SpaceX efectua primeiro voo de demonstração da capsula Crew Dragon

Texto de Salomé T. Fagundes / Rui C. Barbosa

O lançamento da capsula Crew Dragon teve lugar, numa janela instantânea, às 0749:03UTC do dia 2 de Março de 2019 e foi levado a cabo por um foguetão Falcon-9. Este lançamento foi efectuado por um novo primeiro estagio – Block V B1051.1. A cápsula Dragon separou-se do último estágio do lançador às 0800UTC.

O primeiro estágio do foguetão Falcon-9 foi recuperado com sucesso na plataforma flutuante “Of Course I Still Love You” situada no Oceano Atlântico.

A SpaceX possui duas plataformas flutuantes baptizadas de Just Read the Instructions e Of Course I Still Love You, que são os nomes de embarcações das histórias do autor Iain M. Banks. A plataforma utilizada nesta aterragem foi a segunda Just Read the Instructions

Desde a ultima missão STS-135 efectuada pelo vaivém espacial OV-104 Atlantis em 8 de Julho de 2011 que os Estados Unidos da América deixaram de enviar tripulação para o espaço a partir de solo americano. Este lançamento tem um significado histórico pois marca o recomeço de envio de tripulação americana a partir de solo americano para o espaço

A Crew Dragon deverá chegar à estação espacial internacional a 5 de Março.

Neste voo de demonstração, a Crew Dragon transporta cerca de 181.437kg de provisões e equipamento para a Estação Espacial Internacional. Em adição, a cápsula transporta também simuladores em massa e um boneco de teste antropomórfico que está equipado com sensores à volta da cabeça, do pescoço e da coluna para recolher informação crucial para ser usada na segunda missão da SpaceX, sendo esta já com astronautas da NASA a bordo.

O Complexo de Lançamento 39-A

O Falcon-9 e a Crew Dragon foram lançados desde o Complexo de Lançamento 39A do Centro Espacial Kennedy, que tem um vasto interesse histórico desde 1960. Em 2014 a SpaceX assinou um contrato de aluguer para o uso deste mesmo complexo. A partir dessa data a SpaceX fez actualizações significativas para modernizar a estrutura da plataforma e sistemas de solo, enquanto preserva toda sua herança histórica. Extensas modificações foram feitas ao LC-39A, incluindo a remoção da existente estrutura de rotação e instalação de um novo braço de acesso a partir do qual a tripulação irá entrar a bordo da cápsula.

A Crew Dragon

A Dragon-2 é uma classe de cápsula reutilizável desenvolvida pela empresa aeroespacial americana SpaceX, projectada como a sucessora da Dragon Cargo.

As cápsulas são projectadas para lançamentos no topo de um Falcon-9 e o seu retorno será através de uma amaragem. Na amaragem ela irá usar um sistema de 4 para-quedas.

Em comparação a seu antecessor, a Crew Dragon, inicialmente com o nome de Dragon Rider, tem janelas maiores, novos computadores de bordo e sistemas aviónicos, painéis solares redesenhados e uma linha de moldagem modificada. A cápsula irá ser usada em duas varáveis: Crew Dragon 2, uma cápsula certificada para transportar humanos, capaz de transportar até sete astronautas e a Cargo Dragon 2 que vai substituir a sua antecessora.

A Crew Dragon será a única cápsula munida de quatro encaixes laterais para propulsores com dois Super Draco em cada um que servirão de sistema de abortagem durante o lançamento. Ambas as cápsulas estarão ao abrigo das comissões para os programas Commercial Resupply Services 2 (CRS2) e Commercial Crew Development (CCDev)

Esta novíssima cápsula da SpaceX será a primeira da empresa a fazer uma acoplagem na Estação Espacial Internacional (EEI) de forma autónoma (estando também previsto uma acoplagem manual se assim for necessário), usando o sistema NASA Docking System (NDS) não sendo preciso usar para o efeito o braço robótico Canadarm-2 para guiar e acoplar a cápsula. O método de separação também será totalmente autónomo estando implícitos os mesmo princípios caso seja preciso intervenção humana.

Estima-se que a Crew Dragon poderá ficar acoplada na ISS durante um período de 180 dias extensível até 210 dias. A cápsula tem uma capacidade de carga 3.307 kg na secção de carga e sete astronautas na cabine tripulada. Possui oito motores Super Draco, colocados em modo redundante capazes de produzir 71kN de propulsão.

Os tanques de propelente são envolvidos por materiais compósitos de carbono. Este mesmos compósitos envolvem os tanques esféricos de titânio para acondicionar o hélio usado para pressurizar os motores e também o combustível e oxidante dos Super Draco.

Para protecção térmica a SpaceX desenvolveu um escudo do tipo SPAM Backshell, num material denominado PICA-X (Phenolic Impregnated Carbon Ablator).

A cápsula irá ser controlada através de computadores do tipo tablet, ajustáveis e deslizáveis onde a tripulação será capaz de os operar. Esta operação será feita pelo piloto e copiloto. No interior da cabine tripulada, os seus ocupantes irão encontrar um ambiente claro, confortável composto por assentos de couro.

Nesta imagem encontra-se o primeiro passageiro da Crew Dragon. Este manequim foi apelidado pela SpaceX de Ripley (em homenagem à personagem Ellen Ripley do filme Alien de 1979).

O nariz reutilizável protege a cápsula e o adaptador de acoplagem durante a ascensão e reentrada. Usando um mecanismo que permite voltar a sua posição de origem este nariz poderá ser usado em mais que uma reentrada e futuros lançamentos.

A mala é o terceiro elemento estrutural da cápsula. Esta contem os painéis solares, os radiadores de remoção de calor e oferece uma estabilidade aerodinâmica durante as abortagens de emergência.

Lançamento e fase inicial de voo

A T-45m o Director de Voo verifica se tudo está pronto para o início do abastecimento do foguetão Falcon-9. A T-37m o sistema de lançamento de escape da Crew Dragon é armado. Estando tudo pronto, é dada luz verde para o início do abastecimento de RP-1 ao primeiro estágio que se inicia a T-35m ao mesmo tempo que se inicia o abastecimento de oxigénio líquido (LOX). O abastecimento de LOX ao segundo estágio inicia-se a T-16m.

A fase terminal da contagem decrescente inicia-se a T-7m, com o acondicionamento térmico dos motores. A T-5m a cápsula Crew Dragon começa a utilizar as suas baterias internas para o fornecimento de energia.A T-1m é enviado um comando para o computador de voo para iniciar as verificações pré-lançamento e o sistema de supressão sónica por água é activado na plataforma de lançamento. a T-45s o Director de Lançamento da SpaceX verifica se todos os parâmetros estão prontos para o lançamento. Os tanques de propolente são pressurizados nesta altura e a sequência de ignição é iniciada a T-3s. A T=0s o foguetão abandona a plataforma.

Abandonando a plataforma de lançamento, o Falcon-9 inicia uma série de manobras para se colocar na trajectória de voo correcta. A fase MaxQ é atingida a T+58s. O final da queima do primeiro estágio ocorre a T+2m 35s, dando-se três segundos depois a separação entre o primeiro e o segundo estágio. O segundo estágio entra em ignição a T+2m 48s. O final da queima do segundo estágio ocorre a T+8m 59s, seguindo-se a separação da cápsula Crew Dragon a T+11m

Enquanto que o segundo estágio continua a sua ascensão orbital, o primeiro estágio regressa à Terra realizando uma queima a T+7m 48s para iniciar a sua descida controlada. O primeiro estágio tem 17 segundos para conseguir fazer uma rotação de 180º para executar esta manobra. Ao activar os seus motores, as chamas resultantes da ignição juntam-se às chamas resultantes da ignição do segundo estágio dando a sensação de uma explosão. A T+9m 24s ocorre a queima de reentrada que terá uma duração de cerca de 25 segundos. Cerca de dez segundos antes da aterragem, os suportes de descida na base do primeiro estágio são colocados em posição para equilibrar o veículo na plataforma autónoma “Of Course I Still Love You” situada no Oceano Atlântico. A aterragem acontece a T+9m 52s.

Acoplagem com a ISS

A Crew Dragon irá efectuar uma serie de manobras faseadas para gradualmente se aproximar e automaticamente acoplar com a Estação Espacial Internacional no dia 3 de Março de 2019 pelas 1100UTC. Carregada com 181,437 kg de provisões para a tripulação e equipamento, a Crew Dragon irá ficar acoplada com a estação espacial por cinco dias. Irá proceder a sua separação da estação espacial internacional na sexta feira dia 8 de Março de 2019 pelas 0730UTC

Voo de regresso

Depois de passadas cinco horas desde que a Crew Dragon se separa da estação espacial, esta conduzirá a sua queima de deorbita que dura aproximadamente 15 minutos. A Crew Dragon irá reentrar na atmosfera terrestre e fará a sua amaragem no Oceano Atlântico cerca de 35 a 40 minutos depois, aproximadamente as 1345UTC.

O Falcon-9

Baptizado em nome da nave Millenium Falcon da saga cinematográfica “Guerra das Estrelas”, o foguetãfalcon9o Falcon-9 v1.1 era um lançador a dois estágios projectado e fabricado pela SpaceX para o transporte seguro e fiável de satélites e do veículo Dragon para a órbita terrestre. Sendo o primeiro foguetão completamente desenvolvido no Século XXI, o Falcon-9 foi projectado desde o início para ter a máxima fiabilidade. A sua simples configuração de dois estágios minimiza o número de eventos de separação (staging) e com nove motores no primeiro estágio, pode completar a sua missão em segurança mesmo na possibilidade de perda de um motor.

O Falcon-9 fez história em 2012 quando colocou a cápsula Dragon na órbita correcta para uma manobra de encontro com a estação espacial internacional, fazendo da SpaceX a primeira companhia comercial a visitar a ISS. Desde então, a SpaceX realizou um total de três missões para a ISS transportando e recolhendo carga para a NASA. O Falcon-9, bem como a cápsula Dragon, foram desenhados na base do desenvolvimento de um sistema de transporte de astronautas para o espaço e num acordo com a NASA, a SpaceX está activamente a trabalhar para atingir esse objectivo.

O foguetão Falcon-9 Upgrade (a seguir designado simplesmente como ‘Falcon-9’) representa a mais recente evolução deste lançador. De forma geral o Falcon-9 tem 68,4 metros de comprimento, 3,7 metros de diâmetro e uma massa de 541.300 kg. O veículo é capaz de colocar uma carga de 13.150 kg numa órbita terrestre baixa ou 4.850 kg numa órbita de transferência geossíncrona.

O primeiro estágio do Falcon-9 está equipado com nove motores Merlin (Merlin-1D) e tanque de liga de alumínio e lítio que contêm oxigénio líquido e querosene RP-1. Após a ignição, um sistema de segurança fixa o veículo na plataforma de lançamento e garante que todos os motores são verificados como estando na força máxima antes de libertar o foguetão para o seu voo. Então, com uma força superior a cinco aviões Boeing 747 em potência máxima, os motores Merlin lançam o foguetão para o espaço. Ao contrário dos aviões, a força de um foguetão vai aumentando com a altitude – o Falcon-9 gera 6.806 kN ao nível do mar mas atinge 7.426 kN no vácuo espacial. Os motores do primeiro estágio vão sendo aumentados em potência perto do final da queima do estágio para assim limitar a aceleração do veículo à medida que a massa do lançador vai diminuindo com a queima do combustível. O tempo total de queima do primeiro estágio é de 162 segundos.

Com os seus nove motores agrupados juntos na configuração ‘octaweb’, o Falcon-9 pode aguentar a falha de até dois motores durante o lançamento e mesmo assim conseguir atingir a órbita terrestre com sucesso. O Falcon-9 é o único lançador na sua classe com esta característica chave.

O motor Merlin foi desenvolvido internamente pela SpaceX mas vai encontrar as suas raízes aos motores das missões Apollo, nomeadamente o sistema de injecção baseado no motor do módulo lunar. O propolente é alimentado através de uma única conduta, com uma turbo-bomba de dupla pá que opera num ciclo de gerador a gás. A turbo-bomba também fornece o querosene a alta pressão para os actuadores hidráulicos, que depois recicla para a entrada a baixa pressão. Isto elimina a necessidade de um sistema hidráulico separado e significa que não é possível ocorrer uma falha no controlo de vector de força por falta de fluido hidráulico. Uma terceira utilização da turbo-bomba é o fornecimento de controlo de rotação ao actuar no escape da turbina de exaustão (no segundo estágio). Combinando-se estas características num só dispositivo aumenta-se assim de forma significativa o nível de fiabilidade do sistema.

O motor é capaz de desenvolver uma força de 654 kN ao nível do mar, 716 kN no vácuo, com um impulso específico de 282 segundos (nível do mar) e 311 segundos (vácuo).

A secção interestágio é uma estrutura compósita que liga o primeiro e o segundo estágio e alberga os sistemas de libertação e separação. O Falcon-9 utiliza um sistema de separação totalmente pneumático para uma separação de baixo impacto e altamente fiável que pode ser testado no solo, ao contrário dos sistemas pirotécnicos utilizados na maior parte dos lançadores.

O segundo estágio é propulsionado por um único motor Merlin de vácuo e coloca a carga a transportar na órbita desejada. O motor do segundo estágio entra em ignição poucos segundos após a separação entre o segundo e o primeiro estágio, e pode ser reiniciado várias vezes para colocar múltiplas cargas em diferentes órbitas. Para máxima fiabilidade, o segundo estágio está equipado com sistemas de ignição redundantes. Tal como o primeiro estágio, o segundo estágio é feito a partir de uma liga de alumínio e lítio.

O motor Merlin de vácuo (Merlin-1D de vácuo) desenvolve uma força de 934 kN e o seu tempo de queima é de 397 segundos.

SES-9Falcon 6

SES-9Falcon 7

A carenagem compósita é utilizada para proteger a carga durante a passagem do Falcon-9 pelas camadas mais densas da atmosfera. Quando a missão do Falcon-9 é o lançamento do veículo de carga Dragon, a carenagem não é utilizada pois a cápsula possui o seu próprio sistema de protecção.

A carenagem tem 13,1 metros de comprimento e 5,2 metros de diâmetro. Fabricada em fibra de carbono, separa-se em duas metades utilizando um sistema de separação de actuadores pneumáticos semelhantes aos que são utilizados para a separação entre o primeiro e o segundo estágio.

A sequência de lançamento para o Falcon-9 é um processo de precisão ditada pela janela de lançamento de cerca de uma hora tendo em conta a posição orbital a ser ocupada pelo satélite. Se a janela de lançamento de uma hora é perdida, a missão é então adiada para o dia seguinte.

Cerca de quatro horas antes do lançamento, inicia-se o processo de abastecimento – primeiro oxigénio líquido seguindo-se o querosene altamente refinado (RP-1). O vapor que se observa a sair do lançador durante a contagem decrescente é na realidade oxigénio a ser libertado dos tanques, sendo esta a razão pela qual o abastecimento de oxigénio líquido se mantém até quase ao final da contagem decrescente.

Dados estatísticos e próximos lançamentos

– Lançamento orbital: 5818

– Lançamento orbital EUA: 1655 (28,44%)

– Lançamento orbital desde CE Kennedy: 169 (2,90% – 10,21%)

Os quadro seguinte mostra os lançamentos previstos e realizados em 2019 por polígono de lançamento.

Os próximos lançamentos orbitais previstos são (hora UTC):

5819 – 09 Mar (1700:00 – CZ-3B Chang Zheng-3B/G2 – Xichang, LC2 – ZX-6C Zhongxing-6C

5820 – 13 Mar (2258:00) – Delta IV-M+(5,4) (D-383) – Cabo Canaveral AFS, SLC-37B – WGS-10

5821 – 14 Mar (1914:00) – 11A511U-FG Soyuz-FG – Baikonur, LC1 PU-5 – Soyuz MS-12

5822 – 15 Mar (0150:35) – Vega (VV14) – CSG Kourou, ZLV – PRISMA

5823 – 21 Mar (XXXX:XX) – PSLV-QL (PSLV-C45) – Satish Dawan SHAR, FLP – EMISat, Lemur-2 (x4), BlueWalker-1, M6P