Sonda Solar pronta para a ciência apesar dos contratempos da COVID-19

A Sonda Solar da ESA concluiu com êxito quatro meses de verificação técnica minuciosa, conhecida como comissionamento. Apesar dos desafios impostos pela pandemia da COVID-19, a sonda está agora pronta para começar a realizar ciência enquanto continua a sua viagem em direcção ao Sol.

Quando a Sonda Solar decolou para o espaço num foguetão Atlas V, a partir do Cabo Canaveral, Florida, no dia 10 de Fevereiro, as equipas por trás da missão de 1,5 mil milhões de euros não previram que, em apenas algumas semanas, a expansão da COVID-19 os expulsaria da sua sala de controlo de alta tecnologia, dificultando ainda mais o difícil processo de comissionar os instrumentos da sonda.

Em circunstâncias normais, muitos dos cientistas e engenheiros do projecto reunir-se-iam no Centro Europeu de Operações Espaciais (ESOC) em Darmstadt, Alemanha. Juntos, teriam trabalhado em estreita cooperação com os operadores da aeronave, para accionar a aeronave e os seus instrumentos.

Isto aconteceu mais ou menos como habitualmente durante as primeiras semanas mais desafiadoras da existência em órbita da Sonda Solar, mas quando as equipas dos instrumentos foram convidadas para o ESOC, em Março, a situação na Europa estava a mudar rapidamente.

Cada uma das dez equipas de instrumentos necessitava de muitos representantes no local. Dois ou três de cada equipa foram permitidos numa sala de controlo dedicada à Sonda Solar. “Os outros representantes trabalharam numa área de apoio específica,” diz Sylvain Lodiot, Gerente de operações da nave espacial Sonda Solar da ESA. Não era incomum ter 15 ou mais pessoas na sala de controlo principal a trabalhar também. Mas no espaço de uma semana, ficou claro que os países europeus estavam a entrar em confinamento e, portanto, as equipas externas foram convidadas a voltar para casa.

A equipa italo-alemã-checa por trás do coronógrafo METIS, um instrumento que mede as emissões visíveis, ultravioleta e ultravioleta extrema da coroa solar em resolução temporal e espacial sem precedentes, estava a preparar-se para ligar o instrumento pela primeira vez quando foi tomada a decisão de que as pessoas das zonas mais afectadas pelo coronavírus, nas regiões italianas de Piemonte e Lombardia, não podiam mais entrar no ESOC por razões de segurança.

Tivemos dificuldade em reorganizar as habilidades da equipa em tempo real com aqueles que podiam entrar,” diz Marco Romoli, investigador principal do METIS. “E graças ao pessoal do ESOC e aos nervos constantes dos presentes, conseguimos concluir a actividade com sucesso.”

A situação tornou-se ainda mais grave quando vários funcionários do ESOC deram positivo para o vírus e o local foi efectivamente fechado.

Confinamento devido à COVID

O investigador principal do SWA, Chris Owen, transforma o quarto do seu filho de dois anos numa sala de controlo improvisada
O investigador principal do SWA, Chris Owen, transforma o quarto do seu filho de dois anos numa sala de controlo improvisada

Tivemos que proteger as pessoas,” diz Sylvain, cuja última tarefa antes de voltar para casa era desligar todos os instrumentos da Sonda Solar. “Foi horrível porque não sabia quando esses instrumentos se voltariam a ligar,” diz ele.

No caso, foi apenas cerca de uma semana depois que uma equipa mínima voltou e, com medidas completas de distanciamento social, começou a trabalhar remotamente com as equipas de instrumentos para concluir o comissionamento.

Uma das equipas dos instrumentos mais afectada foi a equipa do Analisador do Vento Solar (SWA, Solar Wind Analyzer). O vento solar, que é constantemente libertado do Sol, é composto de uma mistura de partículas electricamente carregadas chamadas iões e electrões. O instrumento SWA compreende três sensores diferentes para medir os fluxos e a composição dessas várias populações de partículas. Cada sensor opera como uma espécie de ‘periscópio eléctrico’ que usa altas tensões, até 30 quilovolts num caso, de modo a desviar as partículas de vento solar para o detector.

Para operar essas altas tensões com segurança, a equipa planeou não ligar o instrumento até pelo menos um mês após o lançamento. Isto foi planeado para que nenhum vestígio da atmosfera da Terra permanecesse dentro dos sensores SWA. Se houvesse, essas altas tensões poderiam causar faísca e danificar os sensores.

O processo de activação de cada um dos detectores SWA é longo, porque cada subsistema de alta tensão deve ser ligado em etapas de apenas 20 ou 50 volts de cada vez. Após cada incremento, o instrumento é verificado para garantir que nada de mal aconteceu.

Quando o investigador principal da SWA, Christopher Owen, do Laboratório de Ciências Espaciais de Mullard, University College London (MSSL/UCL), deixou a Alemanha, ele e a sua equipa começaram a fazer planos para comissionar o instrumento no seu laboratório no Reino Unido. Mas então o Reino Unido anunciou o confinamento, o que significou uma mudança para trabalhar a partir de casa para quase toda a gente.

Quando saí do laboratório, levei alguns computadores portáteis e quatro monitores para casa. Depois “desalojei” o meu filho de dois anos do seu quarto e coloquei lá tudo,” diz Christopher. E desse centro de controlo temporário, depois que o ESOC voltou ao trabalho, trabalhou remotamente com a restante equipa do SWA e a equipa mínima em Darmstadt para que o instrumento fosse comissionado.

Tínhamos sérias dúvidas sobre se poderíamos trabalhar assim,” diz Sylvain sobre o processo em geral, “mas adaptamo-nos e, no final, funcionou muito bem porque toda a equipa se conhecia muito bem.”

Tudo a postos para a ciência

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No dia 15 de Junho de 2020, a Sonda Solar fez a sua primeira aproximação ao Sol, chegando a 77 milhões de quilómetros da superfície da estrela

As outras equipas de instrumentos também concluíram com êxito o seu comissionamento. “Esta é, sem dúvida, a primeira missão cujos instrumentos foram completamente comissionados nas casas das pessoas,” diz David Berghmans, do Observatório Real Belga, Bruxelas, Bélgica, e investigador principal do Gerador de Imagens de Ultravioleta Extremo (EUI, Extreme Ultraviolet Imager).

Não só o trabalho foi realizado, mas compensaram o tempo perdido e conseguiram concluir o comissionamento na linha de tempo original. “Mesmo num mundo normal, eu ficaria muito feliz de estar agora onde estamos,” diz Daniel Müller, cientista do projecto Sonda Solar da ESA, “nunca esperei que quase tudo funcionasse perfeitamente.”

Este é o testemunho da experiência com a qual a sonda foi feita pelo contratante principal Airbus DS (Reino Unido) e os seus instrumentos foram fabricados pelas várias equipas de instrumentos. No dia 25 de Junho, o Conselho de Revisão da Sonda Solar endossou esta conquista declarando bem-sucedida a Revisão dos Resultados de Comissionamento da Missão.

Para César García Marirrodriga, Director do Projecto Sonda Solar da ESA, foi um grande momento porque, com o comissionamento concluído, o seu trabalho está concluído e entrega a aeronave ao Director de operações da missão. “Estou muito feliz por entregá-la, porque sei que vai na direcção certa,” diz César.

E para Daniel, também é um grande momento, porque agora a missão está pronta para realizar a ciência. “Nestes quatro meses desde o lançamento, os 10 instrumentos a bordo foram cuidadosamente verificados e calibrados um por um, é como afinar instrumentos musicais individuais. E agora é a hora de actuarem em conjunto,” diz ele.

janela de análise por detecção remota deste mês, de 17 a 22 de Junho, foi a primeira oportunidade de todos os instrumentos tocarem juntos. A recepção das gravações da aeronave, actualmente a mais de 160 milhões de quilómetros, será concluída nos próximos dias.

“Estamos muito empolgados com esta primeira “actuação”. Pela primeira vez, poderemos reunir as imagens de todos os nossos telescópios e ver como recolhem dados complementares das várias partes do Sol, incluindo a superfície; a atmosfera externa, ou coroa; e a heliosfera mais ampla ao seu redor. Foi para isto que a missão foi construída,” diz Daniel. Estas primeiras imagens serão divulgadas ao público em meados de julgo.

100 dias em dados

A equipa por trás do magnetómetro da Sonda Solar numa reunião do Zoom, durante a execução de experiências no instrumento durante o confinamento devido à COVID-19.
A equipa por trás do magnetómetro da Sonda Solar numa reunião do Zoom, durante a execução de experiências no instrumento durante o confinamento devido à COVID-19.

Outros instrumentos já estão também a recolher dados. No caso do magnetómetro (MAG), este foi ligado pela primeira vez apenas um dia após o lançamento. “Tivemos pouco menos de 100 dias em dados durante o período de comissionamento, e são dados maravilhosos,” diz Helen O’Brien, do Imperial College e engenheira-chefe do MAG.

MAG foi ligado cedo para que pudesse fazer leituras enquanto era levado para fora da aeronave, à medida que o seu braço foi accionado. “O instrumento comportou-se lindamente. Foi maravilhoso ver o campo decair à medida que nos afastávamos da aeronave,” diz Helen.

Estes dados permitirão que a equipa entenda o campo magnético que está a ser gerado pela própria aeronave, para que agora possam removê-lo dos seus dados científicos para deixar apenas o campo magnético ser levado para o espaço, longe do Sol. E já existem muitos dados. A equipa já tem mais de dois mil milhões de medições científicas para analisar. “Os dados são excelentes, muito, muito bons, por isso estamos muito felizes,” diz Tim Horbury, Imperial College, Reino Unido, e principal investigador do instrumento.

A missão continua agora a caminho do sol. Durante esta fase de cruzeiro, os instrumentos in situ da sonda irão recolher dados científicos sobre o ambiente ao redor da sonda, enquanto os instrumentos de detecção remota serão aperfeiçoados pelas equipas, em preparação para operações científicas nas proximidades do Sol. A fase de cruzeiro dura até Novembro de 2021, após a qual a Sonda Solar começará a fase científica da sua missão.

Notícia e imagens: ESA

Texto corrigido para Língua Portuguesa pré-AO90