O projecto Stan – defendendo satélites com lasers

 

Existem sinais de que a Rússia tem estado a trabalhar num projecto para equipar vários tipos de veículos, incluindo satélites, com lasers para os defender de um ataque inimigo. O projecto é denominado ‘Stan’, que é um substantivo russo com vários significados (torso, acampamento, moinho). Este é claramente considerado um projeto altamente secreto e muito pouca informação está disponível sobre o mesmo.

A coordenação geral do projecto é feita pela RFYaTs-VNIIEF, que foi atribuída com um contrato governamental para o Stan pelo Ministério da Defesa a 25 de Julho de 2012 (1). A RFYaTs-VNIIEF foi a única licitante em licitação fechada anunciada pelo Ministério da Defesa em Março de 2012.

A RFYaTs-VNIIEF (Centro Nuclear Federal da Rússia – Instituto Científico Russo de Física Experimental), está baseado em Sarov a cerca de 500 km Este de Moscovo, e é o principal centro russo de investigação e desenvolvimento para armas nucleares, mas também possui departamentos especializados noutros campos, incluindo um instituto de física a laser (ILFI) que realizou muitas investigações no campo da tecnologia e física de lasers. O RFYaTs-VNIIEF é também o principal contratante para o projecto publicamente conhecido como ‘Peresvet’, um sistema de laser móvel que está a ser co-desenvolvido com unidades de mísseis balísticos intercontinentais móveis e capaz de confundir os sensores de satélites que tentam seguir os movimentos desses unidades.

A maior parte da limitada informação disponível acerca do Stan está relacionada com o desenvolvimento de um sistema de laser que pode proteger os aviões de ataques de mísseis. Tal como pode ser determinado a partir de documentos legais, a principal oficina para essa parte do projecto é a NII Ekran, com um dos subcontratores sendo o Instituto Estatal de Óptica Aplicada – GIPO (2)

A NII Ekran está especializada em contramedidas de radar e ópticas para proteger os aviões e helicópteros de ataques de mísseis, incluindo laser para confundir os sistemas de mira infravermelhos dos mísseis de ataque. Tal sistema de laser é incorporado num denominado “complexo de defesa de bordo” conhecido como “L-370” ou “Vitebsk” (nome de exportação: “President-S”), principalmente destinado a ser utilizado a bordo de helicópteros.

O sistema desenvolvido para o projecto Stan é conhecido como “13ML08” e foi testado no Instituto de Investigação Aérea de Gromov (LII) em Zhukovskiy, arredores de Moscovo, em 2017 (o programa de teste em voo foi designado “Stan-E”). O relatório anual do LII para 2017 (3) e vários documentos legais (4) referem estes dados.

O sistema foi transportado a bordo de um avião Ilyushin-76MD e aparentemente disparou raios laser a um alvo multiespectral simulado transportado a bordo de um caça MiG-29UB. Os testes de voo são descritos aqui.

As figuras ao lado, retiradas do artigo referido, mostram o sistema na sua configuração armazenada e implementada. Documentos legais indicam que o sistema foi posteriormente declarado operacional para ser utilizado no bombardeiro estratégico Tu-160M e possivelmente noutros aviões Tupolev.

Não parece que o projecto Stan esteja somente limitado a sistemas de defesa de aviões. Existem pelo menos três provas que sugerem fortemente que o Stan também possuí uma componente espacial.

Stan-KAR (GLP Raduga)

A prova mais convincente provém de uma edição de um jornal local publicado em Raduzhnyy, uma cidade militar com acesso limitado na província de Vladimir a Este de Moscovo. Esta é a sede do Centro Estatal de Testes de Laser Raduga (GLP Raduga) – (5, pág. 4)

O jornal tem uma breve biografia de um investigador do GLP Raduga (Leonid Fedochenko), que trabalhou numa parte do projecto denominado “Stan-KAR”. O papel de Fedochenko era o de “estudar a potência do laser, desenvolver um método para instalar o complexo a bordo do objecto a ser defendido e chegar a um acordo acerca desse método com os projectistas dos satélites”. Não é claro o significado de “KAR”, apesar do “K” poder significar a palavra russa para “espaço”.

Outra parte do projecto Stan na qual Fedochenko trabalhava era o “Stan-MBR-R”, com “MBR” a ser a abreviação russa para “míssil balístico intercontinental”. Se isto é o que o nome significa, isso indicaria que o Stan também tinha como objectivo o desenvolvimento de um sistema laser para defender os ICBM ou as suas ogivas dos sistema de defesa anti-balísticos, apesar disto parecer futurístico.

O projecto Stan é também mencionado em duas outras edições do jornal, mas não são dados detalhes específicos (6 pág. 4, 7 pág. 5).

Num destes, o Stan juntamente com outros dois projectos é ligado aos “sistema de detecção e orientação” operado nas partes visível e infravermelha do espectro electromagnético.

A GLP Raduga também realizou alguma investigação num sistema de alcance a laser espacial para detectar detritos espaciais, mas não é claro se existe alguma ligação com o Stan. Isto foi mencionado num artigo apresentado em 2019 pelo director da GLP Raduga, Sergei G. Kazantsev (um veterano da Corporação VNIIEM, um dos principais fabricantes de satélites de detecção remota e meteorológicos). O sistema iria empregar um disco laser de infravermelho próximo que após algumas modificações seria também capaz de vaporizar pequenos detritos espaciais. faria uso de tecnologia de laser nanocerâmica (8 pág. 28).

Num artigo anterior dedicado a tecnologia de laser espacial, Kazantsev escreveu que laboratório de “laser cerâmico” havia sido estabelecido na GLP Raduga em 2013 para trabalhar em tecnologia de nanocerâmica para laser de estado sólido (um tipo dos quais são os laser de disco) – (9)

Stan-AKB (PAO Saturn)

Uma empresa envolvida no projecto é a PAO Saturn, que é especializada na construção de painéis solares e baterias para satélites. A sua participação no Star foi revelada numa apresentação da empresa que surgiu na Internet em meados de 2019 e causou alguma movimentação nos media russos na altura dado que também mencionada o envolvimento da PAO Saturn em projectos espaciais ultra-secretos tais como o Nivelir e Burevestnik (10 pág. 19 e 34)

A PAO Saturn realizou um trabalho no projecto sob o nome “Stan-AKB”, que estava ligado a algo chamado “SEP RSU”. “AKB” provavelmente significa “bateria de armazenamento”. “SEP” é uma abreviação comumente usada para “sistema de alimentação” e “SU” em “RSU” pode referir-se a “sistema de controlo”. A empresa forneceu baterias de iões de lítio para o Stan denominadas “8LI-40”, compostas de células individuais conhecidas como “LIGP-40”. As baterias foram descritas como tendo uma vida útil de cinco anos. Duas das baterias foram produzidas para o projecto, incluindo uma versão com classificação de voo. Os testes no solo e os “testes de estado” foram concluídos. Baterias semelhantes (LIGP-40A) estão instaladas no satélite de detecção remota Aist-2D, colocado em órbita em 2016. As baterias 8LI-40/LIGP-40 também são mencionadas numa dissertação de doutoramento dedicada a baterias de iões de lítio para satélites, confirmando que são projectadas especificamente para uso no espaço (11)

Da apresentação pode-se deduzir que a PAO Saturn é um subcontratante para este trabalho para a NPO RIT em Tver (“RIT” significa “Desenvolvimento de Tecnologias Inovadoras”). Apesar da NPO RIT receber uma licença da Roscosmos para “actividades espaciais” em Julho de 2015, nada na sua página na Internet ou noutio lugar que indique um papel no programa espacial ou no desenvolvimento de lasers. Possivelmente, a NPO RIT está somente encarregada do sistema de controlo do laser. Segundo a sua página on-line, uma das suas actividades é o desenvolvimento de “sistemas de controlo para vários objectos”, incluindo sistemas de gravação a laser. A PAO Saturn seria então responsável pela entrega do sistema de fornecimento de energia para esse sistema de controlo.

Stan-KAEP (RKK Energia)

A terceira prova vem do relatório anual de 2016 da RKK Energia, onde surge algo denominado “Stan-KAEP” que é ligado às missões Soyuz e Progress para a ISS (12 pág. 104). Estranhamente, existe outra versão do mesmo relatório onde “Stan-KAEP” não surge no mesmo parágrafo.

Uma possível explicação para a participação da RKK Energia estará relacionada com algum tipo de experiência relacionada com o projecto Stan que tenha sido levada a cabo (ou planeada para ser levada a cabo) num veículo Progress após se separar da ISS. Vários veículos Progress passaram tempo extra em órbita antes de reentrarem de forma destrutiva na atmosfera terrestre para realizarem experiências, algumas delas com propósitos não muito claros (tais como as que foram realizadas com uma carga misteriosa colocada no Progress MS-07 em 2018).

A única outra referência ao Stan que foi possível encontrar, também mostra o nome seguido de uma abreviação iniciada com a letra “K” (o que, mais uma vez, poderia significar “espaço”, apesar de isto não ser de todo certo).

Stan-KIN

Esta designação é vists em vários contratos assinados em 2014 pelo Instituto de Investigação Polyus M.F. Stelmakh (NII Polyus), que é descrito na sua página on-line como “um fornecedor de sistemas de laser industriais, semicondutores e laser de estado sólido, medidores laser e designadores para armas laser de alta precisão, e giroscópios laser para várias aplicações, além de sistemas de navegação a laser nas suas bases”. Como parte do Stan-KIN, a NII Polyus encomendou díodos laser operando em comprimentos de onda de 852 nm (infravermelho próximo) – (13).

A NII Polyus também constrói medidores laser para os satélites de intercepção Burevestnik.

Stan-KAA

Esta designação surge apenas numa apresentação em PowerPoint (já não disponível) de uma empresa chamada “NPP Advent”, onde é referido como um dos vários projectos em que a empresa trabalhou ou começou a trabalhar em 2013. A NPP Advent tem um perfil amplo, mas um dos seus produtos mais atraentes é um sistema de laser móvel para destruir drones. Recebeu uma licença da Roscosmos em Outubro de 2015 para o desenvolvimento de “equipamentos de controlo para um sistema de resfrigereção criogénico a bordo”. A sua página na Internet revela ainda que produz mecanismos de mira “para uso no espaço”. Segundo a mesma apresentação, a NPP Advent envolveu-se em 2014 no Numizmat, outro projecto espacial secreto.

Conclusão

Com tão pouca informação disponível sobre o projecto Stan, muitas perguntas permanecem sem resposta. Se este for um sistema que deve ser compatível com uma variedade de satélites, ele irá precisar de ter interfaces padrão e ser leve e compacto o suficiente para que os satélites permaneçam dentro da capacidade de carga útil de seus veículos lançadores. Além do próprio laser, o sistema obviamente teria que incluir algum tipo de sistema de alerta antecipado para detectar interceptores ASAT. Não está claro quem é o principal responsável do sistema espacial (se não for o próprio RFYaTs-VNIIEF). O GLP Raduga, que é um centro de testes a laser, provavelmente não desempenhará esse papel.

O trabalho com armas a laser espaciais foi interrompido após o colapso da União Soviética, mas pode ter sido retomado no final de 2012 sob um projecto de pesquisa conhecido como “Sistema-KV”, que (entre outros) envolveu o NII RET (um instituto pertencente à Universidade Técnica de Bauman), a Kometa Corporation e sua afiliada NII OEP. Embora o NII OEP tenha desempenhado um papel no teste do sistema aéreo 13NL08 do projecto Stan, não há evidências de uma ligação entre o Sistema-KV e o Stan.

A Rússia também estudou pelo menos um outro tipo de tecnologia de defesa de satélite nm projecto de investigação denominado “Vual” (“Véu”), atribuído pela Roscosmos ao TsNIRTI em 2011. O projecto envolveu o uso de partículas nanométricas de carbono para obscurecer os satélites da vista de interceptores ASAT (14).

O projecto atingiu seu objetivo de desenvolver uma instalação que pudesse produzir as partículas em escala industrial. Não se sabe se os resultados do projecto foram incorporados em algum projecto espacial específico.

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Traduzido de um texto de Bart Hendrickx publicado no fórum NASASpaceflight.com (11).