Uma bolha gigante em torno do centro da Via Láctea mostra que há seis milhões de anos atrás o buraco negro supermassivo da nossa Galáxia estava em chamas com uma energia furiosa. Ela também emite uma luz sobre o esconderijo da chamada matéria “em falta” da Galáxia.
Enquanto a misteriosa matéria escura agarra a maioria das primeiras páginas de jornal, os astrónomos sabem que ainda lhes falta encontrar toda a matéria normal da Galáxia, denominada bariónica. Isso agora mudou, graças ao trabalho do observatório de raios-X da ESA XMM-Newton.
Uma análise detalhada das observações de arquivo mostrou que há uma grande quantidade de matéria bariónica espalhado pela Galáxia. O XMM-Newton encontrou-a na forma de gás a uma temperatura de um milhão de graus que permeia tanto o disco da Galáxia, onde a maioria das estrelas se encontram, e um volume esférico que rodeia toda a Galáxia.
A nuvem esférica é vasta. Considerando que o Sol está apenas a 26 000 anos-luz do centro da Galáxia, a nuvem estende-se a uma distância de pelo menos 200 000 – 650 000 anos-luz.
Fabrizio Nicastro, do Instituto Nacional de Astrofísica, Observatório Astronómico de Roma, Itália, e seus colegas foram no rastro dos bários perdidos há mais de 15 anos. A sua mais recente descoberta com XMM-Newton mostra que há suficiente gás quente, a milhões de graus, na Galáxia para explicar isto tudo.
Permaneceu despercebido por tanto tempo porque não emite luz visível. Em vez disso, os astrónomos descobriram-no porque o oxigénio na nuvem absorveu os raios X em comprimentos de onda muito específicos de luz a ser emitida por objetos celestes mais distantes.
E esta não foi a única descoberta para a equipa à espera nos dados. Quando chegou a altura de modelar os dados com simulações de computador, para compreender a maneira pela qual o gás foi distribuído ao redor da galáxia, a equipa não obteve a resposta de que estava à espera.
“De acordo com a física gravitacional simples, espera-se que a densidade do gás diminua a partir do centro para fora”, diz Nicastro. Neste quadro, a densidade do gás atingiria o seu pico no centro da Galáxia e seria menor nas arestas exteriores. Mas havia um problema. “Passei três meses a tentar combinar os dados com esse modelo e simplesmente não conseguia”, diz Nicastro.
Depois de tentar tudo, ele mudou a densidade pico para fora do centro da Galáxia. A uma distância de cerca de 20 000 anos-luz do centro da galáxia o modelo encaixava melhor. Foi intrigante o porquê de isto melhorar as coisas até se lembrar que esta distância é também o tamanho de dois grandes “balões” de raios gama encontrados em 2010 pelo observatório de raios-gama Fermi, da NASA, que se estendem dezenas de milhares de anos-luz acima e abaixo o centro de nossa Galáxia.
Então Nicastro construiu um modelo de densidade diferente, no qual havia uma bolha central de gás de baixa densidade que se estende para o exterior a 20 000 anos-luz. Quando ele aplicou esse modelo nos seus dados de raios-X, descobriu que se encaixava perfeitamente.
“Isso foi inesperado e ao mesmo tempo muito emocionante”, diz Nicastro. Isso significa que algo empurrou o gás para fora do centro da galáxia, criando uma bolha gigante.
Os astrónomos sabem que existe um buraco negro supermassivo no centro da nossa Galáxia. Encontra-se no silêncio e escuridão nos dias de hoje, mas a bolha indica que há seis milhões de anos atrás as coisas eram muito diferentes.
O buraco negro supermassivo estava a despedaçar estrelas e nuvens de gás e a engolir o conteúdo. No caminho para a aniquilação, a matéria condenada estava a aquecer e a libertar grandes quantidades de energia que abria caminho através do halo de gás, abrindo a bolha.
Quando os astrónomos olham para o universo mais amplo, veem que uma pequena percentagem de galáxias contém um núcleo extremamente brilhante. Estes núcleos são denominados núcleos ativos de galáxias, e como resultado deste estudo, os astrónomos sabem agora que a nossa Via Láctea teve alguma vez um deles.
Seis milhões de anos mais tarde, a onda de choque criada por esta atividade atravessou 20 000 anos-luz no espaço, criando a bolha que o XMM-Newton observou. Entretanto, o buraco negro supermassivo ficou sem ‘alimento’ nas proximidades, ficando tranquilo novamente.
“Penso que a evidência da Via Láctea ter sido mais ativa no passado é agora forte”, diz Nicastro.
“Demos um grande passo em frente com este resultado”, diz Norbert Schartel, Cientista do Projeto da ESA para XMM-Newton. “Isso significa que a próxima geração de telescópios de raios-X, tais como a missão ATHENA da ESA, terá muito o que estudar após o seu lançamento em 2028.”
Notícia e imagem: ESA