidades do Sistema Global de Navegação por Satélite, a computação tolerante à radiação e a mitigação de poeiras utilizando campos eletrodinâmicos. A Missão Blue Ghost 1 foi selecionada pela iniciativa Commercial Lunar Payload Services (CLPS) da NASA, na qual a NASA contrata um parceiro comercial, neste caso a Firefly Aerospace, que fornece o lançamento e o módulo de alunagem.
O veículo Blue Ghost consiste numa estrutura em forma de caixa e quatro pernas de sustentação. Possui dois decks para montagem de equipamentos e uma capacidade de carga útil de 155 kg. A energia é fornecida por painéis solares que podem ser montados nas laterais da nave espacial ou posicionados de modo a ficarem salientes acima do convés superior, dependendo da orientação do veículo e do Sol. Os conjuntos fornecem 450 W de potência nominal e um pico de 650 W. O controlo térmico é obtido através de tubos de calor, radiadores, isolamento multicamada e aquecedores ativos. As comunicações à superfície permitem uma média de downlink de 6 Mbps, pico de 10 Mbps e uma média de uplink de 0,2 kbps, pico de 2 kbps. Levará dez cargas úteis para a superfície.
Após aproximadamente 45 dias de voo, o Blue Ghost aterrará em Mare Crisium, perto de Mons Latreille, com coordenadas geográficas de 18,56 N e 61,81 E, e conduzirá operações de superfície durante um período de luz solar lunar (aproximadamente 14 dias) e durante algum tempo após o pôr do sol local. A aterragem está prevista para 2 de Março de 2025, no nascer do sol local, e o pôr do sol local será a 16 de Março.
O HAKUTO-R M2 (Resilience)
A Hakuto-R M2 é a segunda missão lunar comercial de demonstração tecnológica por parte da empresa japonesa ispace que tem por objectivo alunar na superfície do nosso satélite natural.
O desenvolvimento da missão foi iniciado como um concorrente para o Google Lunar X PRIZE (GLXP). Na altura a missão era denominada “Hakuto”, mas na altura a empresa não foi capaz de desenvolver um veículo com capacidade de voo durante o período de vigência do concurso. Em Agosto de 2019, a iSpace anunciava a reestruturação do seu programa lunar (agora denominado “Hakuto-R”, com a eliminação da missão orbital lunar de demonstração tecnológica em 2020, passando logo para uma missão de demonstração com descida na superfície lunar.
O veículo de descida (Series 1 Lander) foi optimizado para ser leve, de pequeno tamanho e de grande fiabilidade, tendo por objectivo ser a primeira missão comercial a descer na superfície da Lua. O local de descida foi seleccionado em Lacus Somniorum, devido às suas melhores condições de alunagem.
O veículo transporta várias cargas comerciais e governamentais, o rover Tenacious.
A primeira missão – Hakuto-R M1 – fez tentativa de alunagem perto da cratera Atlas no dia 25 de Abril de 2023. Porém, a comunicação com o veículo foi perdida durante a sua descida final até à superfície lunar. O computador de bordo concluiu incorretamente que o altímetro do radar estava com defeito e, ao rejeitar os seus dados, sobrestimou a sua altitude real e permaneceu a pairar 5 quilómetros acima da superfície da Lua. O veículo acabaria por cair descontroladamente quando o propulsor acabou e ficou destruído no impacto.
Lançamento
A plataforma JRTI deixou o Porto de Canaveral rebocada pela embarcação Signet Warhorse III, pelas 0150UTC do dia 13 de Janeiro de 2025. Por seu lado, a embarcação de apoio Bob deixava o seu porto de abrigo pelas 0204 do dia 13 de Janeiro.
A cerca de dez horas do lançamento procedeu-se à activação eléctrica do foguetão Falcon-9. Tanto o lançador como a sua carga são submetidos a uma série de verificações testes antes do início do abastecimento do querosene RP-1. O Director de Voo consulta os controladores a T-38m, determinando assim se tudo está pronto para o início do abastecimento do lançador. O processo de abastecimento de RP-1 inicia-se a T-35m no primeiro estágio, seguindo-se o início do abastecimento do oxigénio líquido (LOX) na mesma altura. O abastecimento de LOX ao segundo estágio inicia-se a T-16m.
A fase terminal da contagem decrescente inicia-se com os motores a serem condicionados termicamente para o lançamento a T-7m. A T-1m é enviado um comando para o computador de voo para iniciar as verificações pré-lançamento e o sistema de supressão sónica é activado na plataforma de lançamento inundada por milhões de litros de água. Por esta altura os tanques de propelente também são pressurizados. A T-45s o Director de Lançamento da SpaceX verifica se todos os parâmetros estão prontos para a missão, sendo também verificado que o espaço aéreo está pronto para o lançamento. A sequência de ignição é iniciada a T-3s. A T=0s o foguetão abandona a plataforma.
Abandonando a plataforma de lançamento, o Falcon-9 inicia uma série de manobras para se colocar na trajectória de voo correcta.
Tempo (h:m:s) | Evento |
00:01:12 | Máxima pressão dinâmica (MaxQ) |
00:02:28 | Final da queima do 1.º estágio (MECO) |
00:02:31 | Separação entre o 1.º e o 2.º estágio |
00:02:38 | Ignição do 2.º estágio (SES-1) |
00:03:28 | Separação da carenagem de protecção |
00:06:04 | Início da queima de reentrada do 1.º estágio |
00:06:30 | Final da queima de reentrada do 1.º estágio |
00:07:49 | Final da primeira queima do 2.º estágio (SECO-1) |
00:07:58 | Início da queima de aterragem do 1.º estágio |
00:07:32 | Aterragem do 1.º estágio |
00:08:20 | Final da primeira queima do 2.º estágio (SECO-1) |
00:58:24 | Início da segunda queima do 2.º estágio (SES-2) |
00:59:25 | Final da segunda queima do 2.º estágio (SES-2) |
01:05:39 | Separação dos Blue Ghost M1 |
01:32:42 | Separação do HAKUTO-R M2 |
O foguetão Falcon-9
Baptizado em nome da nave Millenium Falcon da saga cinematográfica “Guerra das Estrelas”, o foguetão Falcon-9 v1.1 foi um lançador a dois estágios projectado e fabricado pela SpaceX para o transporte seguro e fiável de satélites e do veículo Dragon para a órbita terrestre. Sendo o primeiro foguetão completamente desenvolvido no Século XXI, este lançador foi projectado desde o início para ter a máxima fiabilidade. A sua simples configuração de dois estágios minimiza o número de
Estatísticas de reutilização Para esta missão, o estágio B1085 (na sua 5.ª missão) demorou 29 dias 5 horas e 19 minutos a ser processado (a sua missão anterior havia sido o lançamento do satélite de navegação GPS III-07 “Sally Ride” a 17 de Dezembro de 2024. Com esta missão, o tempo médio de processamento do primeiro estágio dos Falcon-9 é de 28,46 dias (tendo por base os últimos 30 lançamentos e excluindo os primeiros voos de cada estágio). Por seu lado, a Plataforma de Lançamento LC-39A demorou 6 dias 14 horas e 44 minutos a ser processada para esta missão (a sua missão anterior havia sido o lançamento da missão Starlink G12-11 a 8 de Janeiro de 2025). Com esta missão, o tempo médio de processamento do complexo de lançamento é de 10,19 dias (tendo por base os últimos 30 lançamentos). |
eventos de separação (staging) e com nove motores no primeiro estágio, pode completar a sua missão em segurança mesmo na possibilidade de perda de um motor.
O Falcon-9 fez história em 2012 quando colocou a cápsula Dragon na órbita correcta para uma manobra de encontro com a estação espacial internacional, fazendo da SpaceX a primeira companhia comercial a visitar a ISS. Desde então, a SpaceX realizou múltiplas missões para a ISS transportando e recolhendo carga para a NASA. O Falcon-9, bem como a cápsula Dragon, foram desenhados na base do desenvolvimento de um sistema de transporte de astronautas para o espaço.
O foguetão Falcon-9 Upgrade, ou Falcon-9 FT, (a seguir designado simplesmente como “Falcon-9”) representa a mais recente evolução deste lançador. De forma geral, o Falcon-9 tem 68,4 metros de comprimento, 3,7 metros de diâmetro e uma massa de 541.300 kg. O veículo é capaz de colocar uma carga de 13.150 kg numa órbita terrestre baixa ou 4.850 kg numa órbita de transferência geossíncrona.
O primeiro estágio do Falcon-9 está equipado com nove motores Merlin (Merlin-1D) e tanque de liga de alumínio e lítio que contêm oxigénio líquido e querosene RP-1. Após a ignição, um sistema de segurança fixa o veículo na plataforma de lançamento e garante que todos os motores são verificados como estando na força máxima antes de libertar o foguetão para o seu voo. Então, com uma força superior a cinco aviões Boeing 747 em potência máxima, os motores Merlin lançam o foguetão para o espaço. Ao contrário dos aviões, a força de um foguetão vai aumentando com a altitude – o Falcon-9 gera 6.806 kN ao nível do mar, mas atinge 7.426 kN no vácuo espacial. Os motores do primeiro estágio vão sendo aumentados em potência perto do final da queima do estágio para assim limitar a aceleração do veículo à medida que a massa do lançador diminui com a queima do combustível. O tempo total de queima do primeiro estágio é de 162 segundos.
Com os seus nove motores agrupados juntos na configuração ‘octaweb’, o Falcon-9 pode aguentar a falha de até dois motores durante o lançamento e mesmo assim conseguir atingir a órbita terrestre com sucesso. O Falcon-9 é o único lançador na sua classe com esta característica chave.
O motor Merlin foi desenvolvido internamente pela SpaceX, mas vai encontrar as suas raízes aos motores das missões Apollo, nomeadamente o sistema de injecção baseado no motor do módulo lunar. O propelente é alimentado por uma única conduta, com uma turbo bomba de dupla pá que opera num ciclo de gerador a gás. A turbo bomba também fornece o querosene a alta pressão para os actuadores hidráulicos, que depois recicla para a entrada a baixa pressão. Isto elimina a necessidade de um sistema hidráulico separado e significa que não é possível ocorrer uma falha no controlo de vector de força por falta de fluido hidráulico. Uma terceira utilização da turbo bomba é o fornecimento de controlo de rotação ao actuar no escape da turbina de exaustão (no segundo estágio). Combinando-se estas características num só dispositivo aumenta-se assim de forma significativa o nível de fiabilidade do sistema.
O motor é capaz de desenvolver uma força de 654 kN ao nível do mar, 716 kN no vácuo, com um impulso específico de 282 segundos (nível do mar) e 311 segundos (vácuo).
A secção interestágio é uma estrutura compósita que liga o primeiro e o segundo estágio e alberga os sistemas de libertação e separação. O Falcon-9 utiliza um sistema de separação totalmente pneumático para uma separação de baixo impacto e altamente fiável que pode ser testado no solo, ao contrário dos sistemas pirotécnicos utilizados na maior parte dos lançadores.
O segundo estágio é propulsionado por um único motor Merlin de vácuo e coloca a carga a transportar na órbita desejada. O motor do segundo estágio entra em ignição poucos segundos após a separação entre o segundo e o primeiro estágio, e pode ser reiniciado várias vezes para colocar múltiplas cargas em diferentes órbitas. Para máxima fiabilidade, o segundo estágio está equipado com sistemas de ignição redundantes. Tal como o primeiro estágio, o segundo estágio é feito a partir de uma liga de alumínio e lítio.
O motor Merlin de vácuo (Merlin-1D de vácuo) desenvolve uma força de 934 kN e o seu tempo de queima é de 397 segundos.
A carenagem compósita é utilizada para proteger a carga durante a passagem do Falcon-9 pelas camadas mais densas da atmosfera. Quando a missão do Falcon-9 é o lançamento do veículo de carga Dragon, a carenagem não é utilizada, pois a cápsula possui o seu próprio sistema de protecção.
A carenagem tem 13,1 metros de comprimento e 5,2 metros de diâmetro. Fabricada em fibra de carbono, separa-se em duas metades utilizando um sistema de separação de actuadores pneumáticos semelhantes aos que são utilizados para a separação entre o primeiro e o segundo estágio.
A sequência de lançamento para o Falcon-9 é um processo de precisão ditada pela janela de lançamento tendo em conta a posição orbital a ser ocupada pela carga a bordo. Se a janela de lançamento é perdida, a missão é então adiada para a próxima janela de lançamento disponível.
Cerca de quatro horas antes do lançamento, inicia-se o processo de abastecimento – primeiro oxigénio líquido seguindo-se o querosene altamente refinado (RP-1). O vapor observado a sair do lançador durante a contagem decrescente é na realidade oxigénio a ser liberto dos tanques, sendo esta a razão pela qual o abastecimento de oxigénio líquido se mantém até quase ao final da contagem decrescente.
Lançamento | Veículo | 1.º estágio | Local Lançamento | Data Hora (UTC) | Carga | Recuperação |
2024-252 | 416 | B1083.7 | CCSFS, SLC-40 | 29/Dez/24 05:00 | Agila NuView Alpha NuView Bravo UtilitySat-1 | ASOG |
2024-254 | 417 | B1078.16 | KSC, LC-39A | 31/Dez/24 05:39:10 | Starlink G12-6 | JRTI |
2025-001 | 418 | B1073.20 | CCSFS, SLC-40 | 04/Jan/25 01:27 | Thuraya-4 | ASOG |
2025-002 | 419 | B1077.17 | CCSFS, SLC-40 | 06/Jan/25 20:43:59 | Starlink G6-71 | JRTI |
2025-003 | 420 | B1086.3 | KSC, LC-39A | 08/Jan/25 15:27:00 | Starlink G12-11 | ASOG |
2025-005 | 421 | B1071.22 | VSFB, SLC-4E | 10/Jan/25 03:52:00 | NROL-153 | OCISLY |
2025-006 | 422 | B1067.25 | CCSFS, SLC-40 | 10/Jan/25 19:11:20 | Starlink G12-12 | JRTI |
2025-008 | 423 | B1080.15 | CCSFS, SLC-40 | 13/Jan/25 16:47:09 | Starlink G12-4 | ASOG |
2025-009 | 424 | B1088.2 | VSFB, SLC-4E | 13/Jan/25 19:09:00,098 | Transporter-12 | LZ-4 |
2025-010 | 425 | B1085.5 | KSC, LC-39A | 15/Jan/25 06:11 |
Blue Ghost M1 Resilience (HAKUTO-R M2) Tenacious |
JRTI |
Imagens: SpaceX