Uma ferramenta informática desenvolvida para o espaço está agora a melhorar a segurança dos carros, ao fazer testes de stress a boa parte dos sistemas de computador internos, garantindo que estes funcionam de acordo com o esperado quando o carro está na estrada.
Desenhado para testar a forma como os computadores a bordo das naves reagem à radiação cósmica, o software desenvolvido pela empresa portuguesa Critical Software e usado pela ESA, Xception, provou ser a ferramenta certa para verificar o pequeno computador de bordo que controla o painel de instrumentos de um veículo.
Esta tecnologia espacial bastante avançada está agora a ser alargada para ajudar a garantir uma performance sem falhas de sistemas críticos para a segurança dos veículos, como os travões.
As próximas funcionalidades a serem escrutinadas poderão ser a navegação, o cruise control, os sensores de estacionamento e o motor e caixa de velocidades, também controladas por micro-computadores.
“O carro deve ser a máquina mais avançada tecnologicamente que cada um de nós tem,” diz Luís Gargaté, da empresa de Coimbra Critical Software, responsável pelo Xception.
“Tem mais de 60 pequenos processadores, pequenos cérebros, apertados por baixo da capota, no motor, nos espelhos, jantes, tanque de combustível, assento, descanso de cabeça, para-choques. E o software que controla cada sistema é complexo.”
Com a indústria automóvel a necessitar de por a segurança em primeiro, a crescente computorização dos carros torna imperativo que cada processador funcione sem falhas.
“Imagine que um sensor do motor está avariado e dá a informação quer ao painel de instrumentos quer ao computador que controla a motor que a temperatura está normal quando na verdade está em sobre-aquecimento,” exemplifica Luís Gargaté.
“O computador tem de perceber que o sensor está avariado para ligar a luz da temperatura .“
Para garantir que o processador funciona sempre bem mesmo quando as coisas se avariam, as equipas usam a técnica da ‘injecção de falha’. Alimentam o software com informação errónea, levando-o quase até ao ponto de rotura, para monitorizar de que forma se comporta em situações inesperadas. É uma técnica que foi aperfeiçoada para as naves espaciais.
No espaço segurança primeiro
Testar a robustez quer do hardware, quer do software não é novidade para a ESA, que exige sempre os mais elevados padrões de qualidade.
“Depois de uma nave ter deixado a Terra, investigar e corrigir uma falha pode ser uma tarefa longa e penosa, às vezes mesmo impossível,” explica Davide Moretti da ESA. “Por isso temos procedimentos extremamente rigorosos para garantir que o software continua a funcionar mesmo nas condições mais duras.”
“Quando a radiação passa por um computador, pode destruir os dados, forçando o software de controlo a funcionar mal momentaneamente. Se isto acontecer ao software de controlo de uma função crítica para a missão, pode perturbar o funcionamento do nosso satélite.”
A companhia desenvolveu o software Xception para simular cenários não planeados e monitorizar a forma como a nave poderá reagir. Será que o software é suficientemente robusto para detetar que houve uma falha nos dados e recuperar?
Desde então, ajudou a qualificar numerosos satélites para o espaço, incluindo o CryoSat para observar os gelos da Terra e monitorizar o nosso campo magnético.
Sob a alçada da Iniciativa de Transferência de Tecnologia financiada pela ESA, em Portugal, o Instituto Pedro Nunes (IPN) e a Fundação para a Ciência e Tecnologia ajudaram a empresa a mudar o sistema de injecção de falhas para testar partes de carros.
“O trabalho inicial com a ESA foi incrivelmente importante,” comenta Inês Plácido do IPN, do Programa de Transferência de Tecnologia da ESA, uma rede que apoia a indústria no uso das tecnologias desenvolvidas para os programas espaciais, de forma a melhorar as aplicações terrestres.
“Funcionou como um catalisador para o crescimento do negócio da Critical Software porque perceberam que os elevados padrões de qualidade e técnicas robustas exigidas para garantir sistemas seguros e fiáveis no espaço poderiam ser transferidos para a resolução de problemas em aplicações terrestres.”
Conduzir a partir de Marte
A empresa também desenvolveu o novo ‘XLuna’ para um veículo de demonstração do rover da ESA ExoMars. Isto permite que software essencial e não essencial funcionem lado a lado no mesmo processador, em lugar de cada função exigir o seu próprio processador.
Um rover transporta software complexo, parte do qual controla os aspectos científicos e parte do qual gere as operações básicas do veículo.
“É vital que o software que tira uma foto não interfira com o software que controla o rover, de outro modo poderíamos perder tudo,” explica Luís Gargaté.
Ao separar as funções, de forma a que possam co-existir no mesmo processador, é possível reduzir a quantidade de computadores a bordo – vital no espaço, onde cada grama conta.
Este pode ser outro caso de uma spin-off do espaço para o mundo automóvel. A empresa já recebeu pedidos de adaptação do XLuna a aplicações automóveis, como a eCall, uma iniciativa da UE para equipar todos os carros novos, até 2018, com um equipamento wireless que envia automaticamente um sinal de perigo para os serviços de emergência, em caso de acidente, reduzindo o tempo de resposta e salvando vidas.
O XLuna permitiria que o software eCall partilhasse o mesmo hardware do Sistema de entretenimento, sem comprometer as funções de segurança do eCall.
“Não queremos que o sistema de som impeça o carro de chamar uma ambulância em caso de acidente,” diz o responsável da Critical Software.
Olhando para o futuro, enquanto nos preparamos para trocar o volante por estradas sem condutor, poderemos dar por nós num carro que se conduz sozinho, usando um software aperfeiçoado para um rover marciano.
Notícia e imagem: ESA