O satélite SERT-2 – o início da propulsão eléctrica no espaço

O satélite SERT-2 realizou o primeiro teste orbital de motores iónicos de bombardeamento de eletrões, tendo sido colocado em órbita a 4 de Fevereiro de 1970 e constituindo a primeira operação de longa duração de propulsores iónicos no espaço.

Esta missão forneceu aos investigadores dados durante anos para além da sua vida útil e foi um exemplo raro de uma missão inteira – incluindo o lançamento, sistema de propulsão, nave espacial e centro de controlo – a ser gerida por uma organização: o Centro de Investigação Lewis da NASA, Cleveland (hoje, NASA Glenn).

O conceito de propulsores elétricos remonta ao início do século XX, mas como devem operar no vácuo, não houve aplicação prática para estes sistemas até ao programa espacial décadas mais tarde. No final da década de 1950, os investigadores do Centro de Investigação Lewis começaram a investigar os tipos de propulsão elétrica e a analisar missões que pudessem utilizar estes sistemas. Estes propulsores produzem baixas quantidades de impulso ao criar e acelerar pequenas partículas a altas velocidades e, com o tempo, podem acelerar naves espaciais a velocidades muito elevadas. A sua capacidade de operar continuamente durante anos com pouco propelente torna-os ideais para missões de longa duração ou para manter satélites em órbita.

Este trabalho foi alargado no início da década de 1960 com a criação da Divisão de Propulsão Eletromagnética do Centro de Investigação Lewis e a construção de grandes instalações de vácuo, incluindo o Laboratório de Propulsão Elétrica e Energia (EPPL, Electric Propulsion and Power Laboratory). O motor iónico de bombardeamento de eletrões do engenheiro daquele Centro, Harold Kaufman, que utilizava mercúrio líquido como propulsor, era a opção mais promissora. Enquanto o propulsor de Kaufman era submetido a testes extensivos nos tanques EPPL, os engenheiros do Centro de Investigação começaram a desenvolver uma nave espacial para testar o propulsor. Durante o voo suborbital SERT-1 de 50 minutos, a 20 de Julho de 1964, o propulsor Kaufman tornou-se o primeiro motor iónico a operar no espaço.

A missão SERT-1 foi lançada às 1053UTC por um foguetão Scout X-4 a partir do Complexo de Lançamento LA-3A de Wallops Island, Virgínia, atingindo um apogeu a 4.002 km de altitude na sua trajectória suborbital.

O SERT-1 transportava dois motores de propulsão elétrica, sendo um motor iónico de bombardeamento de eletrões (“propulsor iónico Kaufman”), que funcionou durante um total de 31 minutos e 16 segundos. Esta foi a primeira vez que um motor iónico de qualquer tipo foi operado no espaço e demonstrou que o neutralizador funcionou como previsto (um segundo propulsor, de um tipo diferente, não funcionou).

O Centro de Investigação continuou a melhorar o sistema de propulsão e, em Agosto de 1966, recebeu aprovação para o SERT-2. Os investigadores queriam verificar se os propulsores poderiam operar durante períodos mais longos no espaço, determinar o seu efeito noutros sistemas de naves espaciais e medir a degradação dos painéis solares ao longo do tempo.

O centro iniciou o desenvolvimento simultâneo do sistema de propulsão iónica SERT-2 e da nave espacial que o colocaria em órbita: um foguetão SLV-2G Agena-D (também designado “Thorad-Agena”). O SERT-2 tinha dois propulsores de bombardeamento de eletrões de 15 centímetros de diâmetro fixados na extremidade traseira e um painel solar de 1,5 por 12,2 metros, o maior já voado pela NASA naquela época, na outra extremidade.

Após uma série de testes no EPPL, o SERT-2 foi lançado a 4 de Fevereiro de 1970. O lançamento teve lugar às 0249UTC e foi realizado pelo foguetão SLV-2G Agena-D (534 / TA12) a partir do Complexo de Lançamento SLC-2E da Base Aérea de Vandenberg, Califórnia. O satélite ficou colocado numa órbita com um perigeu a 995 km, apogeu a 1.007 km, inclinação orbital de 99,13º e período orbital de 105,0 minutos.

O gestor de projeto Raymond Rulis considerou o lançamento “uma das operações mais tranquilas que já vi“. O SERT-2 foi colocado numa órbita polar circular que forneceu aos seus painéis solares a luz solar contínua necessária para alimentar os seus propulsores e sistemas eletrónicos.

A 14 de Fevereiro procedeu-se à activação do primeiro propulsor, iniciando o seu teste operacional de seis meses. Três semanas depois, os operadores desligaram o propulsor pouco antes de o veículo passar pelo percurso de um eclipse solar. Foi reiniciado sem problemas depois e continuou a operação quando o satélite encontrou o eclipse pela segunda vez nesse dia.

O propulsor operou com sucesso durante cinco meses até que um curto-circuito na rede elétrica provocou a sua avaria, a 22 de Julho de 1970. Dois dias depois, o segundo propulsor foi ativado. Operou sem problemas durante três meses e meio até que um curto-circuito semelhante ocorreu em meados de Outubro. Embora os propulsores SERT-2 não tenham atingido os seus objetivos de seis meses, operaram durante períodos prolongados, confirmando os dados obtidos nos tanques de vácuo do Centro de Investigação Lewis.

A missão continuou quando os engenheiros de Lewis reativaram o SERT-2 em 1973 para demonstrar a reinicialização do cátodo e, no ano seguinte, resolveram um curto-circuito num dos propulsores. Durante períodos de luz solar intermitente, os operadores demonstraram como reiniciar o propulsor com menos de uma hora de energia disponível. O regresso do SERT-2 a uma órbita sob luz solar contínua em 1979 proporcionou aos investigadores a oportunidade de conduzir mais de 500 reinicializações. Operaram o propulsor durante 18.000 horas antes de o propulsor acabar na Primavera de 1981.

Ao longo de onze anos, o SERT-2 forneceu dados sobre centenas de reinicializações de propulsores, reinicializações após desligamentos até 18 meses, neutralização do feixe de iões de um propulsor pelo outro e descoberta de um novo modo de propulsão de plasma. O SERT-2 verificou ainda que o funcionamento do propulsor não teve impacto prejudicial nas naves espaciais e nos painéis solares.

Ainda assim, o SERT-2 continuou a ser uma vantagem para os investigadores da NASA. No final da década de 1980, os engenheiros do Lewis perceberam que uma experiência auxiliar no SERT-2 que analisasse o efeito dos micrometeoroides nos espelhos solares poderia ser benéfica para a investigação sobre sistemas solares dinâmicos para alimentar estações espaciais. Durante seis meses sob luz solar, em 1990, a equipa do Centro de Investigação determinou que, após 20 anos em órbita, não houve degradação das propriedades óticas do espelho solar.

Muitos componentes tecnológicos do sistema de propulsão do SERT-2 foram incorporados nas gerações subsequentes de propulsores iónicos. Quando a missão terminou, já se estava a testar no solo propulsores com o dobro do tamanho dos do SERT-2. O centro continuou a liderar os esforços de propulsão elétrica da NASA, desenvolvendo uma série de tecnologias, incluindo os propulsores Solar Electric Propulsion Technology Application Readiness (NSTAR) que impulsionaram as naves Deep Space 1 e Dawn. Em apoio das missões Artemis da agência, o Centro de Investigação Glenn testou os propulsores que irão alimentar o Gateway, a futura estação espacial lunar da NASA.

Texto adaptado de NASA’s SERT II: ‘A Genuine Space Success Story’

Imagens: NASA



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