Por toda a Humanidade – A épica viagem da Apollo-11 (I)

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A 21 de Julho de 2019 celebra-se o 50.º aniversário do lançamento da Apollo-11, a primeira missão lunar tripulada e que constitui um marco tecnológico de toda a Humanidade.

Como forma de comemorar esta missão, o Boletim Em Órbita irá reproduzir por capítulos um artigo comemorativo publicado no n.º 89 do Boletim Em Órbita que foi editado em edição especial em Julho de 2009 e baseado no livro “The First Man on The Moon – The Story of Apollo-11” de David M. Harland. A publicação destes artigos, que descrevem a fase final da descida na superfície lunar e a sua primeira exploração, irá culminar a 21 de Julho.

Inserção na órbita de descida (I)

Durante a passagem pelo lado visível da Lua durante a 13.ª órbita em torno do nosso satélite natural, Gene Kranz consultou a sua equipa acerca da manobra de inserção na órbita de descida (DOI). Após estudar a telemetria da Apollo-11, os controladores de voo anunciaram que o módulo lunar Eagle se encontrava em excelentes condições, e 10 minutos antes de passar para lá do horizonte lunar, Duke emitiu a decisão de prosseguir com a missão.

Kranz relembra a perda de sinal, “a adrenalina, não importava a forma como se tentava esconder, estava realmente a começar a tomar conta”. Nesta altura, Kranz instruía a sua equipa a relaxar por cinco minutos, levando assim a um verdadeiro êxodo para as casas de banho. “Estás preparado, e por uma vez não existe conversetas – não se brinca. A preocupação é a primeira coisa que nos absorve. Hoje é diferente.” Isto não é uma simulação! “Este é o dia em que nós ou vamos alunar, abortar ou despenhar – as únicas três alternativas”. Enquanto a Apollo-11 se encontrava atrás da Lua, a equipa de controlo de voo foi reorganizada para lidar com o Columbia e com o Eagle em paralelo, utilizando ligações de comunicações e telemetrias independentes – porém o mesmo CapCom, Spencer Gardner, monitorizando o plano de voo, garantia que esta transição fosse levada a cabo de uma forma ordenada.

A sala de observação do Mission Operations Control Room tinha 74 lugares, mas neste dia que chegasse tarde arriscara-se a ficar de pé. Tal como Douglas K. Ward, o oficial de relações públicas para a White Team, referiu: “Creio que na sala de observações teremos uma das maiores concentrações de oficiais espaciais que alguma vez foi vista num só lugar”. Entre eles incluíam-se Thomas O. Paine, Administrador da NASA; Abraham Silverstein, Director do Centro de Pesquisa Lewis da NASA; James C. Elms, Director do Centro de Pesquisa Electrónicas em Massachusetts; Kurt H. Debus, Director do Centro Espacial Kennedy; Rocco A. Petrone, Director das Operações de Lançamento; Edgar M. Cortright, Director do Centro de Pesquisa Langley; Wernher vom Braun, Director do Centro Espacial Marshall; Eberhard F. M. Rees, secretário de von Braun; John C. Houbolt, que preconizou a utilização do modo de encontro em órbita lunar; e Charles Stark Draper, Director do Laboratório de Instrumentação do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Um grande número de astronautas incluindo Thomas Stafford, Eugene Cernan e James McDivitt encontravam-se na sala de observação, juntamente com o ex-astronauta John Glenn. Na sala de gestão do andar principal, estavam Robert R. Gilruth, Director do Centro de Voo Espacial; Samuel C. Phillips, Director do Programa Apollo; Robert C. Seamans, antigo Administrador Executivo da NASA, e agora Secretário da Força Aérea; Christopher C. Kraft, Director das Operações de Voo; e George M. Low, Gestor do Programa Apollo.

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O Módulo Lunar Eagle fotografado desde o Módulo de Comando Columbia momentos após a separação entre os dois veículos.

A sala de controlo era consideravelmente mais pequena do que na realidade parecia na televisão e, estando em uso constante, cheia de fumo, pizza, sanduíche e café temperado em discos de aquecimento. Era constituída por quatro filas de consolas, elevando-se sucessivamente até à sua parte posterior. Cada consola possuía um ou dois monitores que, enquanto havia telemetria a partir do veículo, mostrava dados alfanuméricos num ecrã de televisão que se actualizava uma vez por segundo. Todos os controladores de voo eram homens. Cada um usava um conjunto de auscultadores com um microfone ligado à sua consola, e necessário para monitorizar vários circuitos de intercomunicação de forma simultânea, com o seu circuito principal num volume mais elevado.

Sem relação com o seu estatuto na NASA, nesta altura os VIP possuíam o estatuto de meros observadores; o mesmo se aplicava na sala de gestão. O director de voo tinha autoridade absoluta e, com ela, total responsabilidade. Ele, por sua vez, confiava na sua equipa de controladores de voo. A média de idades da White Team para esta missão era de 26 anos; Kranz tinha 35 anos de idade e Kraft tinha 45. Apesar do programa espacial norte-americano ter quase uma década de idade, as pessoas na sala de controlo neste dia. 20 de Julho de 1969, representavam três gerações de controladores de voo.

Como líder da secção de dinâmica de voo, Jerry C. Bostick supervisionava a equipa na ‘Trincheira’, como era conhecida a primeira fila na sala de controlo. Sabendo que Kranz era ‘fraco’ em trajectórias, Bostick designou Jay H. Greene como o seu oficial de dinâmica de voo (sigla ‘FIDO’). Um fumador de cachimbo com um acentuado sotaque de Brooklyn, Greene possuía um conhecimento enciclopédico nos assuntos relacionados com trajectórias. Durante a descida propulsionada o seu trabalho seria o de monitorizar a detecção do Eagle pela Manned Space Flight Network. À sua esquerda encontrava-se o oficial de retro-propulsão (sigla ‘Retro’), Charles F. ‘Chuck’ Deiterich, que exibia um grande bigode e possuía uma fala arrastada típica do Texas. À direita de Greene estava Steven G. Bales (sigla ‘Guidance’), cuja tarefa era monitorizar os sistemas de orientação do Eagle, particularmente o computador e o radar de alunagem. Sendo um dos primeiros formados em informática contratados pela NASA directamente da universidade, Bales tinha mais em comum com o pessoal dos ‘sistemas’ que se sentavam na fila atrás dele. Usava óculos com armação escura, falava rapidamente, e a inflexão na sua voz era um indicador do seu estado mental. Hoje era o seu 27.º aniversário. Granville E. Paules assistia Bales na monitorização dos sistemas do Eagle. Alto, louro e taciturno, Paules tinha o pouco usual hábito de rodar o seu rosto para olhar para o seu interlocutor no circuito de comunicações; tal como Bales, era jovem e dedicado aos sistemas.

O cirurgião de voo deste turno, John F. Zieglschmid, tinha uma consola na extremidade esquerda da fila. À sua direita estava Charles Duke, originário da Carolina do Sul, com um sotaque típico. Duke tornou-se astronauta em 1966 mas ainda não lhe tinha sido atribuída uma missão específica. Kranz considerava-o único entre os astronautas, pelo facto de que teria dado um excelente director de voo. A sua nomeação para a White Team não fora por acaso. “Para ser um bom CapCom”, explicaria Duke mais tarde, “tens de saber os procedimentos utilizados pela tripulação, o software, e o fluxo de informação para a tripulação”. Como a sua especialidade de astronauta, Duke tinha monitorizado o desenvolvimento dos sistemas de propulsão do Módulo Lunar (LM – Lunar Module). Na Apollo-10, Thomas Stafford havia pedido a Duke para ser o CapCom primário, e Duke havia auxiliado a desenvolver o horário de procedimentos para a verificação do LM. Armstrong pediu a Slayton para que Duke fizesse o mesmo na Apollo-11, e ele voou com os astronautas através da descida propulsionada. Duke brincava com o facto de lhe ter sido atribuído o trabalho pela simples razão de ser o astronauta com mais conhecimento do LM que ainda não fazia parte de uma tripulação. Os controladores de sistemas ocupavam um conjunto de consolas na zona direita da segunda fila. Verificando os sistemas do Columbia, estavam John W. Aaron, o oficial encarregue dos sistemas eléctrico, ambiental e de comunicações (sigla ‘EECOM’) e Briggs W. ‘Buck’ Willoughby, o oficial encarregue dos sistemas de orientação, navegação e controlo (sigla ‘GNC’). O equivalente do EECOM para o Eagle era Donald R. Puddy (sigla ‘TELCOM’). Um nativo lato e intenso do Oklahoma que nunca desperdiçava uma palavra, Puddy ingressara na NASA logo após a universidade. Na extremidade direita encontrava-se o equivalente do Eagle para o GNC, Robert Carlton (sigla ‘Control’). Com a alcunha ‘Silver Fox’ devido ao seu prematuro cabelo grisalho, Carlton era um homem seco, deliberado e imperturbável. À esquerda de Kranz na terceira fila estava Charles R. ‘Chuck’ Lewis, um graduado da universidade que havia sido CapCom dos voos Gemini. Como assistente do director de voo (sigla ‘AFD’) Lewis era, com efeito, o braço direito de Kranz, monitorizando e pronto para lidar com situações que poderiam ocorrer enquanto Kranz estava ocupado. À esquerda de Lewis, Edward I. Fendell (sigla ‘INCO’) estava a trabalhar para consolidar a instrumentação e as comunicações numa única consola, apesar de que na altura da Apollo-11 algumas destas tarefas ainda se encontravam com o EECOM e com o TELCOM. O ‘núcleo’ da equipa para a descida propulsionada era constituído por Bales, Paules, Greene e Deiterich na fila da frente, Puddy, Carlton e Duke na segunda fila, e Kranz na terceira fila.

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Os controladores de voo Charles Duke (CapCom), Jim Lovell (Comandante Suplente) e Fred Haise (Piloto Suplente do Módulo Lunar) durante a descida do Eagle.

Quando os controladores assumiram novamente os seus lugares em frente das consolas, Kranz disse-lhes para se conectarem ao circuito de comunicação do assistente do director de voo, que não estava disponível para a assistência, para falar com eles de forma privada. Infelizmente, o seu discurso não foi gravado. Numa ocasião Kranz recorda “Eu tinha de dizer a estes miúdos como estava orgulhoso do trabalho que haviam levado a cabo; que neste dia, desde a altura em que tinham nascido, estavam destinados para aqui estarem e destinados para fazer este trabalho; eles eram a melhor equipa alguma vez reunida e hoje, sem qualquer dúvida, eles iriam escrever os livros de história ao serem a equipa de levou um Americano para a Lua.” Noutra ocasião referiu “Muito bem, escutem todos os controladores de voo. Hoje é o vosso dia, e as esperanças e sonhos de todo o mundo estão connosco. Este é o nosso tempo e o nosso lugar, e iremos sempre recordar este dia e o que aqui fizemos. Na próxima hora iremos fazer algo nunca foi feito antes – iremos aterrar um Americano na Lua! Os riscos são elevados, mas essa é a natureza do nosso trabalho. Trabalhamos longas horas e tivemos tempos difíceis, mas dominamos o nosso trabalho. Agora iremos tirar proveito disso. Vocês são uma boa equipa; uma equipa da qual estou privilegiado em dirigir. Aconteça o que acontecer, irei apoiar todas as decisões que tomem. Boa sorte, e Deus nos abençoe hoje!”.

Como uma interface de gestão entre os controladores de voo e a comunidade industrial, Thomas J. Kelly, que dirigiu a equipa da Grumman que desenvolveu o Eagle, Dale D. Myers, colega de trabalho na North American Rockwell que desenvolveu o Columbia, e os altos executivos para outros fornecedores de hardware, estavam nas consolas no Spacecraft Analysis Room ao longo do corredor do Mission Operations Control Room. Cada companhia tinha engenheiros noutras equipas de apoio no Manned Spacecraft Center, bem como nas suas próprias instalações, e os seus engenheiros chave estavam disponíveis para receber mensagens via telefone sempre que necessário.

Com a iminente aquisição do sinal proveniente no Eagle, Kranz ordenou que as portas do MOCR fossem fechadas num procedimento usual para todas as fases críticas de uma missão. Também ordenou o denominado “battle short” no qual os principiais disjuntores do Edifício 30 eram fixados para prevenir que alguém inadvertidamente cortasse a corrente (O rés-do-chão do Mission Control albergava o Real-Time Computer Complex, e cada um dos dois níveis superiores albergava a Mission Operations Contral Room. A Apollo-11 era comandada a partir do nível superior). De facto, o Edifício 30era composto por um par de estruturas interligadas, uma de desenho convencional que albergava os oficiais e outro, uma caixa de betão sem janelas, que alojava as instalações de controlo. Tal como Kranz referia, se deflagrasse um incêndio num dos gabinetes, deixaria arder em vez do sistema automático de protecção cortar a corrente . O painel na parede frontal deveria comparar os dados dos sistemas de orientação de bordo do Eagle com os dados fornecidos pela Manned Space Flight Network.

Apesar dos auscultadores estarem disponíveis, Deke Slayton encontrava-se com Duke na consola do CapCom. Jim Lowell e Fred Haise, ambos da tripulação suplente, encontravam-se por perto, bem como Pete Conrad, que iria comandar a próxima missão, e Dave Scott, o seu suplente. A sala da simulação estava apinhada com pessoas que eram incapazes de encontrar um lugar no andar principal. Tal como Kranz referiu mais tarde, estando na sala de controlo durante um voo era a melhor coisa logo a seguir a estar na própria nave espacial. O fotografo do Mission Control, Andrew Patnesky, estava a tirar fotografias de um lugar junto mesmo atrás da consola do CapCom, a partir de onde tinha uma boa visão ao longo da sala. Por outro lado, o artista Bob McCall estava empenhadamente a desenhar com esferográfica em papel.

Ao observar o crescendo de sensação de apreensão, George Low disse para Chris Kraft, “Eu nunca vi as coisas tão tensas por estes lados”.

(Continua)