Gagarin – 55º aniversário do primeiro voo espacial tripulado (III)

YuriGagarinVostok 1

O Boletim Em Órbita publica a terceira parte de um artigo (de quatro partes) que assinala o 55.º aniversário do primeiro voo espacial tripulado que foi lançado a 12 de Abril de 1961 e que tornou Yuri Gagarin no primeiro ser humano a viajar no espaço.

Gagarin – 55º aniversário do primeiro voo espacial tripulado (I)

Gagarin – 55º aniversário do primeiro voo espacial tripulado (II)

Belka-StrelkaA seguinte missão iria transportar para órbita dois novos cães, Belka e Strelka. Juntamente com os cães, existiam outros numerosos espécimenes biológicos. A cabina pressurizada continha doze ratos, insectos, plantas, fungos, culturas, sementes de milho, centeio, ervilhas, cebolas, micróbios, faixas de pele humana, e outros espécimenes. Adicionalmente haviam 28 ratos e dois ratos brancos no exterior do assento ejectável, mas dentro do módulo de descida. Duas câmaras internas de televisão, desenvolvidas pelo NII-30, iriam permitir a observação dos cães durante o voo espacial. O veículo espacial estava totalmente equipado com uma catapulta funcional, um sistema de suporte de vida, e pára-quedas. O lançamento, originalmente agendado para 15 de Agosto, foi adiado devido a problemas numa válvula de oxigénio no foguetão, mas os cães foram finalmente lançados para órbita às 08:44:06UTC do dia 19 de Agosto (o lançamento foi levado a cabo pelo foguetão 8K72 Vostok (L1-12)). Após entrar com sucesso numa órbita de 306 km por 339 km com uma inclinação de 64,96º, o satélite foi designado “Segundo Korabl-Sputnik”. A massa total em órbita era de 4.600 kg. A notícia do lançamento foi imediatamente transmitida para a Câmara dos Comuns durante os minutos nos quais os juízes estavam a considerar a sentença para o norte-americano Francis Gary Powers, que havia sido abatido por um míssil Soviético S-75 em Maio do ano anterior.

Ao longo da missão de um dia, os médicos monitorizaram de forma contínua a condição médica dos cães enquanto que vários outros parâmetros do sistema de suporte de vida eram cuidadosamente observados. Devido ao facto de haver duas câmaras a abordo do veículo espacial, o grupo de apoio médico de Yazdovskiy era capaz de observar as reacções dos cães enquanto em voo. As imagens provenientes da cápsula não eram encorajadoras. Inicialmente, os cães pareciam mortalmente quietos, e sem o fluxo de dados relativos aos seus sinais de vida, era impossível dizer se eles estavam vivos ou não. Mais tarde ficaram mais animados, mas os seus movimentos pareciam convulsivos. Belka ganiu e acabou por vomitar na quarta órbita. Silenciosamente, Yazdovskiy observava as imagens provenientes do satélite e pesadamente relataria à Comissão Estatal que um voo com um cosmonauta deveria ser limitado a uma órbita e não mais. Simplesmente ainda existiam muitos pontos desconhecidos acerca do efeito da ausência de peso no organismo humano. Um número de experiências científicas foi levado a cabo durante a missão, incluindo as experiências para a detecção de raios cósmicos e a monitorização das emissões de alta energia nos comprimentos de onda ultravioleta e de raios-x.

belkaA telemetria mostrava que o sistema de orientação de infravermelhos havia falhado de novo. Após uma noite atarefada a verificar as suas capacidades, os engenheiros recomendaram a utilização do sistema suplente de orientação solar. Este sistema teve uma performance sem qualquer anomalia na 18ª órbita, e o módulo de descida entrou na atmosfera terrestre no ângulo correcto. O sistema de catapulta operou na altura devida e ejectou a cabina com os cães no simulador do assento de ejecção. A cabina aterrou com sucesso somente a 10 km do local designado para aterragem na região de Orsk no Cazaquistão após um voo de 1 dia e 2 horas. Belka e Strelka tornaram-se nos primeiros seres vivos a serem recuperados desde a órbita terrestre. O Korabl-Sputnik 2 era na altura somente o segundo objecto a ser recuperado da órbita terrestre; o satélite Americano Discoverer-13 (o Dicoverer-13 (00048 1960-008A 1960 Teta) foi lançado às 2037:54UTC do dia 10 de Agosto de 1960 por um foguetão Thor Agena A (231) a partir do Complexo de Lançamento 75-3-5 da Base Aérea de Vandenberg, Califórnia.) havia antecipado o satélite soviético em 9 dias (o Discoverer-13 era um satélite de reconhecimento CORONA numa missão de diagnóstico sem câmaras a bordo. De notar que uma fonte sugere que o módulo de descida do Korabl-Sputnik 2 (00055 1960-011A 1960 Lambda 1) aterrou a 200 km do seu local de descida previsto.). Os médicos encontraram ambos os cães em boas condições apesar das preocupações durante a missão. Testes fisiológicos extensivos provaram que não ocorreram alterações fundamentais ao nível da saúde dos dois cães.

Belka e Strela 1Este voo em particular foi um momento decisivo e verificou quase todos os elementos primários do desenho do veículo. Korolev regressou a Moscovo a 28 de Agosto para escutar os relatórios do Chefe Desenhador Adjunto Bushuyev e do Chefe de Grupo Feoktistov acerca do progresso do desenho da variante pilotada Vostok 3A. Muito satisfeito com o trabalho realizado, Korolev, em coordenação com os outros principais desenhadores chefe envolvidos no programa (Glushko, Ryazanskiy, Pilyugin, Barmin, Kuznetsov, Bogomolov, Isayev, Kosberg, Alekseyev e Yazdovskiy), preparou um documento intitulado “Estado Básico do Desenvolvimento e Preparação do Objecto 3KA (O Veículo Espacial tripulado ‘Vostok 3A’)”, que incluía listagens e descrições dos principais sistemas do veículo espacial bem como um ciclograma para um voo nominal com planos de contingência para todas as falha possíveis.

A importância do documento, datado de 7 de Setembro de 1960, não era tanto pelo seu detalhe técnico, mas por causa da fantástica preocupação pela segurança do piloto que surgia em cada secção do relatório. Uma secção era completamente dedicada à enumeração das redundâncias e medidas de segurança para cada um dos principais sistemas do veículo espacial, desde os críticos sistemas de orientação até aos pequenos cartuchos pirotécnicos na escotilha ejectável. Finalmente, e no que deve ter sido um toque pessoal de Korolev, os autores enfatizaram que as anteriores práticas de gestão na industria de mísseis não seriam mantidas no projecto Vostok pois as falhas não eram resultados aceitáveis. O sistema Vostok completo era composto de um veículo de lançamento de seis unidades a três estágios com cerca de trinta sistemas térmicos, estáticos e dinâmicos, tais como turbo-bombas para os motores do foguetão. O veículo espacial por seu lado consistia de 241 tubos de vácuo, mais de 6.000 ligações, 56 motores eléctricos, e cerca de 800 relés e interruptores ligados por 15 km de cabos, para além de 880 ligações tendo cerca de 850 contactos por cabo. Claramente, o sistema na sua totalidade não poderia ser visto como à prova de falhas. Aqui Korolev utilizou a sua técnica de gestão para enfatizar a cada desenhador chefe, director de fábrica, e gestor de operações militar, de que a vida do cosmonauta dependia da parte do seu trabalho. A cadeia de responsabilidade era delegada até ao trabalhador mais inferior na fábrica. Os onze signatários do documento representavam de forma indirecta 123 organizações, incluindo 36 fábricas, que estavam a participar no projecto (Existe também um outro documento intitulado “Regulamentos para o 3KA”, que foi publicado em Dezembro de 1960 e que especificava as responsabilidade de específicas de produção e desenho para cada desenhador chefe, director de fábrica, etc.).

Korabl-Sputnik

A preparação deste documento provou ser um catalisador para uma intervenção a nível estatal no programa. Três dias mais tarde, a 10 de Setembro, os dez mais poderosos líderes na industria de defesa Soviética (dirigidos por Ustinov) e das forças armadas, juntamente com os seis membros originais principais do Concelho de Desenhadores Chefe, assinaram e enviaram um documento sobre o programa Vostok para o Comité Central do Partido Comunista. Finalmente desclassificado em 1991, a carta estipulou pela primeira vez um calendário para a realização do primeiro voo espacial pilotado. Começava assim:

“O lançamento bem sucedido, voo espacial, e aterragem do veículo espacial (o objecto “Vostok 1”) projecta nova luz nas datas para a realização de um voo pilotado no espaço cósmico. Uma análise dos dados das medições telemétricas recebidas durante os voos do “Vostok 1” sugere a possibilidade de se criar condições normais de vida para um humano durante um voo espacial.” (os signatários do documento foram – pela ordem das suas assinaturas: D. F. Ustinov (Presidente da Comissão Industrial Militar), R. Ya. Malinovskiy (Ministro da Defesa), K. N. Rudnev (Presidente da Comissão Estatal para as Tecnologias da Defesa), V. D. KalmYkov (Presidente da Comissão Estatal para a Rádioelectrónica), P. V. Dementyev (Presidente da Comissão Estatal para as Tecnologias da Aviação), B. Ye. Butoma (Presidente da Comissão Estatal para a Construção de Veículos), M. I. Nedelin (Comandante em Chefe das Forças Estratégicas de Mísseis), S. I. Rudenko (Comandante em Chefe Adjunto da Força Aérea), V. M. Ryabikov (Presidente Adjunto do Conselho de Ministros da República Socialista Soviética da Federação Russa), M. V. Keldysh (Vice Presidente da Academia de Ciências da URSS), S. P. Korolev (Desenhador Chefe do OKB-1), V. P. Glushko (Desenhador Chefe do OKB-456), M. S. Ryazanskiy (Desenhador Chefe e Director do NII-885), N. A. Pilyugin (Desenhador Chefe do NII-885), V. P. Barmin (Desenhador Chefe do GSKB SpetsMash), e V. I. Kuznetsov (Desenhador Chefe do NII-944))

Os autores recomendaram que mais um ou dois voos Vostok 1 deveriam ser levados a cabo em Outubro – Novembro de 1960, seguidos por duas missões automáticas da variante Vostok 3KA em Novembro – Dezembro de 1960. a 1 de Dezembro, os cosmonautas em treino para as suas missões deveriam estar prontos, e um voo pilotado em grande escala poderia ser realizado numa Vostok 3KA em Dezembro, a tempo de bater o lançamento Mercury. Ao contrário de todos os anteriores projectos espaciais Soviéticos, o facto deste documento ter sido assinado por dirigentes ministeriais em vez dos usuais ministros-adjuntos, claramente sublinhava a importância com a qual a liderança Soviética via o programa. Se em 1959 havia alguma hesitação por parte do governo em se empenhar completamente num programa espacial tripulado, em finais de 1960, essas preocupações tinham sem dúvida sido superadas pela eminente ameaça do Projecto Mercury. Tendo consistentemente mantido a liderança na fase inicial da corrida espacial, a União Soviética era forçada a fazer esforços para manter continuamente essa preeminência. Apesar da prioridade nacional nos mísseis estratégicos, o espaço havia-se tornado numa arena não só para aplicações militares mas também para simples orgulho nacional. A euforia auto congratulatória que havia seguido os lançamentos dos Sputnik e das Luna, forçou o governo Soviético a manter a imagem no novo estado Soviético avançado. Era uma corrida que eles haviam iniciado e na qual não estavam em posição para a terminar agora.

A petição pelos dezasseis líderes do programa espacial Soviético foi recebida no Comité Central do Partido Comunista – isto é, por Nikita S. Khrushchev e Frol R. Kozlov. Ambos aprovaram o plano e emitiram uma resposta ultra-secreta datada de 11 de Outubro, listando cada uma das jurisdições ministeriais dos signatários:

I. A proposta da Comissão Estatal de Tecnologias de Defesa do Concelho de Ministros da URSS, a Comissão Estatal para a Rádioelectrónica do Concelho de Ministros, O Ministério de Defesa da URSS, a Comissão Estatal para a Construção de Veículos do Concelho de Ministros da URSS, a Comissão Estatal para as Tecnologias da Aviação do Concelho de Ministros da URSS, e a Academia de Ciências da URSS, que foi examinada e aprovada pela Comissão do Presidium do Concelho de Ministros da URSS para os Assuntos Militares Industriais, sobre a preparação e lançamento de um veículo espacial (o objecto “Vostok 3ª”) com um homem a bordo em Dezembro de 1960, é aprovada, pois é uma tarefa de grande importância.

Assim, foi criado palco para o cenário no qual se daria o lançamento do primeiro ser humano para o espaço no último mês de 1960. Era um calendário ambicioso. Não havia precedente para a rápida cadência do calendário – o OKB-1 tinha sido capaz de levar a cabo três tentativas de lançamento no Verão de 1960, e este nível teria de ser quase duplicado. A decisão foi claramente tomada após uma discussão exaustiva, e não existe qualquer evidência para sugerir que Korolev teria aprovado tal calendário se ele não pensasse que era realista. Os planos do governo Soviético foram porém, subitamente e tragicamente prejudicados por um dos piores desastres na história do desenvolvimento dos foguetões e mísseis, uma negra recordação dos perigos da nova tecnologia ao seu dispor.

Desastre e atrasos

Na noite de 24 de Outubro, Korolev chamou o engenheiro sénior do OKB-1 Arkadiy I. Ostashev ao seu gabinete para lhe dar informações importantes. O desenhador chefe havia acabado de receber uma chamada de Baikonur através de linhas de comunicações restritas, do seu Adjunto Yevgeniy V. Shabarov relacionada com um grande acidente no polígono de lançamento no qual o irmão mais velho de Ostachev, Yevgeniy, havia estado envolvido. Ainda sem saber da escala do acidente, Korolev permitiu imediatamente que o jovem Ostashev voa-se para o local de lançamento. A magnitude e a natureza catastrófica do acidente só se tornou clara a Korolev ao longo da noite à medida que mais e mais relatórios chegavam tanto de Baikonur como de fontes indirectas em Moscovo. O desastre estava para lá da compreensão mesmo dos mais negros pesadelos, e envolveu um foguetão desenhado não por Korolev, mas pelo seu rival, o Desenhador Chefe Yangel.

Com uma dura competição contra Korolev para o desenho de uma nova geração de ICBM, Yangel havia surgido com a sua primeira proposta, o R-16, na plataforma de lançamento em meados de Outubro para o seu primeiro lançamento. Após a falha relativa do R-7 de Korolev como um ICBM operacional, havia uma tremenda importância focada em colocar em estado operacional o novo R-16 de Yangel. Finalmente daria à União Soviética uma detent activa e estratégica em larga escala, apoiando assim o discurso de Khrushchev sobre o poderio Soviético. Dias antes do planeado lançamento, o líder Soviético, num discurso nas Nações Unidas, havia declarado que os mísseis estratégicos estavam a ser produzidos na União Soviética “como salsichas por uma máquina”, uma declaração que não era claramente verdade no caso dos ICBM. Numerosos oficiais importantes estavam em Baikonur para testemunhar o primeiro lançamento, incluindo o Comandante em Chefe das Forças Estratégicas de Mísseis Nedelin, que também presidia à Comissão Estatal para o R-16.

Consumindo propelentes armazenáveis, hipergólicos, e altamente tóxicos, tinha havido muita dificuldade antes do lançamento, especialmente nos procedimentos de abastecimento, que causara grande consternação no local de lançamento. O primeiro lançamento esteve originalmente agendado para 23 de Outubro, mas uma grande fuga de propolente nessa noite forçara um adiamento para o dia seguinte. Às ordens da Comissão Estatal, todas as reparações no míssil foram levadas a cabo com este totalmente abastecido, criando uma situação notavelmente perigosa na R-16 Nedellin 01plataforma. As reparações foram levadas a cabo com sucesso ao longo da noite, e todas as operações pré-lançamento procederam como previsto até trinta minutos antes da hora marcada a 24 de Outubro. Nesta altura, ainda estavam cerca de 200 oficiais, engenheiros, e soldados perto da plataforma, incluindo o Marechal Nedelin, que escarnecia sugestões ao lhe sugerirem que abandonasse a área. “De que é que deva ter medo? Não sou um oficial?”, terá supostamente perguntado. Por um golpe de sorte misericordioso, Yangel foi convencido a entrar num bunker de segurança para fumar um último cigarro pelo major General Alexander G. Mrykin, o homem de Nedelin para os mísseis e para o espaço. Mrykin estava aparentemente a pensar em deixar de fumar, e havia decidido fumar o seu último cigarro mesmo ali. Foi nesse momento, exactamente tinta minutos antes do lançamento, que o míssil subitamente explodiu na plataforma, libertando um inferno de destruição em expansão em torno da plataforma.

Em segundos, o míssil partiu-se ao meio e caiu na plataforma, esmagando quem ainda pudesse estar vivo. Neste ponto, o incêndio e o calor cresciam em intensidade à medida que os propelentes se incendiavam num crescendo. Algumas pessoas foram simplesmente engolidas pelo fogo, enquanto outros que conseguiram fugir a arder sucumbiram em minutos devido aos gases tóxicos. Alguns técnicos permaneceram pendurados dos seus arneses em guindastes à medida que os seus corpos ardiam. O Presidente Adjunto da Comissão Estatal para as Tecnologias de Defesa, Lev A. Grishin, que havia estado junto a Nedelin, conseguira saltar sobre uma grade, correr ao longo do alcatrão derretido, e saltar para a porta da rampa de uma altura de 3,5 metros, partindo ambas as pernas enquanto chegava a um ponto seguro. Tragicamente, viria a sucumbir às suas queimaduras pouco depois de ter sido transportado para o hospital (Grishin ainda estava vivo quatro dias depois do acidente, a 28 de Outubro, e nessa altura, as suas lesões eram referidas como “queimaduras do 2º, 3º e 4º na face, cabeça, pescoço metade esquerda do tórax, fractura exposta em ambos os ossos da canela, e extremidade inferior esquerda amputada a partir do terço médio da canela.”). À medida que a temperatura atingia os 3.000ºC, as pessoas eram simplesmente derretidas na tempestade de fogo, muitos a serem reduzidos a cinzas.

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Ao longo dos dias seguintes, os trabalhadores começaram a grotesca tarefa de identificar os cadáveres. Foi imediatamente formada uma comissão especial dirigida por Yangel para investigar o acidente. A falha havia evidentemente ocorrido quando o segundo estágio do R-16 havia espontaneamente iniciado a queima na plataforma devido a uma falha no sistema de controlo, fazendo com que os propolentes do primeiro estágio entrassem em combustão. Este sistema de controlo, desenvolvido pelo OKB-692 em Kartashov, não tinha um circuito para bloquear comandos, impedindo-os que chegar ao segundo estágio. Foram necessárias catorze horas de tormento antes do jovem Ostashev identificar o seu irmão. O próprio Nedelin foi identificado devido à sua medalha Estrela Vermelha fixada no seu uniforme. O Desenhador Chefe do OKB-692 Boris M. Konoplev, o talentoso engenheiro de sistemas de orientação que se encontrava entre as estrelas em ascensão no programa de mísseis e foguetões da União Soviética, foi identificado pela sua altura, sendo um dos homens mais altos na plataforma. Todos contados, 126 indivíduos pereceram na explosão, incluindo oficiais militares seniores, desenhadores chefe adjuntos, e numerosos soldados (Chertok, Rakety i lyudi, p. 397; Ainda existem muitas discrepâncias em relatórios acerca da contagem final do desastre do R-16, variando de um número limite baixo de 92 até a um número de 165. A 28 de Outubro, 74 pessoas haviam sido identificadas como mortas. Um número de documentos importantes previamente classificados relacionados com o desastre, foi publicado em 1994. Estes incluíam o comunicado original enviado por Yangel para Moscovo minutos após o desastre, um relatório preliminar do acidente pela comissão técnica no dia após o acidente, a listagens daqueles que haviam sido identificados (ambos os falecidos e os feridos) a 28 de Outubro). O acidente foi mantido em segredo e o Marechal Nedelin foi referido como tendo falecido num acidente de aviação, um pedaço de ficção que os Soviéticos mantiveram oficialmente até ao princípio de 1989. A proibição de se discutir o acidente entre os sobreviventes não foi levantada até 1990, trinta anos após a tragédia.

O desastre com o R-16 foi um golpe devastador para o programa de mísseis Soviético. Apesar de não ter qualquer impacto directo com o esforço espacial pilotado, ocorreu evidentemente um atraso repercussivo no programa Vostok. Muitas das organizações, tais como o OKB-456 (Glushko), NII-944 (Kuznetsov), NII-88 (Tyulin), e NII-229 (Tabakov), tinham grandes contribuições para ambos os projectos. O Marechal Nedelin, para além do seu papel como Comandante em Chefe das Forças Estratégicas de Mísseis, também presidia a vários Comissões Estatais importantes, incluindo a do programa Vostok, e o desastre pôs assim término à sua carreira de 15 anos como uma das figuras mais importantes no crescimento dos programas espacial e de mísseis da União Soviética. Kirill S. Moskalenko, o Comandante do Distrito Militar de Moscovo, com 52 anos de idade, foi nomeado como novo comandante das Forças Estratégicas de Mísseis. Teve a pouco usual distinção de ser um dos homens a participar na execução do Presidente do NKVD, Lavrenti Beria, em Dezembro de 1953. Konstantin N. Rudnev, 49 anos de idade, o líder industrial do programa espacial e de mísseis, tomou o lugar de Nedelin como presidente da Comissão estatal para a Vostok. Foi o ponto alto da ascensão de dez anos de Rudnev como um dos mais importantes gestores industriais na União Soviética. O seu primeiro trabalho nesta área tinha sido como director do famoso NII-88 em princípio dos anos 50.

Passariam mais de duas semanas após o desastre do R-16 até que os trabalhos fossem retomados no programa Vostok. Por esta altura, era claro que o calendário original para um voo pilotado em Dezembro de 1960 era irrealista. Numa carta datada de 10 de Novembro, Ustinov, Keldysh, Korolevm Rudnev, e Moskalenko, pediam ao Comité Central uma permissão formal para lançar duas Vostok 1 precursoras antes de iniciarem os testes da variante Vostok 3A pilotada. No melhor dos cenários, um primeiro voo pilotado não poderia ser levado a cabo antes de Fevereiro de 1961. Nesta altura, a NASA estava também a prever o seu voo suborbital em princípios da Primavera. Assim, apesar dos atrasos associados com o desastre do R-16 e outros problemas técnicos, ainda existia uma estreita margem de segurança no novo calendário.

Pchelka e Mushka 1A autorização para o lançamento de dois veículos espaciais Vostok 1, o quarto e o quinto na série, foi dada quase de imediato pelo Comité Central, que permitiu o processamento da fábrica do OKB-1 e em Baikonur para apressar os trabalhos. Ambos os veículos espaciais eram idênticos ao veículo lançado em Agosto, exceptuando a omissão do sistema de orientação por infravermelhos que havia sido a causa de tantos problemas nas missões anteriores. O primeiro foi lançado sem incidentes a 1 de Dezembro de 1960 para uma órbita que reproduziu exactamente a órbita planeada naquela altura para a missão pilotada: 180 km por 249 km com uma inclinação de 64,95º. A bordo do satélite, denominado Terceiro Korabl-Sputnik (o Korabl-Sputnik 3 (0065 1960-017A 1960 Ro 1) foi lançado às 07:30:04UTC por um foguetão 8K72 Vostok (L1-13); o satélite é também por vezes designado Sputnik-6), estavam os cães Pchelka e Mushka. A massa total em órbita era de 4.563 kg. Aparentemente existia uma instrumentação biomédica melhorada a bordo, bem como um conjunto diferente de instrumentos para estudos cósmicos e de radiação.

O voo correu bem e realizaram-se com sucesso doze sessões de comunicações para recepção de telemetria. Após cerca de 24 horas em órbita, na 17ª órbita o motor principal TDU-1 deveria entrar em ignição para iniciar a reentrada. Infelizmente, ocorreu uma avaria no sistema de estabilização do motor; a queima resultante foi muito mais curta do que estava previsto. Apesar da cápsula ainda reentrar na atmosfera, as computações mostravam que a aterragem iria ocorrer fora do território Soviético. O veículo espacial ainda fez mais uma órbita e meia, após a qual o módulo de descida com os cães no interior se separou do resto do veículo. Uma sessão de comunicação adicional com o satélite confirmou a falha do TDU-1. Neste ponto, um sistema especial e pouco usual foi colocado em operação – um sistema que estava instalado para resolver situações desta natureza. Durante o planeamento inicial da missão, tinha havido muita preocupação acerca da possibilidade da cápsula vir a aterrar longe do local planeado e em “território estrangeiro”. Dado o extremo secretismo e xenofobia do programa espacial e de mísseis, a única opção para os desenhadores era a instalação de um sistema de auto-destruição a bordo do veículo para destruir as “provas” antes de serem recolhidas por outras nações. Desenhado pelo NII-137, o sistema para uma explosão de emergência do objecto foi desenhado para se detonar se um sensor gravítico a bordo não detectasse a reentrada num momento determinado. Misericordiosamente, tal sistema só estava previsto para as missões Vostok precursoras e não para as missões pilotadas. No caso do Korabl-Sputnik 3, o sistema foi activado no início da reentrada e destruiu o veículo espacial juntamente com os seus passageiros. Na altura, a imprensa Soviética meramente anunciou que por causa de uma incorrecta atitude, o módulo de descida tinha ardido na reentrada.

O problema com o TDU-1 foi rapidamente identificado ao se “adoptar meios para garantir o normal funcionamento da Unidade do Motor de Travagem”, e o próximo veículo espacial Vostok 1 foi colocado na plataforma de lançamento na Zona 1 na terceira semana de Dezembro. Havia uma pequena alteração no foguetão para este voo. Todas as missões Korabl-Sputnik anteriores haviam utilizado o veículo lançador 8K72 também utilizado para os lançamentos das sondas lunares Luna. Este voo em particular seria o primeiro a utilizar uma variante ligeiramente alterada designada 8K72K, que substituía o motor RD-0109 (pouco acima d 5,5 t) pelo RD-0105 (um pouco acima das 5,0 t) como motor de inserção orbital do terceiro estágio (os primeiros testes da variante 8K72K podem ter ocorrido mais cedo. Ocorreram dois voos suborbitais relacionados com o R-7 (ou R-7A) a 5 de Julho e 7 de Julho de 1960, durante os quais as cargas foram depositadas no Pacífico. ). O aumento de força nominal iria permitir uma massa ligeiramente mais elevada para a variante pilotada. Assim, o quinto veículo espacial Vostok 1, transportando os cães Kometa e Shutka, foi lançado às 07:45:19UTC do dia 22 de Dezembro de 1960 (outras fontes – N. P. Kamanin, Skrytiy kosmos: kniga pervaya, 1960-1963gg – referem que os nomes dos cães eram Zhemchuzhnaya e Zhulka.). Os dois primeiros estágios do foguetão 8K72K (o foguetão era o 8K72K Vostok (L1-13А) tiveram uma performance sem problemas, mas o novo motor do terceiro estágio desactivou-se prematuramente a T+425 segundos devido à destruição do gerador de gás no motor. O sistema de escape de emergência foi accionado, e o veículo espacial foi separado com sucesso à medida que a sua trajectória de voo descrevia um arco ao longo da União Soviética. A carga atingiu uma altitude de 214 km e aterrou a cerca de 3.500 km do local de lançamento numa das áreas mais remotas e inacessíveis da Sibéria, na região de Podkamennaya Tunguska, perto do local de impacto do famoso meteorito de Tunguska. Nas horas tardias de 22 de Dezembro, as forças de resgate começaram a detectar sinais do módulo de descida, e um grupo de busca liderado pelo velho amigo de Korolev, Arvid V. Pallo, foi enviado para tentar localizar a cápsula.

A missão de resgate acabou por se revelar um dos episódios mais horrorosos daquela altura. Quando o grupo de resgate foi largado na área geral do local de aterragem dois dias mais tarde a 24 de Dezembro, Pallo e os restantes viram-se enterrados na neve até ao peito. Ao terem aviões a voarem na direcção do objecto, eles conseguiram atingir a cápsula. Uma vez a cápsula encontrada, eles tiveram de se aproximar da mesma com toda a precaução devido ao facto de que o sistema de explosão de emergência deveria automaticamente detonar-se sessenta horas após a aterragem. Na altura em que o grupo chegou ao veículo espacial, já haviam passado sessenta horas, mas a cápsula ainda não havia explodido, forçando-os a desactivar o sistema a temperaturas de -44ºC. Mais tarde descobriram que os cabos do sistema explosivo haviam sido queimados, neutralizando a bomba. Apesar de ambas as escotilhas do módulo de descida terem sido descartadas, o assento ejectável havia permanecido no interior da cápsula esférica em vez de ter sido ejectado com os cães. Mais tarde as investigações mostraram que durante a ejecção, o assento havia embatido na parte lateral da escotilha de saída e permanecido no veículo espacial. Pallo e o seu adjunto regressaram ao local no dia seguinte, e os cães foram finalmente retirados do interior da cápsula, um pouco frios mas vivos, e finalmente transportados por ar para um local seguro, chegando a Moscovo a 26 de Dezembro. Mais complicado foi trazer de volta para Moscovo o veículo espacial, à medida que utilizavam uma variedade de estratégias para literalmente arrastar a cápsula através de quilómetros de neve. A certo ponto, a equipa de Pallo teve de terminar todas as operações de resgate e passar a noite no meio do gelo e da neve quando as temperaturas baixaram para -62ºC. Era a primeira semana de Janeiro de 1961 quando o veículo finalmente chegou a Moscovo. Apesar das opiniões de Korolev de que a falha deveria ser anunciada na imprensa Soviética, a Comissão Estatal vetou a ideia.

Uma análise da abortagem do lançamento a 22 de Dezembro mostrou que existiram um número de grandes anomalias na missão. Após a falha do terceiro estágio do foguetão, o veículo Vostok 1 deveria separar-se nos seus dois componentes: o módulo de descida e o módulo de instrumentação. Isto nunca aconteceu. Os dois módulos acabaram por ver os cabos cortados somente devido ao aquecimento térmico na reentrada atmosférica. Para além do mais, o assento ejectável deveria ter sido catapultado para fora da cápsula dois segundos e meio após a escotilha ter sido por sua vez ejectada; nesta missão, ambos os eventos ocorreram simultaneamente, causando a deformidade na cápsula devido ao choque da ejecção falhada. Depois ocorreu a falha fortuita do sistema de auto-destruição. Todos estes problemas, por razões óbvias, não eram encorajadores. O programa Korabl-Sputnik tinha agora dois grandes acidentes consecutivos. A data provisória da Comissão Estatal de Fevereiro de 1961 para um voo pilotado não era agora viável. Numa reunião da comissão realizada a 5 de Janeiro de 1961, o Desenhador Chefe Adjunto Bushuyev apresentou um calendário para os meses seguintes. Tal como os planos prévios, os próximos dois lançamentos na série seriam voos automáticos da variante pilotada, a Vostok 3A. O primeiro iria voar a 5 de Fevereiro e o segundo entre 15 e 20 de Fevereiro. Contingente do seu sucesso, a comissão iria aprovar uma missão pilotada.

O Caminho para a Vostok

O treino do principal grupo de cosmonautas seleccionados para a primeira missão pilotada atingiu um ponto culminante em Janeiro de 1961. Por essa altura, todos os seis haviam terminado dos regimes finais nos simuladores com uma duração de três dias, bem como a um treino a grande escala de salto de pára-quedas e recolha. Durante dois dias em meados de Janeiro, os seis – Capitão Bykovskiy, Tenente Gagarin, Tenente Nelyubov, Capitão Nikolayev, Capitão Popovich e Tenente Titov – levaram a cabo os seus exames finais para determinar o respectivo grau de prontidão. Uma comissão interdepartamental especial dirigida pela supervisão do Tenente General Kamanin iria rever os resultados e recomendar os candidatos mais prováveis para a primeira missão (os membros da comissão eram: Major General A. N. Babichuyk (Chefe dos Serviços Médicos da Força Aérea Soviética), Tenente General V. Ya. Klokov (Instituto de Aviação e Medicina Espacial), V. I. Yazdovskiy (Instituto de Aviação e Medicina Espacial), Coronel Ye. A. Karpov (Director do TsPK), Académico N. M. Sisakyan (Departamento de Ciências Biológicas da Academia das Ciências da URSS), K. P. Feoktistov (OKB-1), S. M. Alekseyev (Desenhador Chefe da Fábrica n.º 918) e M. L. Gallay (piloto de testes do Instituto de Pesquisa de Voo M. M. Gromov). O Desenhador Chefe do Instituto de Pesquisa de Voo N. S. Stroyev estava presente durante os testes.). A 17 de Janeiro, cada candidato passou quarenta a cinquenta minutos num simulador no Instituto de Pesquisa de Voo M. M. Gromov descrevendo a operação do veículo espacial, os seus instrumentos, e as várias fases de uma missão, após os quais os membros da comissão colocaram questões específicas. Foi dada uma particular atenção à operação do motor TDU-1 e à orientação do veículo espacial, ambos os quais haviam falhado várias vezes nas missões prévias Korabl-Sputnik. No primeiro dia, Nikolayev, Popovich, Gagarin e Titov receberam qualificações de ‘excelente’, enquanto que a Bykovskiy e Nelyubov foram atribuídas as classificações de ‘muito bom’. No dia seguinte, os candidatos realizaram um exame escrito, que completou o programa. Os resultados foram coligidos de seguida, e a comissão recomendou a seguinte ordem para se utilizar os treinandos nos voos: Gagarin, Titov, Nelyubov, Nikolayev, Bykovskiy, Popovich (os restantes onze cosmonautas activos – Anikeyev, Belyayev, Filatyev, Gorbatko, Khrunov, Komarov, Leonov, Rafikov, Shonin, Volynov e Zaykin – fizeram o teste a 4 de Abril de 1961. De uma possível classificação de ‘5’, KOmarov e Leonov receberam ‘5+’, Anikeyev, Filatyev, Shonin e Volynov receberam ‘5’, e Belyayev, Gorbatko, Khtunov e rafikov receberam ‘4’). Esta série particular de testes ajudou a estreitar a selecção de candidatos para a primeira missão aos três melhores cosmonautas: Gagarin, Titov e Nelyubov. Apesar de factores menos técnicos tais como as características fisiológicas e a ideologia iriam reduzir os três homens somente a um para a primeira missão, os três iriam viajar para Baikonur dentro de alguns meses.

Mesmo nesta fase inicial, Yuri Gagarin de 26 anos de idade, parecia claramente ser o favorito. As origens de Gagarin provinham da classe trabalhadora na região de Smolensk a Oeste de Moscovo, formando-se no ensino secundário em 1949. Passou os anos seguintes em vários institutos técnicos ingressando na Escola Superior da Força Aérea de Orenburg em 1955. Até à sua selecção como treinando para cosmonauta, servira como piloto em serviço activo em Zapolyarniy, a Norte do Círculo Árctico. Em todos os relatos é referido como um indivíduo afável e inteligente, e havia fortuitamente causado uma extremamente boa impressão a Korolev na primeira vez que os cosmonautas se encontraram com ele em meados de 1960. Apesar de ter havido uma tendência para colocar o jovem homem num estatuto de herói adorado por todos, mesmo aqueles que não eram dados muito a hipérboles não tinham nada de negativo a dizer sobre ele. Mais tarde o cosmonauta Khrunov lembrava que:

Gagarin era extremamente focado, e quando era necessário, muito exigente de si próprio e dos outros. É por isso que eu penso que se nos concentrarmos naquele seu famoso sorriso, podemos perder o seu verdadeiro ser e até diminuir a imagem de quem ele realmente era.

O engenheiro do OKB-1, Raushenbakh, relembra que “Gagarin nunca iria tentar ser ingrato consigo próprio e nunca era insolente. Ele nasceu com um dom inato.” Numa das primeiras avaliações da sua personalidade datada de Agosto de 1960, quando ele era apenas um dos vinte homens em treino para um voo, uma comissão de médicos da Força Aérea escreveu sobre os atributos positivos de Gagarin sem qualquer ambiguidade:

Gagain 1Modesto; fica embaraçado quando o seu humor se torna um porco despregado; o alto nível de desenvolvimento intelectual é evidente em Yuri; memória fantástica; distingue-se a sai próprio dos seus colegas pelo seu agudo e abrangente sentido de atenção a tudo o que se passa ao seu redor; uma imaginação bem desenvolvida; reacções rápidas; perseverante; prepara-se intensamente a si próprio para as suas actividades e exercícios de treino; lida com a mecânica celeste e com as fórmulas matemáticas com destreza e é esperto nas matemáticas avançadas; não se sente constrangido quando tem de defender o seu ponto de vista se considera que tem razão; parece que compreende a vida melhor do que muitos dos seus amigos.

Quando o grupo de cosmonautas levou a cabo uma votação anónima e informal para ver quem entre o grupo gostariam de ver a voas a primeira missão, todos com excepção de três nomearam Gagarin. Para lá das suas altas qualificações, ele também satisfazia os critérios não escritos do Partido Comunista de que o primeiro Soviético no espaço deveria ser completamente Russo e ter uma descendência na classe trabalhadora.

Titov 1German Titov, com 25 anos de idade na altura, havia crescido no Distrito de Kosikhinskiy no Território de Altay antes de ingressar na Escola Superior da Força Aérea de Kacha em 1953. Após a sua formação em 1957, serviu como piloto em serviço activo no Distrito de Leninegrado. Surpreendeu muitos por ser o mais falante dos seis, e foi notado por se ter rebelado contra o que chamava de ‘questões sem sentido’ durante os processos de selecção em 1959. O mais novo dos seis, portara-se excelentemente e sem problemas ao longo do ano que passara nos treinos e era um competidor muito próximo de Gagarin. O último dos três, Grigoriy Nelyubov, de 26 anos de idade, era talvez o mais talentoso e qualificado do grupo dos seis. Crescido na Crimeia, tinha-se graduado na Escola Superior da Força Aérea de Ieisk em 1957 e servido como piloto de MiG-19 no Mar Negro. Pouco após a sua selecção como cosmonauta, demonstrou de forma consistente a sua capacidade como um dos melhores membros do grupo de vinte. Ele tinha também apoiantes influentes no OKB-1; o Chefe de Departamento Raushenbakh foi referido como ter apoiado a candidatura de Nelyubov para ser o primeiro Soviético no espaço. Pelo lado negativo, Nelyubov era também extremamente expressivo e individualista. Para Kamanin, um fervoroso Estalinista da velha guarda, o que de outra forma seriam os excelentes registos de Nelyubov nos treinos eram neutralizados pela sua natureza Nelyubov 1directa e crítica. Gagarin, que era de ‘carácter sereno’, era um candidato muito mais óbvio de uma perspectiva ideológica.

Em termos de preparação para a primeira missão Vostok, o treino dos cosmonautas era só a ponta do iceberg de um gigantesco empreendimento. Os requisitos de rastreio para uma missão pilotada eram muito mais estritos do que para os modestos Sputnik nos anos anteriores, e o instituto militar NII-4 foi mais uma fez encarregado com a coordenação de criar uma rede para apoiar no novo projecto. Os sete pontos de comunicações originais espalhados ao longo da União Soviética (em Baikonur / Tyura-Tam, Makat, Sary-Shagan, Yeniseysk, Iskhup, Yilizovo e Klyuch) para apoiar o programa inicial de satélites, foram aumentados por seis novas estações (em Leninegrado, Simferopol, Tbilis, Kolpashevo, Ulan-Ude e Moscovo) – cada um dos destes centros era denominado um Ponto de Medições Científicas (NIP), e cada um tinha um número em separado: NIP-1 (Baikonur / Tyura-Tam), NIP-2 (Makat), Nip-4 (Yeniseysk), NIP-5 (abandonado em 1958), NIP-6 (Yelizovo), NIP-7 (Baikonur / Tyura-Tam), NIP-8 (não foi construído), NIP-9 (Leninegrado), NIP-10 (Simferopol), NIP-12 (Kolpashevo), NIP-13 (Ulan-Ude) e NIP-14 (Moscovo). Apesar da União Soviética ter um comprimento quase duas vezes e meia o comprimentos dos Estados Unidos continentais, existiam limitações claras à monitorização das missões espaciais a partir de uma única massa de terra, tendo em conta de forma especial os elevados requisitos para uma missão pilotada. Talvez relutante em negociar tratados como a NASA fez para a colocação de estações de rastreio em solo estrangeiro, os Soviéticos criaram navios de rastreio totalmente equipados e colocados em todo o planeta. A primeira geração de navios de rastreio Soviéticos – Sibir, Sucha, Sakhalin, e o Chukota – estavam originalmente estacionados para monitorizar os impactos das ogivas dos ICBM e mais tarde para os eventos críticos das missões dos Korab-Sputnik. Estes navios foram comissionados como parte da oficialmente designada Expedição Oceanográfica do Oceano Pacífico n.º 4. A frota foi aumentada em Agosto de 1960 por uma nova segunda geração estacionada no Atlântico que fora especificamente construída para os programas Vostok, lunar e interplanetário: Dolinsk, Ilichevsk e o Krasnodar. A duração dos contactos de comunicações entre para ponto na superfície e o ceículo espacial em órbita era limitada a cinco ou dez minutos, com uma altitude de rastreio chegando aos 1.500 km a 2.000 km (um quarto navio de segunda geração, o Aksay, foi adicionado em Setembro de 1962).

Para as primeiras missões espaciais pilotadas, a NASA optou utilizar um centro de controlo no local de lançamento em Cabo Canaveral. Enquanto que os Soviéticos mantinham tal centro de controlo em Baikonur, o centro nevrálgico para todos os primeiros voos espaciais Soviéticos encontrava-se no subúrbio de Bolshevo, Moscovo, nas instalações da unidade militar NII-4. Era aqui que o denominado Complexo de Medição e Comando estava localizado, no controlo directo das Forças Estratégicas de Mísseis. O centro albergava pessoal vindo principalmente do NII-4 e era dirigido desde Julho de 1959 pelo Coronel Andrey G. Karas, um veterano dos lançamentos de Kapustin Yar. O apoio balístico e computacional durante as missões era dado or três diferentes centros de computação, cada um com o seu grupo de operações – um localizado no NII-4 e dois na Academia de Ciências. Apesar de Karas ser nominalmente o principal responsável por todo o Complexo de Medição e Comando, as operações técnicas diárias eram dirigidas pelo Coronel Amos A. Bolshoy, um cientista militar que teria um papal proeminente no controlo de todas as primeiras missões espaciais Soviéticas ao fornecer à Comissão Estatal as suas recomendações sobre os eventos mais críticos das mesmas (Bolshoy seria substituído por P. A. Agadzhanov em meados dos anos 60). O facto de que esta posição, quase análoga ao conceito Ocidental de um director de voo, ser ocupada por um coronel das Forças de Mísseis Estratégicas era meramente outro sintoma do crescimento do programa espacial Soviético a partir do esforço de desenvolvimento de mísseis balísticos. Esta foi uma das razões para que até os anos 70, os Soviéticos recusaram sempre identificar a localização do seu principal centro de controlo para o início do seu programa espacial tripulado. Para além do comando e controlo, a Força Aérea Soviética aceitou o fardo de organizar as forças de recolha para os cosmonautas que regressavam às Terras. Esta grande armada consistia em 25 aviões (20 Illyushin Il-4, 3 Antonov An-12 e 2 Tupolev Tu-95) bem como 10 helicópteros. Adicionalmente, sete equipas separadas de pára-quedistas foram estabelecidas para chegar de forma rápida a um cosmonauta no final da sua missão para fornecer apoio médico em primeira-mão (aparentemente também existiam três equipas de Illyushin Il-8 dirigidas por V. M. Pekin, M. A. Chernovskiy e G. P. Perminov. Entre os médicos que faziam parte da equipa estava B. B. Yegorov, que mais tarde se tornaria no primeiro médico a voar no espaço. O comandante do serviço de busca e salvamento era o General da Força Aérea A. I. Kutasin).

Ao longo de Janeiro e Fevereiro de 1961, ocorreram preparativos intensivos para o lançamento das duas restantes missões precursoras Vostok. Cada um destes veículos espaciais seria idêntico à variante pilotada, com excepção do facto de que cada uma transportar um único cão até à órbita terrestre. Um manequim do tamanho de um cosmonauta seria colocado no assento ejectável, enquanto que o cão seria colocado num contentor separado do mecanismo do assento ejectável. Ao contrário dos anteriores voos com cães, as missões deveriam ter a duração de uma única órbita – isto é, exactamente o mesmo que era planeado para o primeiro voo humano. Numa reunião da Comissão estatal presidida por Rudnev a 22 de Fevereiro, foram estabelecidos os calendários para as duas missões preliminares. A primeira missão Vostok 3A com um manequim seria lançada nos primeiros dias de Março antes da finalização dos testes no solo e da eleminação de todos os defeitos no modelo; a segunda Vostok 3A iria chegar à órbita terrestre somente após os testes no solo terem sido completos. Os problemas com o primeiro veículo espacial eram limitados a anomalias nos sistemas de suporte de vida e de ejecção, certamente elementos importantes para um satélite biológico. Numa reunião a 27 de Fevereiro, os Desenhadores Chefe Semyon A. Alekseyev (Fábrica n.º 918) e Grigoriy I. Voronin (OKB-124), responsáveis pelos sistemas do mecanismo de ejecção e de suporte de vida, respectivamente, aprovaram um plano detalhado para testar estes sistemas para o segundo veículo espacial Vostok 3A. Em particular, Voronin havia introduzido um novo sistema de ar condicionado, que tinha de ser submetido a um teste de treze dias para simular a contingência de ter um cosmonauta em órbita por esse período de tempo em caso de avaria dos motores de travagem.

A 2 de Março, o Chefe de Grupo do OKB-1 Feoktistov e o seu assistente Oleg G. Makarov, ambos destinados a serem cosmonautas anos mais tarde, prepararam um conjunto detalhado de instruções para o piloto na primeira missão, que incluíam acções para os vários estágios da missão bem como um número de diferentes situações de emergência. Os dois engenheiros tiveram o cuidado de incluir instruções para alterar de forma manual a atitude do veículo espacial em órbita e para levaram a cabo uma retrotravagem completamente manual, ambas as quais não estavam planeadas para serem executadas durante uma missão nominal. O documento final foi entregue a Komarov, Keldysh, Bushuyev e Voskresenskiy, que encurtaram de forma significativa a lista, argumentando que durante a primeira missão, o piloto não deveria controlar activamente qualquer instrumento no veículo espacial. Uma luta vigorosa teve lugar por Kamanin, pelo piloto de teste Gallay e pelo médico Yazdovskiy, que argumentavam que os cosmonautas estavam extremamente bem treinados e que se poderia esperar que levassem a cabo qualquer tarefa que lhes fosse atribuída sem qualquer problema. No final, após uma longa discussão com o Académico Keldysh sobre os méritos do controlo humano de um veículo espacial, Korolev e os outros acabaram por recuar, e o longo conjunto de instruções foi formalmente aprovado. Apesar de o primeiro cosmonauta vir a ter a opção de controlar manualmente certos sistemas, todos os membros da Comissão Estatal estavam de acordo de que as actividades do piloto deveriam ser o mais conservativas possível. A única concessão feita à pesquisa científica foi a inclusão de sementes secas, drosophila, e de bactérias lisogénicas como parte da carga para estudos biomédicos.

No início de Março de 1961, vários importantes chefes desenhadores e oficiais de alta patente das Forças de Mísseis Estratégicas deixaram Moscovo para a cidade de Leninsk perto de Tyura-Tam para dirigirem as operações para as duas próximas missões automáticas (a cidade de Zarya perto do local de lançamento foi rebaptizada de Leninsk a 28 de Janeiro de 1958). Um total de trinta a quarente dias seriam gastos durante este período no local de lançamento para testar cada sistema do terceiro veículo espacial, o veículo que iria transportar um humano, e o seu veículo lançador. Neste ponto, o primeiro Vostok 3A estava previsto para 9 de Março e o segundo para finais de Março. A pressão aumentava sobre os Soviéticos à medida que o Projecto Mercury parecia estar cada vez mais parte de um lançamento pilotado. A opção para lançar o primeiro Vostok 3A sem o benefício de um teste a grande escala no solo era uma prova evidente de que o OKB-1 não estava somente a tentar manter-se com o seu próprio calendário, mas também a tentar ultrapassar o seu principal rival a milhares de quilómetros de distância. Nos Estados Unidos, em meados de Fevereiro, o NASA Space Task Group havia recomendado seguir com uma missão suborbital pilotada na próxima tentativa de lançamento Mercury-Redstone. Numa movimentação de última hora que parece um momento chave em retrospectiva, Wernher von Braun, segundo os conselhos dos seus especialistas de foguetões, argumentou que seria necessário um voo automático adicional do Redstone antes de o certificar para um lançamento humano. A recomendação de von Braun foi aceite, adiando assim o primeiro lançamento de um astronauta de 25 de Abril para o princípio de Maio.

Para Korolev, cuja competição de décadas com von Braun era somente excedida pela sua intensa vontade de ser o primeiro, esta janela provou-se propícia em finais de Abril para coincidir com as celebrações do Primeiro de Maio. O líder Soviético estava, porém, categoricamente contra o agendamento de uma grande missão espacial com um feriado nacional, sem dúvida preocupado com a possibilidade de uma falha catastrófica. Em vez disso, Khrushchev pediu a Korolev para antecipar ou adiar o lançamento. Assim, a opção era clara: o desenhador chefe agendou informalmente o primeiro lançamento Vostok tripulado para meados de Abril. Num volte face cauteloso, o próprio Khrushchev anunciava a 14 de Março durante uma entrevista muito divulgada no Ocidente: “Não está longe a hora quando o primeiro veículo espacial (Soviético) com um homem a bordo irá voar no espaço.”

chernushkaA primeira Vostok 3A foi lançada com sucesso às 06:28:59,6UTC do dia 9 de Março 1961 e entrou numa órbita de 183,5 km por 248,8 km com uma inclinação de 64,93º. O veículo foi designado Quarto Korabl-Sputnik na imprensa Soviética (O Korabl-Sputnik 4 (00091 1961-008A 1961 Teta 1) foi lançado por um foguetão 8K72K Vostok (E103-14)). Uma pequena esfera pressurizada no veículo espacial transportava o cão Chernushka juntamente com quarenta ratos brancos e quarenta ratos pretos, vários porquinhos da Guiné, répteis, sementes de plantas, amostras de sangue humano, células cancerígenas humanas, microrganismos, bactérias e amostras de fermentação. Ao contrário dos voos anteriores com cães, o assento ejectável estava ocupado por um manequim à escala normal (Ivan Ivanovich) completamente vestido com um fato espacial funcional SK-1 Sokol. Ratos adicionais, além de porquinhos da Guiné, micróbios e outros especímenes biológicos foram colocados no peito, estômago, coxas e outras partes do ‘corpo’ do manequim. Este grande conjunto de animais e plantas foi submetido a intensas experiências biomédicas durante o voo de uma única órbita. Um desenhador não identificado da Vostok revelou mais tarde um aspecto lateral interessante sobre a missão:

O principal propósito era o de garantir a recepção de transmissões de voz (da nave). Rejeitamos uma contagem decrescente numérica, temendo que as estações de rádio Ocidentais pudessem monitorizar a voz humana e levantar o clamor em todo o mundo alegando de que um Russo havia sido secretamente colocado em órbita. Uma música também levantou objecções porque seria dito no Ocidente que o cosmonauta “Russo” havia enlouquecido e começado a cantar! Foi então decidido gravar um coro popular russo Piatnitsky, e quando o manequim, vestido por propósitos de decência com uma blusa branca, de repente começou a cantar, foi muito engraçado.

vosmaketNum ensaio para a exacta sequência de eventos que iriam ocorrer num voo espacial pilotado, o motor de retrotravagem TDU-1 foi accionado no tempo exacto e durante cerca de 42,5 segundos. Quase dez segundos mais tarde, o módulo de instrumentação separou-se do módulo de descida, com este a realizar uma reentrada balística na atmosfera. O manequim foi ejectado com sucesso do módulo de descida após a reentrada, enquanto que a cápsula principal com o cão no interior aterrou separadamente com o auxílio de um pára-quedas. A missão tinha durado apenas uma 1 hora 46 minutos. Os dois objectos da cápsula aterraram a cerca de 260 km a Nordeste de Kuybyshev no meio de um grande campo aberto coberto de neve. Aparentemente houve algum atraso em ter os representantes do OKB-1 junto da cápsula para neutralizar o sistema de auto-destruição. A equipa de salvamento dirigida pelo Tenente General Kamanin escolheu retirar o cão da cápsula antes da chegada do especialista do OKB-1 para assim impedir que o cão congelasse até à morte.

O sucesso inequívoco do Korabl-Sputnik 4 foi uma injecção de moral no programa Vostok, que até então não tinha tido uma missão sem qualquer problema desde Agosto de 1960. A euforia em relação à missão foi, porém, um pouco ofuscada por uma tragédia que atingiu a equipa de cosmonautas da maneira mais inesperada. A 23 de Março, somente dois dias antes do lançamento do último Vostok 3A precursor, o cosmonauta Bondarenko encontrava-se no décimo dia de um exercício de quinze dias na câmara de isolamento nas instalações do Instituto de Aviação e Medicina Espacial em Moscovo. A câmara continha 50% de oxigénio a uma pressão reduzida para simular a atmosfera de um veículo espacial, e era completamente à prova de som para testar os efeitos do isolamento. Após a finalização de alguns testes médicos na conclusão do seu período de isolamento, Bondarenko removeu os sensores que estavam fixados ao seu corpo e com algodão ensopado em álcool, limpou as zonas onde os sensores estavam colocados. Sem olhar, ele atirou o algodão com álcool que acabou por cair no anel de um aquecedor eléctrico que estava ligado. O algodão começou a arder de imediato e a chama tornou-se muito intensa numa atmosfera rica em oxigénio. Ao princípio, em vez de fazer soar o alarme, Bondarenko tentou apagar o fogo por ele próprio, mas o seu fato de treino de lã começou também a arder. O médico de serviço, Mikahil A. Novikov, tentou abrir a porta da câmara mal se apercebeu do incêndio, mas esta operação demorou vários minutos durante os quais Bondarenko ficou completamente queimado. Enquanto era retirado da câmara, repetia constantemente, “Foi culpa minha, não se culpa mais ninguém.”

Bondarenko, Valentin (2)O principal médico do hospital para onde Bondarenko foi transportado referiu mais tarde que “o corpo do cosmonauta estava totalmente sem pele, a cabeça de cabelo, não havia olhos na face – tudo tinha sido queimado. Era uma lesão total do pior grau.” Bondarenko acabou por falecer às 12:00UTC do dia 23 de Março, oito horas após o acidente, de choque resultante das queimaduras. Foi a primeira morte de um treinando espacial na história do programa espacial. Somente com 24 anos de idade e o mais novo da equipa, ele foi enterrado no seu local de nascimento em Kharkov, onde moravam os seus pais. A sua esposa Anya e o seu filho Sasha permaneceram em Zelenyy, recebendo uma pensão especial do estado por ordem directa do Ministro da Defesa Marechal Rodion Ya. Malinovskiy (a ordem foi assinada a 15 de Maio de 1961 e incluía o seguinte: “Fornecer a família do Primeiro-tenente Bondarenko com tudo que necessitar, como benefício da família de um cosmonauta”). As notícias do acidente foram completamente suprimidas no interesse da moral, especialmente considerando que a primeira missão pilotada Vostok estava então prevista para menos de três semanas. Não é claro se algum dos outros cosmonautas foi na altura ou várias semanas de pois informado acerca da tragédia. O acidente ou a existência de Bondarenko só foram revelados em 1986 como parte de uma série de artigos do jornal Izvestia celebrando o 25º aniversário do primeiro voo espacial pilotado.

Os preparativos para a última missão precursora continuaram com a tragédia de Bondarenko na memória de todos. Os seis cosmonautas principais voaram para Baikonur a 17 de Março para testemunhar as operações de pré-lançamento do próximo Korabl-Sputnik, e participar em exercícios de treino de última hora. Os treinandos realizaram uma variedade de testes, incluindo uma sessão de perguntas e respostas com Korolev. Ocorreu um pequeno atraso com o lançamento devido a um problema com o aparelho de comunicações de bordo, mas verificou-se que tal problema não era importante. As operações de lançamento foram também brevemente interrompidas devido a uma avaria num sensor do terceiro estágio do foguetão lançador, e com ordens do Desenhador Chefe Kosberg, os trabalhadores rapidamente substituíram a unidade em falha. Antes do lançamento, os controladores levaram a cabo testes de comunicações entre o centro de controlo perto da plataforma de lançamento e o veículo espacial para simular as condições de uma missão tripulada. Popovich havia sido designado para ser o principal comunicador durante o lançamento, uma posição análoga ao papel de «capcom» no programa espacial dos Estados Unidos.

O veículo espacial, designado Quinto Korabl-Sputnik na imprensa Soviética (o Korabl-Sputnik 5 (00095 1961-009A 1961Iota 1) foi lançado por um foguetão 8K72K Vostok (E103-15)), foi lançado com sucesso às 05:54:00,431UTC do dia 25 de Março, somente dois dias após a morte de Bondarenko. O veículo de 4.695 kg transportava outro grupo de animais e amostras biológicas, zvezdochka 2incluindo o cão Zvezdochka numa missão de uma única órbita. Os parâmetros orbitais eram de 178,1 km por 247 km com uma inclinação de 64,9º, próximo do previsto para um voo pilotado. A missão decorreu sem problemas, bem como todos os procedimentos de reentrada. Tal como aconteceu em várias missões anteriores, a recuperação dos animais e do manequim foi adiada devido ao mau tempo. O módulo de descida e o assento ejectável aterraram no meio de uma forte tempestade de neve, causando dificuldades na localização exacta do ponto de descida. Na altura em que um grupo de engenheiros da Fábrica n.º 918 chegou ao local, já haviam passado 24 horas desde a aterragem. Após viajarem várias horas em trenós puxados a cavalo sobre neve com metro e meio de espessura, o grupo chegou finalmente ao aparelho de descida com o cão, e eventualmente encontraram o manequim numa floresta próxima. As pessoas que viviam na vizinhança do local estavam aparentemente muito desconfiados das equipas de recolha, suspeitando de que pudessem querer fazer algum mal ao ‘homem’ que havia aterrado por pára-quedas. Os aldeões acabaram por se retirar quando lhes mostraram provas conclusivas de que o ‘homem’ era apenas um manequim. O Vice-presidente da Academia de Ciências Aleksandr V. Topchiyev sumarizou os resultados dos cinco bem sucedidos Korabl-Sputnik numa conferência de imprensa em Moscovo a 28 de Março. Presentes não estavam somente jornalistas Soviéticos e estrangeiros, mas também Gagarin, Titov e outros cosmonautas na fila da frente. É claro que ninguém tinha algum conhecimento sobre o facto de algum deles voar no espaço dentro de dias.

A aterragem em segurança do Korabl-Sputnik 5 abriu efectivamente o caminho para o primeiro veículo espacial Vostok pilotado. Para Korolev e Tikhonravov, este seria o ápex das suas longas carreiras no desenvolvimento de foguetões, que havia iniciado trinta anos antes com os amadores do GIRD numa cave em Moscovo. Korolev convidou alguns dos veteranos originais do GIRD para as suas instalações em Kaliningrado em Março de 1961, um mês antes ao primeiro lançamento previsto de uma missão tripulada. Foi uma reunião surpresa para os convidados, pontuada por muita reminiscência, apear de não terem ideia do verdadeiro trabalho de Korolev devido à sua natureza classificada. Perto do final da conversação, Korolev, falando sobre o frutuoso trabalho levado a cabo no GIRD, adicionou que “agora chegamos muito longe!” Convidou então os presentes para uma sala de montagem ali próxima. Nikolay I. Yefremov, um dos veteranos do GIRD, recordou mais tarde esta viagem:

Quando entramos na sala espaçosa e bem equipada, imediatamente vimos o nosso sonho de longa data. Segey Pavlovich (Korolev) apresentou-a, literalmente apresentou-a como se fosse uma coisa viva, o lindo foguetão. A um lado, num pedestal especial, vimos o cockpit do veículo espacial preparado para um voo tripulado. Era o veículo espacial “Vostok”.

Mesmo naqueles dias hécticos em direcção ao primeiro voo Vostok, foi traçada uma ligação entre o trabalho pioneiro dos anos 30 e o programa espacial Soviético dos anos 60. Após trinta anos de postulados e hipóteses, a realidade do voo espacial humano estava a pouco dias de distância.

Por Asif A. Siddiqi. Tradução e edição Rui C. Barbosa

(Continua)