O historiador espacial Nikolai Belakovski escreveu em 2016 um artigo sobre a épica missão da Soyuz T-13 e o fantástico salvamento da estação espacial Salyut-7. O artigo de Belakovski, com o título “The little-known Soviet mission to rescue a dead space station“, conta-nos os factos que levaram aos problemas a bordo da Salyut-7 e a missão que foi levada a cabo para salvar a estação espacial.
O Boletim Em Órbita, no seu nº 52 numa edição especial, relata todo o programa espacial soviético relacionado com a ocupação da estação espacial Salyut-7. O texto a seguir é um excerto desse longo artigo escrito por Rui C. Barbosa, e que nos relata também a magnífica e épica missão levada a cabo por Vladimir Dzhanibekov e Viktor Savinykh que tripularam a Soyuz T-13 numa missão de salvamento da Salyut-7.
O salvamento da Salyut-7
A União Soviética encontrava-se já a preparar a sua estação espacial da terceira geração quando os três cosmonautas da missão Soyuz T-10 aterraram nas estepes do Cazaquistão. A utilização da Salyut-7 aproximava-se do seu fim, mas o plano de voo para os anos de 1985 e 1986 era ambicioso. As futuras tripulações para a Salyut-7 são designadas a 1 de Setembro de 1984 e nomeadas pouco tempo depois. A nomeação de uma tripulação totalmente feminina tem lugar a Dezembro de 1984.
No início de 1985 a Salyut-7 encontrava-se em bom estado com os seus sistemas a funcionarem normalmente de forma autónoma. Nesta fase os programas espaciais das duas potências espaciais pareciam apontar para caminhos distintos. Os Estados Unidos viam-se abraços com o programa do vaivém espacial que quatro anos após o seu início ainda se encontrava longe da meta que fora prometida pela NASA. Apesar de 1985 vir a ser o ano que registaria o maior número de voos dos vaivéns espaciais, a pressão sobre o sistema iria atingir o seu ponto de ruptura em Janeiro de 1986 com o sacrifício de sete vidas e a perda de um veículo. O programa espacial soviético apontava, pelo menos de forma aparente, para Marte com a permanência cada vez mais longa dos cosmonautas soviéticos nas suas estações espaciais. No entanto, o cenário de normalidade iria mudar de uma forma que ninguém esperava e 1985 iria assistir a uma das missões mais empolgantes de sempre.
O registo telemétrico proveniente da Salyut-7 era perdido a 11 de Fevereiro de 1985. A Salyut-7 encontrava-se à deriva em órbita e o controlo terrestre não conseguia controlar o veículo. Da mesma forma com o sistema Igla incapaz de detectar o sinal de um veículo a se aproximar da estação, era impossível proceder a uma acoplagem com a Salyut-7 de forma a proporcionar um sistema independente de estabilização da estação para permitir que uma tripulação pudesse entrar na estação e proceder à sua reparação. A Salyut-7 parecia próxima do seu fim e assim indicavam os comunicados emitidos pelos soviéticos no princípio do mês de Março de 1985. No entanto, e após o esforço que havia sido despendido anteriormente em reparar a estação, foi decidido não abandonar a Salyut-7 e foi programada mais uma missão de reparação da estação. Esta seria a derradeira tentativa de salvar a Salyut-7 e evitar que tivesse uma reentrada atmosférica completamente descontrolada como havia acontecido com a estação espacial americana Skylab a 11 de Julho de 1979.
A tarefa de acoplar com a Salyut-7 teria de ser levada a cabo por uma tripulação única no programa espacial soviético. A selecção do Engenheiro de Voo foi relativamente simples com a nomeação do cosmonauta Viktor P. Savinykh. A nomeação do Comandante seria algo de mais complicado pois era necessário um cosmonauta com experiência a nível da acoplagem manual. Existiam três candidatos para o lugar: Yuri Vasilievich Malyshev, Vladimir Alexandrovich Dzhanibekov e Leonid Denisovich Kizim. Kizim encontrava-se na fase de reabilitação após a sua missão de longa duração e não se encontrava em condições de suportar outra missão do mesmo tipo e que se previa muito cansativa. O cosmonauta Yuri Malyshev não havia recebido treino para missões de longa duração e não havia tempo para que pudesse receber esse treino. Finalmente Dzhanibekov enfrentava as objecções dos médicos que afirmavam não estar apto fisicamente para um voo de longa duração, estando no entanto sujeito a inspecção médica. A 21 de Fevereiro tem início o treino de uma tripulação constituída pelos cosmonautas Anatoli Nikolaievich Berezovoi e Viktor Petrovich Savinykh, no entanto dois dias após o início do treino os médicos notaram que Berezovoi não estava apto para uma missão de longa duração e foi decidido nomear uma nova tripulação que seria constituída por Vladimir Afanasyevich Lyakhov e Viktor P. Savinykh. Porém, esta tripulação sofreu do mesmo mal que a tripulação anterior, sendo mais uma vez decidido nomear como novo Comandante Leonid Ivanovich Popov.
A 18 de Março de 1985 Vladimir Dzhanibekov é autorizado pelos médicos a levar a cabo uma missão não superior a 100 dias e é então decidido substituir Leonid Popov por este cosmonauta que realizaria a primeira parte da missão de longa duração EO-4. Após a criação da nova tripulação foi decidido alterar os planos de voo para a Salyut-7. A missão EP-5 (totalmente feminina) permanece no plano de voo, mas a missão EO-5 é cancelada devido ao facto de não existirem disponíveis veículos Soyuz T para a sua realização. Com a nomeação de uma nova tripulação, Georgi Grechko ficou com a função de viajar até à Salyut-7 para inspeccionar os trabalhos que seriam entretanto realizados na sua reparação. No final desta missão dar-se-ia a primeira troca parcial de tripulações com Grechko a regressar à Terra juntamente com Dzhanibekov.
Assim, as novas tripulações seriam constituídas pelos cosmonautas Vladimir Vladimirovich Vasyutin e Alexander Alexandrovich Volkov (segunda fase da ocupação EO-4), tendo como tripulação suplente Alexander Stepanovich Viktorenko e Yevgeni Vladimirovich Salei.
Às 0639:51,932UTC do dia 6 de Junho é colocada em órbita a cápsula 7K-ST nº 19L que recebe a designação de Soyuz T-13 (15804 1985-043A). O lançamento é levado a cabo por um foguetão 11A511U2 Soyuz-U2 (B15000-008) a partir do Complexo de Lançamento LC1/1 do Cosmódromo NIIP-5 Baikonur. A Soyuz T-13 é colocada numa órbita inicial com um apogeu a 222 km de altitude e um perigeu a 198 km de altitude.
O voo de aproximação até à Salyut-7 tem uma duração de dois dias para se conseguir uma maior poupança a nível de combustível que seria necessário para as manobras de acoplagem. A aproximação final é levada a cabo sem o auxílio do sistema Igla, mas a missão Soyuz T-8 já havia provado que era possível se proceder a uma aproximação à estação de forma manual. Com a poupança de combustível foi possível ao controlo terrestre programar com maior precisão os parâmetros orbitais de aproximação da Soyuz T-13 e por outro lado, uma grande parte do treino da tripulação foi dedicado a esta manobra importante.
A bordo da Soyuz T-13 seguiam os cosmonautas Vladimir Alexandrovich Dzhanibekov e Viktor Petrovich Savinykh . A tripulação escolhe o nome de código ‘Pamir’ e tem como tripulação suplente os cosmonautas Leonid Ivanovich Popov e Alexander Pavlovich Alexandrov.
Acoplagem e entrada na Salyut-7
A Soyuz T-13 estava equipada com instrumentação adicional para facilitar a aproximação e acoplagem com a Salyut-7. Os cosmonautas tiveram o primeiro vislumbre da estação a uma distância de quase 10.000 metros. Dzhanibekov encontrava-se aos comandos da Soyuz T-13 e à medida que a estação ia crescendo em tamanho, observava cuidadosamente o seu exterior.
A estação encontrava-se com uma ligeira rotação de 0,3.º/s, que felizmente era perfeitamente possível igualar com o sistema de orientação da Soyuz T-13. Este sistema de orientação havia sido modificado para incluir comandos que permitissem uma aproximação mais cuidadosa e manobra de estabilização em relação à estação. Os dois homens relatavam que a estação não era um corpo errante em órbita mas que os seus painéis solares já não seguiam o movimento do Sol, encontrando-se desfasados em 75.º. Isto indicava uma falha no abastecimento de energia (o que eliminava a hipótese de ter havido uma falha nas comunicações com a estação). A estação não respondia aos sinais enviados pela Soyuz T-13, confirmando assim a falha energética.
A aproximação final foi levada a cabo com o auxílio de um intensificador de baixa luminosidade que permitiu aos cosmonautas distinguir o perfil da estação contra o fundo terrestre. Tendo uma ideia da orientação e posição da Salyut-7, os dois homens utilizaram também um dispositivo laser para determinar a distância e a velocidade de aproximação entre os dois veículos. Enquanto que Dzhanibekov controlava o alinhamento e a velocidade de aproximação entre a Soyuz T-13 e a Salyut-7, Savinykh referia as distâncias entre ambos e introduzia os dados no computador de bordo da Soyuz. Os dois veículos aproximaram-se a uma distância de 200 metros mantendo-se assim por alguns minutos para permitir aos cosmonautas e ao controlo da missão rever os dados antes da acoplagem. Após receber permissão do controlo da missão, a Soyuz T-13 manobrou em torno da Salyut-7 e alinhou-se com o porto de acoplagem frontal. A Soyuz T-13 entrava então numa ligeira rotação igual à da Salyut-7 e a acoplagem dava-se às 0850UTC do dia 8 de Junho quando os dois veículos se encontravam numa órbita com um apogeu a 359 km de altitude e um perigeu a 356 km de altitude.
Após se verificar a integridade da ligação entre os dois veículos os dois cosmonautas tiveram de se certificar da existência de ar no interior da estação e verificar a sua qualidade. Sem energia eléctrica não havia outra maneira de verificar senão abrir uma válvula de ligação entre os dois veículos e equalizar as pressões. Os cosmonautas verificaram assim que existia ar na Salyut-7, no entanto para testar a sua qualidade teriam de abrir a escotilha de acesso à estação e recolher uma amostra. Felizmente para ambos não foram registados quaisquer elementos tóxicos.
O ar no interior da Salyut-7 encontrava-se gelado (-10ºC) e partículas de gelo cresciam nas paredes da estação. Os dois homens envergaram roupas quentes nos primeiros dias de reparação da estação e dormiam no interior da Soyuz T-13. Uma das primeiras tarefas para os dois cosmonautas foi restabelecerem a energia eléctrica. Todas as oito baterias da Salyut-7 estavam sem energia e duas estavam mesmo inutilizáveis. Posteriormente Dzhanibekov determinou que a falha num sensor no sistema de orientação dos painéis solares levara a que fosse impossível recarregar as baterias. Este problema não foi detectado pelo controlo da missão devido a uma problema no sistema de telemetria. A incapacidade de recarregar as baterias levou a que a estação fosse consumindo a energia armazenada, desligando todos os seus sistemas e o contacto com a Terra.
A Soyuz T-13 foi utilizada para orientar os painéis solares da estação e a 10 de Junho os aquecedores do ar foram activados. O sistema de regeneração de ar da Soyuz T-13 foi utilizado para regenerar a atmosfera da estação até à altura em que o sistema da Salyut-7 foi activado. A 13 de Junho era reactivado o sistema de controlo de atitude. O sistema de aquecimento das paredes da estação só foi activado quando toda condensação se evaporou para evitar que a água pudesse entrar na instrumentação da Salyut-7. Em finais de Julho a humidade atmosférica da estação era normal.
Com o sistema de orientação de atitude já funcional era possível enviar um cargueiro para a Salyut-7. Assim, às 0039:40,857UTC do dia 21 de Junho de 1985 dá-se o lançamento do cargueiro Progress 7K-TG nº 125, que receberia a designação Progress-24 (15838 1985-051A) após entrar em órbita terrestre, tem com um peso de 7.020 kg e é colocado numa órbita inicial com um apogeu de 240 km de altitude e um perigeu de 190 km de altitude. O lançamento é levado a cabo por um foguetão 11A511U Soyuz-U (Sh15000-417) a partir do Complexo de Lançamentos LC1/1 do Cosmódromo NIIP-5 Baikonur. A acoplagem do cargueiro Progress-24 com a Salyut-7 (porto posterior) tem lugar às 0254UTC do dia 23 de Junho quando os dois veículos se encontram numa órbita com um apogeu de 360 km de altitude e um perigeu de 354 km de altitude. Tal como nas missões anteriores, o Progress-24 transporta mantimentos e carga variada para os três cosmonautas tais como água, ar, oxigénio, propolente, alimentos, roupa, experiências, etc. O cargueiro permanece acoplado à Salyut-7 até às 1228UTC do dia 15 de Julho altura em que se dá a separação (após permanecer acoplado durante 22 dias 9 horas e 36 minutos e realizando um total de 2 dias 12 horas 14 minutos e 24 segundos). A manobra de reentrada é iniciada às 2234UTC e a reentrada atmosférica acontece às 2310UTC.
O seguinte lançamento orbital em direcção à Salyut-7 ocorre às 1305:07,84UTC do dia 19 de Julho. O cargueiro Progress 7K-TG nº 126 tem com um peso de 7.020 kg e é colocado numa órbita inicial com um apogeu de 246 km de altitude e um perigeu de 188 km de altitude. O lançamento é levado a cabo por um foguetão 11A511U Soyuz-U (B15000-446) a partir do Complexo de Lançamentos LC1 (17P32-5) do Cosmódromo NIIP-5 Baikonur.
Ao contrário do que seria de esperar, a este cargueiro não foi atribuída a designação na série Progress devido a um problema que originou a perda de controlo do veículo no início da missão, sendo-lha atribuída a designação Cosmos 1669 (15918 1985-062A). A acoplagem do Cosmos 1669 com a Salyut-7 (porto posterior) tem lugar às 1503UTC do dia 21 de Julho quando os dois veículos se encontram numa órbita com um apogeu de 358 km de altitude e um perigeu de 354 km de altitude. Este veículo será o último cargueiro que tem por destino a estação Salyut-7 e está já equipado com algumas alterações para o programa de voos à estação espacial Mir.
A 2 de Agosto (0846UTC) os dois cosmonautas realizaram uma saída para o exterior da estação para adicionarem o terceiro e último par de painéis solares. Os dois cosmonautas envergaram novos fatos extraveículares semi-rígidos que haviam sido transportados para a estação pelo cargueiro Progress-24. No total Dzhanibekov e Savinykh passaram 5 horas no exterior da Salyut-7 regressando ao seu interior às 1346UTC
Às 2151UTC do dia 28 de Agosto o Cosmos 1669 separava-se pela segunda vez da Salyut-7 (uma primeira separação havia já acontecido minutos antes para testar a fiabilidade do sistema de acoplagem) e iniciava um voo independente até às 0120UTC do dia 30 de Agosto, altura em que activa os seus motores para dar início à manobra de reentrada atmosférica que acontece às 0205UTC. No total o Cosmos 1669 permaneceu acoplado à Salyut-7 durante 38 dias 6 horas 43 minutos e 12 segundos, levando a cabo um total de 3 dias 5 horas 31 minutos e 12 segundos de voo livre.
Com a estação totalmente reactivada e com energia suficiente para poder levar a cabo as experiências militares programadas, estava na altura de se proceder a mais um lançamento tripulado para a estação