Os satélites US-P, posteriormente conhecidos pelas iniciais RTR, eram satélites de reconhecimento naval electrónicos normalmente designados EORSAT (Electronic Ocean Reconnaisance SATellite). Os satélites utilizavam um radar para seguir as frotas marinhas a partir da órbita terrestre em quaisquer condições atmosféricas e de luminosidade. Estes satélites eram um elemento integrante dos sistemas de armas soviéticos desenvolvidos para a destruição das forças navais e terrestres dos Estados Unidos.
Este sistema utilizava plataformas espaciais para obter a localização das forças inimigas nos mares. As informações sobre a localização dessas forças eram enviadas para aviões, veículos terrestres e submarinos que por sua vez introduziam os dados em mísseis que iriam atacar as forças americanas para lá do horizonte. O sistema teve uma história de desenvolvimento muito complexa com três Desenhadores-Chefe a serem responsáveis pelo seu desenvolvimento. Sendo concebido e desenvolvido pelo Vladimir Chelomei entre 1959 e 1964, o sistema foi redesenhado e testado por Anatoli Savin entre 1965 e 1969, tendo sido finalizado e colocado ao serviço pelo KB Arsenal a partir de 1969.
Os satélites transportavam reactores nucleares que por várias vezes se despenharam na superfície terrestre causando incidentes internacionais. Além disso, estes satélites tinham a menor fiabilidade e o maior número de problemas de qualidade de todo o programa espacial soviético. No entanto, o sistema permitiu à União Soviética monitorizar o tráfego naval em todos os mares do planeta.
Os satélites US-P eram colocados em órbitas a 420 km de altitude com uma inclinação de 65º por foguetões 11K69 Tsyklon-2. os satélites tinham uma massa de 3300 kg e os sistemas abordo incluíam o sistema técnico de reconhecimento por rádio e os sistemas para camuflagem electrónica e auto-protecção. Um módulo de serviço equipado com um motor mantinha a altitude orbital e levava a cabo a manobra final para retirada de órbita no final da missão.
Desenvolvimento dos satélites US-P
Em finais da década de 50, Vladimir Chelomei começou a estudar a utilização da tecnologia dos mísseis de cruzeiro na construção de satélites. Uma família de veículos espaciais, denominada Kosmoplan, seria construída utilizando elementos modulares. Uma variante do Kosmoplan levaria a cabo tarefas de reconhecimento naval através da utilização de radar e seria lançado pelo foguetão UR-200. Em 1959, à medida que Chelomei finalizava estes planos, ele sabia que teria de levar a cabo uma enorme luta com Sergey Korolev para ficar com uma parte do programa espacial. Porém, Chelomei adiantara-se a Korolev ao contratar o filho de Nikita Khrushchev como engenheiro para o seu bureau. A 30 de Maio de 1960, Sergey Korolev apresentava à liderança soviética um plano que incluía agora a participação de Chelomei. Um projecto atribuído a Chelomei era denominado US (Upravlenniye Sputnik), um satélite de reconhecimento naval utilizando um reactor nuclear P6 para levar a cabo a detecção activa e localização das embarcações de guerra americanas. Este programa deveria ser desenvolvido entre 1962 e 1964. Chelomei era autorizado pelo Decreto 715-196 de 23 de Junho de 1960 denominado “Sobre a Produção de Vários Veículos Lançadores, Satélites e Veículos Espaciais para as Forças Militares Espaciais em 1960-1967”, a completar o projecto inicial dos Kosmoplan não tripulados.
No início dos anos 60 a União Soviética havia desenvolvido mísseis terra-mar de longo alcance mas o problema de localizar o alvo dos mísseis ainda não tinha sido resolvido. A primeira resolução para o desenvolvimento de um sistema derivado do Kosmoplan (MKRT) foi emitida em Março de 1961. O foguetão lançador dos Kosmoplan (UR-200 8K81) foi aprovado para produção a 16 de Março e 1 de Agosto de 1961 pelo Comité Central e Politburo. Os projectos do Kosmoplan e do UR-200 foram finalizados em Julho de 1962 e os voos de ensaio da versão ICBM do UR-200 decorreram entre 4 de Novembro de 1963 e 20 de Outubro de 1964.
O UR-200 não se destinava somente a ser um lançador para os Kosmoplan (o satélite anti-satélite IS, o satélite US de observação naval equipado com energia nuclear e o veículo de combate Kosmoplan capaz de reentrar na atmosfera), mas também um míssil capaz de transportar uma ogiva termonuclear a uma distância de 12.000 km.
A investigação básica sobre o novo conceito foi levada a cabo por vários bureaus e institutos. A pesquisa teórica sobre a órbita ideal para a operação do sistema foi levada a cabo pela Academia de Ciência sobre a direcção de Mstislav Keldysh. O satélite foi desenvolvido por Chelomei no bureau OKB-52 e por Alexander Raspletin no bureau KB-1 MRP.
No dia 18 de Junho de 1964 é estabelecido um novo plano quinquenal para a exploração espacial soviética pelo Ministério da Defesa. O plano faz parte do decreto “Sobre os Programas Espaciais Militares para 1964-69, incluindo o avião espacial R”. O decreto foi publicado pelo Ministro da Defesa Marechal Rodiono Yakovlevich Malinovskiy. Também incluídas neste plano encontravam-se novas versões dos satélites Zenit, Morya-1 (série US), o avião espacial Spiral, o veículo de combate Soyuz-R, para além de outros. É nesta altura que se dá o cancelamento do avião espacial Raketoplan de Chelomei.
A 13 de Outubro de 1964 um golpe de estado retira Nikita Khrushchev do poder e a nova liderança encabeçada por Leonid Brezhnev era adversa a qualquer projecto que tivesse sido apoiado por Khrushchev e em particular os projectos sobre a direcção de Chelomei. Uma comissão sobre a direcção de Keldysh decidiu cancelar o UR-200 enquanto que o satélite US era agora atribuído ao bureau KB-1. O director para o sistema no KB-1 era Anatoli Savin, que dirigiu um renomeado TsNII Kometa após 1973. O satélite deveria ser totalmente redesenhado e lançado pela versão 11K69 Tsyklon-2 do míssil R-36 de Yangel.
Estava previsto o desenvolvimento de duas versões do satélite. O satélite US-P, utilizando energia solar, iria proporcionar serviços SIGINT para a Marinha Soviética e detectar embarcações de uma forma passiva. O veículo seria desenvolvido pelo TsKBM MOM (Chelomei) com o sistema de intercepção a ser desenvolvido pelo TsNII-108. O projecto era dirigido em conjunto pelo Directorado na Marinha para as Forças de Artilharia por Foguetões e pelas Forças Militares Espaciais GUKOS.
A 21 de Julho de 1967 é emitido o Decreto 715-240 “Sobre a Criação dos Sistemas Espaciais para Reconhecimento Naval do qual faz parte o satélite US e o foguetão lançador baseado no R-36 – outros trabalhos no satélite de reconhecimento naval, aprovação dos trabalhos no satélite Yantar-2K e direcção dos trabalhos no veículo TK-VI Zvezda”. Assim toda uma família de veículos Yantar é proposta pelo bureau de Kozlov durante o desenvolvimento inicial. Os satélites Yantar são inicialmente derivados do veículo Soyuz, incluindo os sistemas desenvolvidos para o modelo militar Soyuz-VI. Durante a fase de desenho e desenvolvimento este facto foi-se alterando até se atingir um ponto onde os pontos em comum entre os dois veículos eram muito escassos.
Após numerosos problemas com os voos de ensaio do veículo 7K-OK Soyuz, Kozlov ordenou um redesenho completo do veículo militar tripulado 7K-VI. O novo veículo, com uma tripulação composta por dois elementos, teria uma massa total de 6600 kg e poderia operar durante um mês em órbita terrestre. Um novo desenho alterava a posição dos módulos de descida e orbital Soyuz, sendo no entanto 300 kg mais pesada do que a capacidade do foguetão lançador 11A511 Soyuz. Por esta razão Kozlov desenhou uma nova variante do lançador Soyuz, o foguetão 11A511M Soyuz-M. O projecto foi aprovado pelo Comité Central do Partido Comunista com o primeiro voo previsto para 1968 e com as operações previstas para terem início em 1969. O novo foguetão, cujas alterações me relação à variante básica do lançador Soyuz são desconhecidas, nunca entrou em fase de produção.
Em finais dos anos 60 o desenvolvimento do satélite RTR estava quase finalizado, incluindo a realização desde 1965 de voos de teste de modelos e de protótipos experimentais equipado com sistemas de orientação, estabilização e controlo por rádio. Porém, o desenvolvimento do principal sistema de radar ainda não tinha sido finalizado e não estava disponível para os voos de ensaio. Finalmente foi decidido que o bureau de Chelomei (NPO Mash) não possuía os recursos para finalizar o projecto e além do mais o seu bureau estava encarregue do desenvolvimento das estações espaciais Almaz e DOS. Assim, o ministro Afanaseyev decidiu transferir todo o projecto para o bureau NPO Arsenal em Maio de 1969. Este bureau tinha provado a sua eficiência no desenvolvimento dos mísseis balísticos de combustível sólido RT-2, RT-5 e D-II, além de possuir uma grande quantidade de locais de testes que poderiam ser utilizados para o desenvolvimento do sistema.
Os trabalhos no NPO Arsenal iniciaram-se com a entrega de toda a documentação relacionada com os veículos. O novo bureau ficou responsável pela produção em série e desenvolvimento de novas variantes do satélite.
Nesta fase o sistema MKRTs ainda consistia de dois satélites. O RTR /US-P) era um sistema de obtenção electrónica de dados em órbita equipado com uma unidade electrónica solar. A documentação técnica do RTR era praticamente não existente e um colectivo foi formado para fornecer os desenhos do RTR por altura do primeiro trimestre de 1970. Este colectivo era dirigido por V. F. Kalabin. Ye. K. Ivanov era Chefe do bureau e Director da fábrica no KB Arsenal. Os engenheiros responsáveis pelo MKRTs eram N. N. Kazakov e I. A. Abramov.
O desenvolvimento deste sistema representou toda uma nova área para o KB Arsenal e foi necessário que o bureau dominasse a nova tecnologia electrónica. No entanto em finais de 1970 o primeiro veículo de ensaio estava pronto para o lançamento e o sistema RLS encontrava-se na fase de ensaios estáticos. Durante 1971 e 1972 toda a pesquisa e testes de qualificação foram finalizados. Os voos de teste do RTR foram iniciados em 1974 e todos foram bem sucedidos com o sistema a ser aceite para utilização militar em 1978.
Entre 1979 e 1989 foi levada a cabo uma modernização faseada no MKRTs, proporcionando melhor precisão, localização dos alvos e capacidade de observação imediata. Toda a superfície oceânica encontrava-se sobre monitorização constante, um feito não alcançado por qualquer outro sistema. A efectividade do sistema foi provada durante a Guerra das Malvinas em 1982, quando o MKRTs monitorizou as forças navais britânicas e foi capaz de avisar o comando naval soviético do exacto momento da chegada das forças britânicas.
Os satélites tinham uma massa de 3300 kg e operavam numa órbita circular típica a 420 km de altitude com uma inclinação de 65º.
O satélite Cosmos 699 parece ter explodido a 17 de Abril de 1975, enquanto que o Cosmos 777 parece ter explodido em Janeiro de 1976 e o Cosmos 838 parece ter explodido em Junho / Julho de 1976. O satélite Cosmos 1306 substituiu o satélite Cosmos 1260.
Lista completa dos satélites US-P colocados em órbita. Todos os lançamentos foram levados a cabo desde o Complexo de Lançamento LC90 do Cosmódromo GIK-5 Baikonur por foguetões 11K69 Tsyklon-2. Tabela: Rui C. Barbosa.
Artigo baseado num texto de Mark Wade disponível na Encyclopedia Astronautica em http://www.astronautix.com/craft/usp.htm