Razdan – A próxima geração de satélites de reconhecimento óptico-electrónico da Rússia

A próxima geração de satélites de reconhecimento electro-óptico da Rússia, os satélites Razdan, estão actualmente a ser desenvolvidos no Centro Espacial e de Foguetões Progress (RKTs Progress), Samara. Equipados com um telescópio com um espelho principal com um diâmetro de 2,35 m, deve pelo menos ser capaz de igualar as capacidades dos satélites de reconhecimento KH-11 Kennan norte-americanos que foram introduzidos em 1976.

‘Razdan’ é o nome de um rio na Arménia que flui através da capital deste país, Yerevan. ‘Razdan’ é a forma russa de referir este nome, que também é transliterado do Arménio como ‘Hrazdan’. Assim, continua-se a tradição de baptizar os satélites de reconhecimento digital com nomes designações provenientes de antigas repúblicas soviéticas e que foi iniciada com ‘Neman’ (uma série de satélites da RKTs Progress lançados entre 1991 e 2000) e ‘Araks’ (dois satélites da NPO Lavochkin lançados em 1997 e 2002). O rio Neman atravessa a Bielorrússia e a Lituânia, e o rio Araks (também conhecido como Aras) atravessa a Turquia, Arménia, Azerbaijão e o Irão.

O projecto Razdan foi revelado na imprensa russa pelo jornal “Kommersant” em Julho de 2016 (1).

Referindo “duas fontes industriais informadas” bem como tendo por base documentação legal publicamente disponível, o jornal referia que o Razdan (também designado com o seu índice militar 14F156) deveria substituir os satélites de reconhecimento electro-óptico Persona, dos quais três veículos foram lançados em 2008m 2013 e 2015 (o primeiro satélite sofreu uma falha pouco depois do seu lançamento). Os planos preliminares previam o lançamento dos primeiros três satélites Razdan em 2019, 2022 e 2014. O terceiro satélite deveria ser o primeiro a transportar uma nova carga óptica desenvolvida pela Fábrica de Mecânica Krasnogorsk S.A. Zverv (KMZ) e estar equipado com um espelho com um diâmetro de mais de 2 metros. O jornal sublinhava que os satélites Persona transportam um sistema óptico desenvolvido por outra empresa (LOMO, baseada em S. Petersburgo), mas o artigo não referia nada acerca da carga óptica dos primeiros dois satélites Razdan.

Não surgiram mais detalhes acerca do projecto na imprensa russa após a publicação do artigo do Kommersant. Porém, alguma informação acerca do projecto pode ser extraída de documentos legais disponíveis publicamente no sítio zakupki.gov.ru, de alguns documentos da RKTs Progress disponíveis na Internet, bem como de uma mão cheia de outras fontes.

Os documentos mostram que o projecto foi oficialmente iniciado a 19 de Junho de 2014 com a assinatura de um contrato (1420187209502010128000192/14-4-51/539/ZK) entre a RKTs Progress e o Ministério da Defesa. Outro contrato para o projecto foi assinado por ambas entidades a 26 de Setembro de 2016 (1622187308551452246000192). Isto é pouco usual e pode ser indicativo de problemas nas fases iniciais do projecto que obrigaram a alterações nos planos originais. O mesmo padrão foi visto no projecto de desenvolvimento dos satélites Araks-R pela NPO Lavochkin (com o contrato original a ser assinado em 2012 e subsequentemente renovado em 2016 após o projecto ter encontrado alguns problemas). Outra possibilidade é a de que o contrato original  apenas estava destinado a projectos preliminares do satélite e que o segundo contrato foi para o desenvolvimento da versão definitiva do satélite. Isto explicaria o facto de que logo após a assinatura do contrato em 2014, o desenho de alguns subsistemas foi atribuído a mais do que um subcontratante, aparentemente numa base competitiva.

Enquanto que os satélites individuais são referidos com o índice militar 14F146, o índice geral do projecto (isto é, o “sistema espacial” na terminologia russa) é 14K046. Ainda não são conhecidos os designadores para o “complexo espacial” Razdan (a combinação dos satélites e da infraestrutura no solo) e do “complexo espacial e do lançador” Razdan (a combinação do veículo lançador e da infraestrutura do cosmódromo). Como pode ser inferido a partir de dois documentos da RKTs Progress, o projecto do satélite é realizado no departamento 1032 da RKTs Progress com a liderança do Desenhador Chefe Oleg G. Fedorenko.

A carga óptica dos satélites Razdan

A carga óptica do Razdan (o denominado “complexo electro-óptico” ou OEK) é denominado Sevan, tal como o lago arménio a partir do qual o rio Razdan origina. Tal como foi referido, o artigo publicado em 2016 pelo jornal Kommersant sugeria que iriam existir duas cargas ópticas distintas para os satélites Razdan: uma não identificada para os dois primeiros satélites e uma outra (um telescópio com mais de dois metros de diâmetro construído pela KMZ) para o terceiro e subsequentes satélites. Os documentos legais de facto mostram que a RKTs Progress assinou contratos para o projecto preliminar do Sevan a 1 de Julho de 2014 com dois fabricantes de telescópios, a KMZ e a LOMO. Este trabalho deveria ser terminado no final daquele ano (2, 3)

Porém, não existe qualquer registo da LOMO em documentação posterior, levantando a questão sobre se a informação fornecida pelo Kommersant estaria correcta. De qualquer das formas, seria muito pouco provável que o mesmo tipo de satélite alterasse a sua carga óptica após apenas duas missões, o que provavelmente também iria requerer alterações no desenho do satélite

É sabido que em 2016 a LOMO havia sido seleccionada para desenvolver a carga óptica de alta resolução para os satélites civis de detecção remota Resurs-PM da RKTs Progress, que gradualmente irão substituir os actuais satélites Resurs-P nos anos 2020. A carga óptica de alta resolução dos satélites Resurs-PM foi identificada em algumas publicações como ‘Elegia’ e está equipada com um telescópio com um espelho de 1,5 metros (apesar de publicações posteriores referiram um diâmetro de 1,2 metros). É quase certo que este espelho está a ser desenvolvido para a LOMO pela Fábrica de Vidros Ópticos Lytkarino (LZOS). A revista empresarial da LZOS, “Spektr”, mencionou num artigo a entrega de dois espelhos de 1,540 mm à LOMO, presumivelmente os espelhos dos dois primeiros satélites Resurs-PM (4 pág. 4). O espelho é visto na imagem disponível aqui.

A LZOS também construiu os espelhos de 1,5 metros para os satélites Araks e Persona. Existem evidências de que os espelhos de 1,5 metros nos três satélites Persona (parte de um complexo óptico designado ’17V321′) foram fabricados pela LZOS no século passado para um satélite de reconhecimento da RKTs Progress denominado ‘Sapfir’, que nunca foi lançado. O facto de que os satélites Resurs-PM e Persona têm espelhos primários do mesmo tamanho, é um forte indicativo de que os satélites Resurs-PM são essencialmente uma derivação civil dos satélites Persona com a adição de uma carga de resolução média (imagem ao lado). Os telescópios têm diferentes montagens ópticas. Enquanto que os satélites Persona possuem um telescópio Korsch de triplo-espelho, os satélites Resurs-PM usam um telescópio de duplo espelho Ritchey-Chrétien.

O único fabricante de telescópios referido em documentos sobre o Sevan após 2014, é a KMZ. No entanto, o envolvimento da LOMO no projecto Razdan não pode ser excluído e um cenário mais plausível é o de que a LOMO e a KMZ terão sido ambas convidadas a propor cargas ópticas para o Razdan em 2014 e que a KMZ foi seleccionada como o único fabricante. Ao contrário da LOMO; a KMZ é parte da forte holding Shvabe, que une várias dezenas de organizações que formam o núcleo da industria óptica da Rússia. Isso pode ter ajudado a garantir o prestigioso contrato para o Sevan, enquanto a LOMO teve de se contentar com o contrato para os satélites Resurs-PM, o que pode parecer uma repetição do trabalho que foi feito anteriormente para os satélites Persona.

De facto, a KMZ começou a desenvolver a tecnologia para a carga óptica do Razdan ainda antes do início oficial do projecto. No final de 2013 ganhou um concurso organizado pela Roscosmos com a designação ‘Zerkalo-KT’ (“zerkalo” significa “espelho” e “KT” são as iniciais de “telescópio espacial” em Russo). O propósito deste concurso foi descrito como “o desenvolvimento de tecnologia para o fabrico de espelhos primários leve destinados a telescópios espaciais de grande tamanho e de alta resolução para detecção remota da Terra”. As especificações técnicas podem ser encontradas aqui.

O objectivo era o de construir um espelho com um diâmetro “de até 2,5 metros” (apesar de 2,3 metros ser o tamanho específico dado em alguma parte da documentação) bem como uma estrutura compósita para albergar o espelho. A massa do espelho não deveria “ultrapassar os 550 kg” e a massa de toda a estrutura “não deveria ser superior a 780 kg”. O sistema deveria ter um “tempo de serviço” de pelo menos 10 anos, sendo 3 anos de armazenamento no solo e 7 anos de utilização em órbita.

À KMZ foi atribuído o contrato (140-K709/13/396) a 9 de Dezembro de 2013. Porém, de forma estranha, o outro concorrente era a RKTs Progress, que não tem qualquer trabalho feito em tecnologia óptica. A documentação mostra que o projecto Zerkalo-KT foi prematuramente finalizado em Fevereiro de 2015, mas é óbvio a partir de outras fontes que a KMZ continuou a trabalhar no sistema nos anos posteriores. Uma possível explicação está no facto de que o Zerkalo-KT ter sido iniciado como um projecto civil financiado pela Roscosmos, mas que a agência espacial terá interrompido o financiamento em princípios de 2015 quando o espelho foi incorporado no projecto Razdan do Ministério da Defesa.

Um artigo da KMZ publicado em finais de 2014 descreve de forma breve o trabalho realizado no espelho Zerkalo-KT, referindo o seu diâmetro como 2,5 metros. Um desenho (imagem ao lado) publicado no artigo mostra um modelo computadorizado do espelho (5 pág. 38-40).

Parece que a KMZ teve luz verde para o desenvolvimento do Sevan quatro dias após a RKTs Progress ter renovado o seu contrato Razdan com o Ministério da Defesa a 26 de Setembro de 2016. Documentos legais publicados em 2018 para os temas denominados ‘Sevan-NTS’, ‘Sevan-DKO’ e ‘Sevan-DKI’, contêm um número de contrato (1619187310651452246001869) que através de outros documentos pode ser assinalado a um contrato assinado directamente entre a KMZ e o Ministério da Defesa a 30 de Setembro de 2016. De novo, isto é pouco usual porque como um fornecedor de carga, a KMZ deveria agir como subcontratante da RKTs Progress. O facto de os russos se terem desviado dos procedimentos usuais pode apontar para a especial importância atribuída pelo Ministério da Defesa a esta carga. Aparentemente, quer colocar o desenvolvimento do Sevan sobre a sua supervisão directa.

Um parceiro chave da KMZ no desenvolvimento do Sevan é a Fábrica de Vidros Ópticos Lytkarino (LZOS), responsável pela construção dos espelhos. A KMZ fez uma parceria com a LZOS para o projecto do Zerkalo-KT em 2014, possivelmente ainda antes da aprovação do Razdan. Os relatórios anuais da LZOS para 2014 e 2015 mencionam um tema denominado ‘Zerkalo-KT GZ’ (no qual as iniciais ‘GT’ significam “espelho primário”), com o relatório de 2015 a referir um diâmetro de 2,4 metros para o espelho. Os relatórios podem ser obtidos aqui.

Pelo menos duas publicações reconhecem o envolvimento da LZOS no projecto Razdan/Sevan: a edição de Abril-Maio de 2018 da revista corporativa “Spektr” da LZOS (6 pág. 29) e os procedimentos de uma conferência organizada pela LZOS em Outubro de 2019 (7 pág. 14). Outro número da Spektr (Setembro-Outubro de 2018) fornece mais alguns detalhes do projecto do Sevan, sem mencionar o projecto como tal (8 pág. 4)

Uma actualização às actividades do Departamento 95 da LZOS referiu que estava a decorrer o trabalho de fabrico de “um conjunto de especial propósito consistindo de um espelho primário de 2,4 metros, um espelho asférico secundário de 540 mm, um espelho asférico terciário desalinhado e do equipamento auxiliar de colimatação”. Referia que os complexos espelhos asféricos leves requeriam longos tempos de produção. “Especial propósito” é um termo usualmente utilizado em Russo como sinónimo de “militar” e não deve haver muitas dúvidas de que esta é uma referência ao Sevan, que assim parece utilizar uma configuração de três espelhos.

As edições de Junho-Agosto de 2018 e de Setembro de 2019 da “Spektr” mencionam os contentores necessários para transportar espelhos, incluindo um para um espelho com um diâmetro de 2.350 mm. Este deve ser o diâmetro exacto do espelho primário (com o número de 2,4 metros a ser um valor arredondado) – 9 pág. 4, e 10 pág. 5. Os documentos legais para o transporte de três espelhos surgiram em finais de 2018 e princípios de 2019 (11, 12 e 13)

Embora a documentação não refira o projecto Razdan ou Sevan, contém o número do contrato assinado entre o Ministério da Defesa e a KMZ para o Sevan a 30 de Setembro de 2016. Os contratos para o transporte do espelho secundário e terciário foram assinados a 13 de Novembro de 2018 e para o espelho primário a 20 de Março de 2019. A documentação inclui desenhos dos espelhos dentro de seus recipientes (ver imagens a seguir). Estes confirmam que o diâmetro do espelho primário é de 2,350 metros. O diâmetro do espelho secundário parece corresponder ao valor publicado de 0,54 metros e o diâmetro do espelho terciário pode ser estimado em cerca de 0,40 metros.

 

 

 

 

 

 

 

A documentação também tem as dimensões dos contentores e o que parece ser a massa combinada dos espelhos e dos contentores:

  • espelho primário: (comprimento/largura/altura) 3500х3500х930 mm / 4400 kg
  • espelho secundário: 1200×1100×615 mm / 450 kg
  • espelho terciário: 1500×1220×570 mm / 600 kg

O material utilizado para a construção do espelho primário (e, presumivelmente, dos outros dois) é denominado ‘SO-115M’, também conhecido como ‘Sitall’ ou ‘Astrositall’. Este é um material cerâmico cristalino desenvolvido pela LZOS ainda no tempo da União Soviética e tem sido utilizado principalmente nos espelhos espaciais russos, incluindo os espelhos de 1,5 metros utilizados nos satélites Araks e Persona. As publicações da LZPS reconhecem que os materiais tais como o carbeto de silício (utilizado nos observatórios Herschell e Gaia da ESA) e o berílio (utilizado no telescópio espacial James Webb) são superiores em desempenho, mas apontam para o relativo baixo custo do Sitall e o seu ultra baixo coeficiente de expansão térmica. Actualmente, o trabalho nos espelhos de carbeto de silício na Rússia encontra-se apenas numa fase experimental.

Presumivelmente, o telescópio utilizado a bordo dos satélites Razdan é um conjunto Korsch anastigmático de três espelhos, mais especificamente uma configuração Korsch Tipo 2 com um terceiro espelho fora de eixo. Mais sobre estes telescópios aqui.

A carga 17V321 dos satélites persona também utiliza uma montagem óptica Korsch. Um artigo escrito por um especialista da KMZ em 2021 inclui um diagrama de uma montagem óptica que pode muito bem ser a do Sevan, apesar de não mostrar o espelho terciário. Uma das fontes indicadas nas referências do artigo é o desenho preliminar do Sevan (12 pág. 75).

É interessante notar que o espelho primário tem quase exatamente o mesmo diâmetro dos dois espelhos primários que o Departamento de Defesa dos Estados Unidos doou à NASA em 2012 para uso a bordo de satélites astronómicos (um dos quais voará no Wide Field Infrared Survey Telescope ou WFIRST ). Acredita-se que sejam espelhos originalmente fabricados para os satélites espiões KH-11. Os espelhos doados foram referidos como parte de um conjunto de três espelhos, embora o espelho terciário não tenha sido incluído na doação porque não era necessário para a missão de astronomia. O Telescópio Espacial Hubble também possui um espelho primário de 2,4 metros (os planos originais para utilizar um telescópio de 3 metros no Hubble aparentemente foram arquivados para unificar o desenho do espelho do Hubble com o do espelho dos satélites KH-11 e, assim, economizar custos).

Os principais elementos estruturais do telescópio parecem ter sido construídos internamente na RKTs Progress e por uma empresa chamada SKTB Plastik, que também constrói a estrutura composta do telescópio dos satélites Resurs-PM. Os actuadores piezoelétricos necessários para manter a forma adequada dos espelhos são fornecidos por uma empresa chamada “PO Start M.V. Protsenko”. Aparentemente, o principal papel da KMZ no projecto é integrar vários componentes entregues por outros subcontratados.

Também é possível identificar os sensores de imagem CCD que serão utilizados pela Sevan. Estes são chamados ‘Kem-PKh’ (Кемь-ПХ) e ‘Kem-MS’ (Кемь-МС) (‘Kem’ é o nome de um rio na República da Carélia, no noroeste da Rússia). Os sensores foram vinculados ao Razdan na documentação de aquisição da RKT citada na Internet aqui.

Os CCD são fabricados pela NPP Elar, que também produziu CCD para outros satélites de observação da Terra da RKT Progress, incluindo os satélites Persona, Resurs-P e Resurs-PM. Os CCD Kem foram brevemente mencionados em artigos apresentados pela NPP Elar em conferências de detecção remota realizadas em 2018 e 2019 (13 pág. 74, 14 pág. 78)

O primeiro artigo vincula erradamente os CCD aos satélites Resurs-PM, enquanto o segundo não os vincula a nenhum satélite específico. Ambos os artigos descrevem como CCD de Integração de Atraso de Tempo (Time Delay Integration TDI). O Kem-PKh tem um tamanho de pixel de 9×9 um2 e destina-se a imagens pancromáticas e o Kem-MS tem um tamanho de pixel de 18×18 um2 e destina-se a imagens multiespectrais em quatro canais. Os mesmos tamanhos de pixel CCD são vistos no sistema de imagem pancromática de alta resolução dos satélites Resurs-PM e no sistema de imagem multiespectral de média resolução (quatro canais). No entanto, estes CCD têm nomes diferentes, nomeadamente ‘Pribor-OEK-9’ e ‘Pribor-SR/Kombi’ e, portanto, podem não ser idênticos aos CCD da Sevan. Os ‘Pribor-OEK’ e ‘Pribor-SR’ foram programas de pesquisa realizados na primeira metade da década para desenvolver novas tecnologias para sensores de imagem da Terra de alta e média resolução, respectivamente. Embora pareçam ter sido voltados principalmente para os satélites Resurs-PM, alguns dos resultados também podem ter sido aplicados na Sevan.

Os CCD Kem também são objecto de vários contratos no sítio governamental zakupki.gov.ru. Estes mostram que os testes ambientais dos CCD foram subcontratados ao TsNII RTK (Centro Científico de Robótica e Cibernética Técnica), uma organização com sede em São Petersburgo que é mais conhecida por desenvolver sistemas de robótica espacial, bem como o sistema de controle de descida suave Kaktus das cápsulas espaciais Soyuz MS. Foi dada preferência a uma organização sediada em Moscovo denominada RNII Elektronstandart, que geralmente realiza esses tipos de testes.

Os subsistemas electrónicos para a carga óptica (conhecidos como “Sistema de Recepção e Conversão de Informações ou SPPI) são conjuntamente denominados ‘Sangur-2R/1’. Os sistemas análogos para os Resurs-DK1, Resurs-P e Resurs-PM são chamados ‘Sangur-1’, ‘Sangur-1U’ e ‘Step-29’ e foram todos desenvolvidos pela NPP OPTEKS, uma afiliada da RKTs Progress.

Outros sistemas

O principal sistema de propulsão é um sistema de combustível líquido desenvolvido pela KB Khimmash (as antigas ‘Oficinas de Isayev’), agora parte do Centro Khrunichev. É denominada “unidade de motor combinada” (ODU). A única documentação legal disponível refere acerca “da adaptação do ODU”, uma possível indicação de que a unidade do motor é uma versão modificada de uma anterior. Outros documentos mostram que a NIIMash, em Nizhnyaya Salda, fabrica propulsores para o Razdan denominada 11D428A-16. Estes são motores de 129 N que queimam UDMH/tetróxido de azoto que tem sido utilizado noutros veículos espaciais russos, incluindo os veículos Soyuz MS. Um documento menciona quatro conjuntos de motores para a “unidade de voo Razdan” “totalizando 100 motores”.

Documentos legais também revelaram que os satélites Razdan irão transportar um sistema de propulsão eléctrica. Porém, não foi possível identificar o fabricante do sistema, que poderá ser o OKB Fakel ou o Centro de Investigação Keldysh. A única informação útil que pode ser retirada da documentação é a de que o sistema irá utilizar tanques de xénon construídos pela NIIMash em Nizhnyaya Salda. A NIIMash é conhecida por ter produzido um tanque de xénon denominado MSKV-50.000.000 que já foi utilizado num número de satélites utilizando os motores de plasma estacionário SPD-100 da OKB Fakel. O desenvolvimento de um “sistema de controlo e de fornecimento de energia” para o sistema de propulsão eléctrico foi atribuído simultaneamente à NPTs Polyus e à AVEKS em Julho de 2014, aparentemente numa base competitiva.

Um documento da NIIMash também faz alguma luz sobre o propósito do sistema de propulsão eléctrico. Refere que a companhia fornece subsistemas de pequeno tamanho para a unidade de propulsão eléctrica, referindo ainda que será utilizado para ajustamentos orbitais precisos que tornará possível aumentar a resolução no solo do complexo orbital a bordo. Isto poderá significar que os satélites Razdan irá pelo menos periodicamente operar em órbitas muito baixas para obter a resolução máxima e regularmente utilizar o seu sistema eléctrico para contrariar o atrito pelo arrastamento atmosférico. Isto é reminiscente de testes levados a cabo pelo Japão com um satélite de observação experimental denominado Tsubame, que utilizou motores iónicos à base de xénon para contrariar o arrastamento aerodinâmico à medida que baixa a altitudes de 167 km. Os satélites Razdan podem muito bem ser os primeiros satélites de reconhecimento óptico a transportar um sistema de propulsão eléctrico.

Os satélites Razdan irão também estar equipados com um sistema de controlo de atitude electromecânico que tornará possível orientar o satélite sem consumir propolente. Este é fornecido pelo Instituto de Investigação Científica de Instrumentos de Comando (NIIKP) em São Petersburgo. A empresa fabrica giroscópios de controlo de momento (CMG), rotores que são colocados em rotação a constante velocidade e que são montados em suspensões para fornecer controlo de atitude. A 1 de Julho de 2014, foram atribuídos ao NIIKP contratos para elaborar o desenho preliminar para dois tipos de giroscópios de controlo de momento para os Razdan com um momento angular de 30 Nms e 250 Nms. Documentação posterior apenas menciona um CMG de 250 Nms (denominado SGK-250). Isto parece ser idêntico em performance a um CMG denominado 14M533, que é transportado pelos satélites Resurs-P e Persona (assim, presumivelmente estes serão dois nomes para um sistema idêntico). Os subsistemas para o SGK-250 são denominados Kardan (“Suspensão”) e MSSKM-016. MSSKM significa “Sistema Magnético para Descarga de Momento” e é necessário para dessaturar os CNG ao remover o excesso de momento angular do veículo espacial. O sistema MSSKM-016 será também instalado no satélite Ekipazk, um satélite nuclear desenvolvido pela KB Arsenal.

Outros subcontratores para os satélites Razdan incluem:

– TsNII Elektropribor: para um sistema inercial sem suspensão utilizando giroscópios electrostáticos (utilizados para determinção precisa de atitude);

– Instituto de Investigação Espacial (IKI): para sensores terrestres (BOKZ) e sensores solares (OSD) para serem utilizados no sistema de controlo de atitude;

– PAO Saturn: para células fotovoltaicas e baterias de iões de lítio para serem utilizados no sistema de fornecimento de energia. Segundo um documento, algumas das células foram testadas num modelo do painel solar dos satélites Persona no solo. De forma confusa, a NPP Kvant, outra companhia russa especializada em painéis solares, segundo o seu relatório anual de 2016, estudou a necessidade de importar células solares para o Razdan ao abrigo de um projecto de investigação denominado Razdan-N BF-E.

– NPTs Polyus e AVEKS: para o sistema de controlo de fornecimento de energia;

– Sistemas Espaciais Russos (RKS): para o sistema de telemetria a bordo (BITS);

– Instituto de Investigação Científica de Instrumentos de Precisão (NII TP): para o sistema de comando e medição (Topaz-R) e para o sistema de transmissão de alta velocidade;

– NII Submikron: presumivelmente para o sistema de computador de bordo;

– Instituto Russo de radio Navegação e Temporização (RIRV): para os sistemas de navegação a bordo (BSKVU-R);

– Instituto de Investigação Cientifica de Mecânica de Precisão (NII TM): para o desenvolvimento de um sistema denominado “Sistema de Eliminação de Informação” (SLI). Isto é definido com sítio na Internet da empresa como um sistema de operação autónomo que pode eliminar informação  (incluindo o que é denominado como “informação codificada”) em caso de certos parâmetros “excederam os limites aceitáveis”. Aparentemente inclui um conjunto de sensores especializados para monitorizar de forma contínua vários sistemas a bordo. Nos primeiros dias do programa espacial, a NII TM desenvolveu sistemas de destruição em para os veículos Vostok e Voskhod não tripulados, bem como para os satélites espiões Zenit para garantir que não aterrariam em território estrangeiro em caso de anomalia. Porém, como os Razdan são satélites não recuperáveis, pode ser assumido que o sistema SLI não é para este propósito.

O veículo lançador – perspectivas

Tendo os satélites Razdan uma carga óptica mais avançada doo que os seus predecessores e possivelmente um novo modelo de satélite, é lógico perguntar se permanece dentro da capacidade de lançamento dos foguetões Soyuz-2.

É interessante mencionar um artigo escrito em 2016 por especialistas da RKTs Progress e da Universidade Nacional de Investigação de Samara que pode ser visto aqui. Os autores descrevem uma técnica para comparar a eficiência de vários tipos de “complexos telescópicos electro-ópticos” (OSTK) para satélites de detecção remota da Terra (ambos em termos de desempenho e custo). Por forma a demonstrar essa técnica, compararam dois sistemas ópticos que denominam por ‘OETK-1’ e ‘OETK-2’ (tabelas ao lado). Na Tabela 3 são dados os parâmetros básicos dos dois sistemas ópticos e na Tabela 4 utilizam esses dados para extrapolar as características dos satélites que poderiam transportar esses sistemas ópticos.

Como pode ser vosto na Tabela 3, os diâmetros dos espelhos primários são 1,5 metros para o OETK-1 e 2,3 metros para o OETK-2. As fontes para os dados na Tebela 3 são um artigo de 2002 por Yevgeni Malamed (para o OETK-1) e um artigo na Internet sobre os satélites espiões KH-11 e KH-12 por Chales Vick da Federação de Cientistas Americanos (para o OETK-2) – apesar de a maior parte dos números dados para o OETK-2 na Tabela 3 não se encontrarem nesse artigo.

Sabe-se que Malamed foi o desenhador chefe na LOMO para um complexo óptico espacial com um espelho de 1,5 metros, provavelmente Arkon e/ou o Persona. Os dados para os satélites que transportam o OETK-1 na Tabela 4 quase de certeza que coincidem com os dados dos satélites Persona (os parâmetros orbitais dados são de facto dos satélites Persona). As características calculadas para um satélite hipotético transportando o OETK-2, segundo os autores, “mais ou menos corresponde às características do KH-11”. Estas incluem uma massa máxima de 11 toneladas, um diâmetro máximo de 2,14 metros e um comprimento máximo de 13,1 metros.

Os autores concluem as suas análises ao referir que o satélite com o OETK-2 não só tem uma melhor performance, mas também é mais eficiente em termos de custos do que o satélite com o OETK-1, apesar da necessidade de utilizar um veículo lançador mais pesado “tal como o Angara-5 ou Proton”. Acrescentam que seria preferível reduzir a massa e dimensões do satélite OETK-2 para que assim fosse compatível com o veículo lançador Soyuz-2. Isto poderia ser possível ao reduzir o seu tempo de vida, produtividade e consumo energético, e “introduzindo novas características técnicas” que não são especificadas pelos autores.

Embora o Razdan não seja mencionado pelo nome neste artigo, é lógico supor que este estudo reflecte a pesquisa feita pela RKTs Progress sobre um satélite da classe KH-11. Não é referido qual o foguetão que será utilizado para lançar os satélites Razdan, mas indica que foram feitos esforços para tornar o satélite compatível com o foguetão Soyuz-2. Na verdade, parece que não há muita escolha. A Rússia actualmente não possui um foguetão de médio porte da classe Zenit que preenche a lacuna entre a família Soyuz e o Angara-A5/Proton. O foguetão Soyuz-5/Irtysh actualmente em desenvolvimento voará apenas de Baikonur e/ou Vostochnyi, enquanto os militares provavelmente desejarão lançar os satélites Razdan a partir de Plesetsk. Uma versão de médio porte do Angara chamada Angara-A3 nunca foi além da fase de projecto e o Angara-A5 está configurado apenas para voar desde Plesetsk com estágios superiores. Portanto, parece que a massa e o tamanho dos satélites Razdan devem ter sido reduzidos o suficiente para serem lançados com o foguetão Soyuz-2, possivelmente com uma grande carenagem de protecção feita sob medida para abrigar o telescópio Sevan com seu espelho primário de 2,35 metros. O foguetão mais poderoso da família Soyuz-2, o Soyuz-2.1b, pode colocar 7.470 kg numa órbita de 81,4.° e 6.900 kg numa órbita de 98,3.° a partir de Plesetsk.

As datas de lançamento indicadas para os primeiros três satélites Razdan e que podem ser vistas nos sítios especializados na Internet, são as mesmas que foram indicadas no artigo de 2016 do Kommersant. Um contrato assinado a 1 de Outubro de 2016 para a entrega de giroscópios electrostácticos para os dois primeiros satélites Razdan, indicam os esperados períodos de preparação para os lançamentos entre 1 de Janeiro e 30 de Outubro de 2020 para o satélite N.º 1 e 1 de Janeiro a 30 de Outubro de 2021 para o satélite n.º 2. Obviamente, estas datas foram reconsideradas desde então. Tal como muitos outros projectos russos, os Razdan terão sofrido atrasos devido a problemas de orçamento e devido às sanções impostas pelo Ocidente que terão complicado o fornecimento de componentes electrónicos para os satélites russos.

A Rússia terá de contar com os restantes dois satélites Persona no activo e que fornecem imagens de alta resolução até à entrada em serviço dos Razdan. Tendo por base a informação fornecida pelo artigo da RKTs Progress em 2016, os satélites Persona têm um tempo de serviço de cinso anos. O Cosmos-2486 (Persona n.º 1) e o Cosmos-2506 (Persona m.º 2) têm estado em órbita desde Janeiro de 2018 e Junho de 2015, respectivamente. O Ministério da Defesa também possuí um pequeno satélite de reconhecimento experimental em órbita (EMKA/Cosmos-2525, construído pela VNIIEM), que pode ser um percursos de uma série de pequenos satélites de reconhecimento denominados Razbeg, actualmente em desenvolvimento na VNIIEM. Os militares russos também utilizam imagens provenientes de satélites civis para preencher as falhas na cobertura dos satélites de reconhecimento.

Dois satélites Razdan estarão a ser construídos (14F156 n.º 1 e 2). Isto pode ser deduzido a partir de documentação que surgiu no sítio governamental zakupki.gov.ru (15).

Por esta altura não é possível indicar quando o primeiro satélite Razdan será colocado em órbita.

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Traduzido de um texto de Bart Hendrickx publicado no fórum NASASpaceflight.com (11).