Gagarin – 55º aniversário do primeiro voo espacial tripulado (I)

Gagarin, Yuri

O Boletim Em Órbita publica hoje a primeira parte de um artigo que assinala o 55.º aniversário do primeiro voo espacial tripulado que foi lançado a 12 de Abril de 1961 e que tornou Yuri Gagarin no primeiro ser humano a viajar no espaço.

Gagarin

As discussões sobre o tipo de passageiros que seriam utilizados para as primeiras missões espaciais orbitais tiveram início concorrentemente com o decreto de Janeiro de 1959 relacionado com os preparativos biomédicos para o voo espacial humano. Quatro meses mais tarde, representantes dos militares, do sector científico e dos centros de desenho, encontraram-se nas instalações da Academia das Ciências na supervisão do Vice-presidente Keldysh, para discutir os meios e os standards de selecção de voluntários para as missões espaciais. Os presentes na reunião tiveram em consideração indivíduos provenientes de uma grande variedade de meios profissionais, tais como aviação, na marinha, da indústria de foguetões, e das corridas de automóveis. Foi após a insistência dos médicos da Força Aérea que Keldysh aprovou um plano para estreitar a selecção somente a pilotos qualificados da Força Aérea. Os médicos argumentaram de forma convincente que o treino da Força Aérea, que incluía a exposição à hipoxia, altas pressões, cargas g em vários eixos, e experiência na utilização de assentos ejectáveis, seria relevante para o treino para as missões espaciais. Um outro factor pode também ter afectado a decisão para escolher pilotos. Em Abril de 1959, a NASA seleccionara os seus primeiros astronautas, e todos os sete provinham de uma formação na aviação nas forças armadas norte-americanas.

Na altura a Força Aérea Soviética emitiu um documento, intitulado “Directivas do Corpo Geral para a Selecção de Cosmonautas”, que instruía um Comandante em Chefe Executivo da Força Aérea, Coronel General Filip A. Agaltsov, com os deveres administrativos para levar a cabo a tarefa. O trabalho de Agaltsov foi facilitado pelo facto de que o grupo de medicina espacial no Instituto de Medicina de Aviação da Força Aérea possuir uma longa história de envolvimento na indústria de foguetões. Dirigido pelo ubíquo Tenente-coronel Yazdovskiy, esta equipa desenvolveu requisitos iniciais básicos para os candidatos em coordenação com os engenheiros do OKB-1. Num encontro inicial para discutir estas especificações, o desenhador Chefe Serguey Korolev apresentou as especificações para os candidatos a cosmonautas. Os homens, e somente seriam considerados homens, deveriam ter entre os 25 e os 30 anos de idade, não deveriam ser maiores do que 1,70 a 1,75 metros, e com um peso não superior a 70 a 72 kg – todos os requisitos suficientes para permitir a sua acomodação na pequena cápsula 3KA, a variante tripulada do Objecto K. Korolev foi directo sobre as habilidades destes candidatos:

Tal como foi repetidamente demonstrado nos nossos voos tripulados e naqueles com animais a bordo, a nossa tecnologia é tal que não necessitamos, tal como o projecto Mercury Americano necessita, que os nossos primeiros cosmonautas sejam engenheiros habilidosos. Os astronautas Americanos devem ajudar a controlar os sistemas do foguetão em todas as fases de voo.

Enquanto isto na realidade não era verdade, era uma indicação da profundidade à qual a automatização era um factor intrínseco no programa espacial tripulado Soviética na sua fase inicial. Durante toda a fase de selecção, Korolev repetidamente enfatizou que um dos critérios primários para os pilotos seria a necessidade de levarem a cabo de forma precisa as funções programadas – um requerimento que na verdade deixava os candidatos com muito menos controlo do que teriam ao voar um simples avião. As especificações finais para os futuros cosmonautas foram decididas em Junho de 1959 num documento aprovado por três instituições da Força Aérea – o Instituto de Medicina de Aviação, o Hospital Central de Pesquisa Cientifica de Aviação, e a Comissão Central para a Medicina de Aviação – bem como a Academia de Ciências da URSS e a Academia de Ciências Médicas da URSS.

A equipa de Yazdovskiy no Instituto de Medicina de Aviação, sendo um grande grupo de médicos com uma grande variedade de interesses, havia sido organizada em diferentes departamentos para o processo de selecção, com secções para fisiologia geral, psicologia, sistemas de suporte de vida e higiene, e para a selecção de cosmonautas propriamente dita. Yazdovskiy nomeou Nikolay N. Gurovskiy e Yevgeniy A. Karpov, dois médicos da Força Aérea, para supervisionar o processo de selecção de candidatos. A cada médico no instituto foi atribuída uma especialidade no campo da medicina bioespacial em preparação para as missões pilotadas. Eles eram V. I. Yazdovskiy (chefe), O. G. Gazenko (fisiologia), A. M. Genin e A. D. Seryapin (higiene e sistema de suporte de vida), F. D. Gorbov (psicologia), e N. N. Gurovskiy e Ye. A. Karpov (selecção e preparação dos cosmonautas, que era o Departamento 7 no instituto). Para além do Instituto de Medicina de Aviação da Força Aérea, o Hospital Central de Pesquisa Cientifica de Aviação (TsNIAG) e a Comissão Central para a Medicina de Aviação (TsVLK), estavam também envolvidos nos estágios preliminares de selecção dos cosmonautas.

Grupos de pares de médicos foram então enviados a um determinado número de bases aéreas principais na parte ocidental da União Soviética. Os médicos nas bases foram também consultados sobre o assunto, e por Agosto, o processo de selecção havia começado com inspecções aos registos de mais de 3.000 pilotos. A maior parte foi eliminada numa fase inicial devido a factores como a altura, peso, e historial médico. Factores de exclusão, baseados no último critério, incluíam certas doenças tais como bronquite crónica, angina, predisposição para gastrite e colite, cólica renal e hepática, e alterações patológicas na actividade cardíaca. Os pilotos restantes foram então entrevistados, iniciando-se este processo a 3 de Setembro, com questões sobre a sua saúde, objectivos, modos, trabalho, e qualidade de vida. Mesmo neste ponto, nenhum dos voluntários estava ciente da natureza da missão, que foi disfarçada sobre o eufemismo de ‘voos especiais’. Mais tarde, Gurovskiy referia:

A conversação (com os pilotos) nada tinha a ver seja de que forma, com o espaço. Alguns oficiais não tinham ideia pelo que tínhamos vindo, enquanto que outros, pelo contrário, aperceberam-se imediatamente e pediram autorização para consultar com as suas famílias. Tivemos de proibir isto de forma absoluta, era um projecto novo ultra-secreto, e o prospecto tinha de tomar a sua própria decisão, sem ajuda exterior.

Pouco mais de 200 indivíduos passaram a fase inicial de selecção e foram então enviados em grupos de vinte para mais testes no Hospital Central de Pesquisa Cientifica de Aviação em Moscovo. Os testes ao abrigo do programa “Tema n.º 6” tiveram início formalmente a 3 de Outubro. Muitos abandonaram a corrida neste ponto à medida que a resiliência e a vontade dos jovens pilotos cedida perante os testes extremamente exigentes e rigorosos. Para além de novas entrevistas, ocorreram um sem número de testes físicos. Num destes os pilotos eram colocados em cadeiras estacionárias rotativas para testar o aparato vestibular. Um outro sujeitava os voluntários a baixas pressões numa câmara barométrica. Um terceiro teste consistia numa centrifugadora clássica para testar as cargas gravíticas. Parecia que os planos originais previa um pequeno grupo de sete ou oito pilotos, mas Korolev insistiu em triplicar este número porque ele queria um grupo muito maior do que a equipa de astronautas da NASA. Em finais de 1959, uma equipa de médicos aprovou vinte homens para servirem como candidatos para a primeira equipa de cosmonautas (A comissão de selecção incluía V. I. Yazdovskiy, N. N. Gurovskiy, Ye. A. Karpov e F. D. Gorbov do Instituto de Medicina de Aviação e K. F. Borodin, I. I. Bryanov, Ye. A. Fedorov e M. D. Vyadro do TsNIAG e do TsVLK.). Estes foram instruídos para regressarem às suas unidades e aguardarem novas ordens.

A 11 de Janeiro de 1960, o Comandante em Chefe da Força Aérea Soviética, Marechal Konstantin A. Vershinin assinava formalmente os planos para o estabelecimento de um centro dedicado exclusivamente para o treino dos cosmonautas para os voos pilotados que se seguiriam. A directiva apontava para a utilização de um velho edifício de dois andares situado nas instalações do campo de Aviação Central de M. V. Frunze em Leninskiy Prospect, Moscovo. Institucionalmente, o novo centro, oficialmente denominado Centro de Treino de Cosmonautas (TsPK), estava subordinado ao Instituto de Medicina de Aviação da Força Aérea. Karpov, de 38 anos de idade, que havia estado envolvido na selecção dos cosmonautas, foi nomeado o primeiro Director do TsPK por uma ordem oficial de 24 de Fevereiro (A equipa de Karpov era constituída pelos oficiais da Força Aérea N. F. Nikersayov (trabalho político), Ye. Ye. Tselikin (director do treino de voo), V. V. Kovalev (dirigente da secção de treino) e A. I. Susuyev (director da secção logística). A verdadeira designação do TsPK era a ‘Unidade Militar nº 26266).

A equipa inicial nas instalações era composta por cerca de 250 pessoas. Apesar do novo centro estar sobre o controlo de médicos, a Equipa Geral da Força Aérea exercia uma supervisão total de todos os assuntos dos cosmonautas através de um oficial de alta patente que se tornou numa das personalidades mais proeminente na história do programa espacial Soviético, Nikolay Petrovich Kamanin.

KamaninTenente General na Força Aérea Soviética, Kamanin era bem conhecido da população Soviética mesmo antes da existência do programa espacial. Como piloto de 25 anos de idade em Fevereiro de 1934, participou numa missão de salvamento arriscada no Árctico para salvar os tripulantes do navio Chelyushkin, que estava preso no gelo flutuante. Por este acto em particular, Kamanin teve a distinção de ser o primeiro cidadão Soviético a ser agraciado com o título de ‘Herói da União Soviética’, uma honra reservada para os grandes actos de bravura. Em finais dos anos 50, Kamanin estava a servir como presidente adjunto de uma organização de jovens voluntários dedicada ao treino de rapazes e raparigas para serviços futuros nas forças armadas. Claramente, a sua estatura como um aviador público famoso foi crucial na sua nomeação dado que parece não ter estado envolvido em qualquer projecto militar significativo de alta prioridade em toda a sua carreira. Foi substituído nas suas funções naquela altura e oficialmente designado Chefe Adjunto do Corpo Geral da Força Aérea para as Preparações para Combate. As suas funções incluíam a supervisão da selecção, treino, e administração dos novos cosmonautas e relatava directamente ao alto comando da Força Aérea, incluindo o Comandante em Chefe Marechal Vershinin (Kamanin reportava nominalmente a quatro oficiais da Força Aérea: o seu superior imediato o Chefe do Corpo Geral da Força Aérea Coronel General P. I. Brayko, o Comandante em Chefe Adjunto da Força Aérea Coronel General F. A. Agaltsov, Primeiro Adjunto da Força Aérea Comandante em Chefe Marechal S. I. Rudenko, e Vershinin). Apesar do júnior Karpov dirigir oficialmente o Centro de Treino de Cosmonautas, era efectivamente Kamanin, de 51 anos de idade, que controlava as suas actividades mais importantes. Nos anos seguintes, nenhum cosmonauta Soviético seria lançado no espaço sem a sua «bênção».

Por Asif A. Siddiqi. Tradução e edição Rui C. Barbosa

(Continua)