O dia 24 de Outubro assinala o aniversário de um dos piores acidentes na história espacial. Não estando directamente relacionado com o voo espacial, o que ficou conhecido como “Desastre de Nedellin” mostrou o perigo de se lidar com uma tecnologia nova que mais tarde seria implementada no desenvolvimento de lançadores espaciais. O acidente ocorreu no Cosmódromo de Baikonur, na sua Área 37, que hoje é um memorial silencioso às suas vítimas.
A Área 37 era local de reparações e manutenção do Cosmódromo, além de ser um local de montagem e armazenamento de cargas orbitais. O edifício MIK-38 e a área de controlo para o míssil balístico R-16, ocupavam a Área 38, juntamente com uma zona de defesa antiaérea. Não muito longe encontravam-se as duas plataformas de lançamento para o míssil R-16 (Área 41 com as plataformas PU-3 e PU-4). Este complexo foi construído em 1959 e em 1964 foi considerado para testes do míssil balístico R-26, sendo posteriormente reformuladas para serem utilizados pelos veículos lançadores Kosmos-1 e Kosmos-3.
O Desastre de Nedellin
Foi nesta área que a 24 de Outubro de 1960 se deu um dos piores desastres no Cosmódromo de Baikonur e que ficou conhecido como o “Desastre de Nedellin”. Nesta altura havia uma grande competição entre Korolev e Yangel para o desenvolvimento da nova geração de mísseis balísticos intercontinentais. Os resultados obtidos com o R-7 Semyorka não haviam sido os pretendidos pelas elites militares soviéticas e a pressão para o desenvolvimento da segunda geração de mísseis era enorme. O novo míssil de Yangel, o 8K64 R-16 (SS-7 Saddler), iria permitir um nível de prontidão não alcançável com o R-7. Yangel e o Comandante das Forças Estratégicas de Mísseis, Marechal de Artilharia Mitrofan Nedellin, pretendiam presentear o líder soviético Nikita Khrushchev nas comemorações da revolução bolchevique com o primeiro lançamento do R-16.
O primeiro R-16 (n.º LD1-3T) foi transportado para o Cosmódromo de Baikonur em inícios de Setembro de 1960, apesar de existirem inúmeros problemas por resolver com o veículo. O veículo foi processado na Área 42 a partir do dia 26 de Setembro de 1960 com os técnicos a referirem que o míssil estava pejado de problemas. Estes acabaram por ser aparentemente ultrapassados nas semanas seguintes, tendo a preparação do míssil terminado a 20 de Outubro, sendo transportado para a plataforma de lançamento PU-4 na manhã do dia seguinte. Após ser colocado na plataforma de lançamento, procederam-se a mais testes e verificações no míssil LD1-3T que foram terminadas a 23 de Outubro iniciando-se o abastecimento do veículo com os combustíveis hipergólicos.
Numa clara violação das regras de segurança, centena e meia de técnicos, engenheiros e operários da plataforma de lançamento, permaneceram na vizinhança do veículo. Entre essas pessoas encontrava-se o Marechal Nedellin e o desenhador do R-16, Yangel. Ninguém era capaz de ordenar a Nedellin que se afastasse do local devido ao perigo das operações, entretanto a serem realizadas.
Perto do final do período de abastecimento do R-16 foi descoberta uma fuga de combustível no míssil, sendo considerada, no entanto, como aceitável e incapaz de representar qualquer perigo desde que se mantivesse controlada, para o que foi designada uma equipa de técnicos para controlar a fuga de combustível. O mais impressionante é que com o veículo abastecido havia-se chegado a um ponto de não retorno a partir do qual o veículo teria de ser lançado. Nesta altura não existiam procedimentos para retirar o combustível do míssil que seria inútil devido à natureza corrosiva do seu combustível.
Entretanto, os preparativos para o lançamento continuavam e a equipa responsável pelo teste enviou um comando para activar umas membranas controladas por dispositivo pirotécnico e que impediam que o combustível nos tanques entrasse nas condutas que o levariam aos motores. Devido ao desenho do circuito eléctrico e a erros de controlo de qualidade na sua produção, os dispositivos pirotécnicos destruíram as membranas, permitindo assim que o combustível entrasse nas condutas. Como o combustível não poderia permanecer mais de dois dias nessas condutas, o centro de controlo tinha agora somente dois dias para efectuar o lançamento do primeiro R-16. A situação piorou quando outros dispositivos pirotécnicos explodiram por si junto das válvulas de um dos três motores do primeiro estágio do R-16 e quando o sistema de distribuição de corrente eléctrica do míssil falhou. Nesta altura chegou-se a colocar a hipótese de retirar de qualquer maneira o combustível do míssil e remove-lo da plataforma, adiando assim o seu primeiro voo. Esta hipótese foi prontamente e furiosamente recusada por Nedellin, dizendo que no evento de uma guerra nuclear não teriam tempo para tal.
No final da tarde do dia 23 de Outubro foram iniciados os trabalhos para substituir as válvulas e o sistema de distribuição de corrente eléctrica no míssil, sendo o lançamento adiado para o dia 24 de Outubro.
Devido aos constantes problemas com o controlo das membranas de combustível foi decido proceder-se à alimentação eléctrica a partir do exterior para controlar as membranas no R-16. Este controlo era feito a partir de um veículo de transporte terrestre instalado nas imediações da plataforma. Entretanto, a Comissão Estatal encarregue de supervisionar o lançamento do R-16 encontrava-se confortavelmente instalada num terraço de madeira especialmente construído para a Comissão na estação de controlo IP-1B situada na Área-43, a 800 metros da plataforma PU-4.
A pressão vinda de Moscovo era intensa e quando foi anunciado mais um adiamento de meia hora no lançamento do R-16, Nedellin decidiu ir até à plataforma de lançamento. Aquando no IP-1B, Nedellin era constantemente chamado a uma linha de comunicações especial com ligação directa a Moscovo, sendo questionado por Khrushchev sobre o teste do R-16. Com a decisão de se deslocar até à plataforma de lançamento, Nedellin levou consigo uma multidão de subordinados da Comissão Estadual. Quando chegou à plataforma, o responsável por esta ordenou a colocação de uma cadeira para Nedellin e para os restantes membros da Comissão que ficaram sentados a uns meros 20 metros do míssil.
A tensão na plataforma subia ao minuto e os técnicos tinham por vezes de resolver vários problemas ao mesmo tempo. É nesta situação que um dispositivo desenhado para activar os sistemas a bordo do R-16 numa determinada sequência, é deixado na posição pós-lançamento após a realização de uma série de testes. O pessoal de controlo do voo descobriu que o dispositivo não se encontrava na posição certa e que as baterias em ambos os estágios do míssil já se encontravam activadas devido ao receio de que pudessem não funcionar no clima frio de Baikonur à altura do teste. Por outro lado, as membranas de controlo do combustível e do oxidante do segundo estágio já haviam sido activadas o que significava que as duas componentes do propelente hipergólico só se encontravam separadas da câmara de combustão do motor do segundo estágio por uma válvula.
Às 2245UTC um técnico no centro de controlo activou uma ligação que regulava uma válvula pneumática que controlava a ignição do motor do segundo estágio do míssil. Neste momento o motor do segundo estágio entrou em ignição quando mais de 250 pessoas ainda se encontravam nas proximidades da plataforma de lançamento. As chamas que saiam do motor do segundo estágio rapidamente romperam o tanque de combustível do primeiro estágio, originando uma enorme explosão do míssil R-16 totalmente abastecido. Em segundos, uma bola de fogo envolveu toda a plataforma de lançamento, incinerando instantaneamente muitas pessoas enquanto outras tentavam fugir do inferno que se seguiu. Técnicos com o corpo completamente em chamas fugiam do epicentro da Área-41, enquanto outros lutavam por se desembaraçar das autênticas muralhas de arame farpado nas quais os seus corpos em chamas se haviam emaranhado. Muitos tentavam fugir das temperaturas de 3.000 °C, saltando da plataforma de lançamento, enquanto muitos corpos a arder ficavam pendurados na torre de serviço. Várias pessoas que se encontravam no solo ficaram presas no alcatrão derretido que agora rodeava a plataforma e muitos morreram devido aos fumos tóxicos da combustão.
Num abrigo subterrâneo a partir do qual se controlavam os preparativos para o lançamento do R-16 foi ordenado que ninguém tocasse no painel de controlo por forma a conservar todos os interruptores na posição na qual se encontravam na altura da explosão. A dado momento um técnico completamente queimado irrompeu pelo abrigo subterrâneo, sendo auxiliado pelos presentes. Todos os presentes, utilizando agora máscaras de gás, abandonaram o abrigo subterrâneo devido às explosões que se seguiram.
Num momento de sorte, minutos antes da explosão, Yangel foi convidado por um oficial, que tencionava deixar de fumar, a fumar um último cigarro no interior de um abrigo subterrâneo de segurança na plataforma. Segundos após entrarem no abrigo deu-se a explosão do R-16.
Muitas das vítimas da explosão ficaram queimadas de tal maneira que foi impossível realizar qualquer identificação dos cadáveres. O próprio corpo de Nedellin foi totalmente consumido, sendo somente identificado algumas partes. Um total de 84 vítimas do desastre foram enterradas numa vala comum no que é hoje conhecido como o Parque dos Soldados, localizado na Área 10.
O desastre de Nedellin foi mantido em segredo por dezenas de anos e oficialmente Nedellin havia falecido no decorrer de um acidente de aviação. Aos familiares foi dito que as vítimas haviam falecido num acidente de aviação e somente três anos após o desastre foi colocado um memorial às vítimas deste acidente.
Em memória deste e de outros acidentes, a 24 de Outubro não se realizam lançamentos nos cosmódromos Russos.