Os voos da troika espacial

Troika Soyuz-6-7-8

A Roscosmos parece ter-se esquecido do 50.º aniversário do primeiro triplo voo espacial tripulado realizado pela União Soviética em Outubro de 1969. Para assinalar as missões Soyuz-6, Soyuz-7 e Soyuz-8, fica aqui este artigo já publicado anteriormente no boletim Em Órbita.

O senso comum sugere que após uma estocada fatal como terá sido a descida triunfante na Lua dos astronautas norte-americanos, a União Soviética iria simplesmente cair num período de conservadorismo no seu programa espacial, caracterizado por mais auto-satisfação do que algum outro gesto na competição. Porém, os responsáveis soviéticos, desde o mais alto posto do programa espacial, Dmitri F. Ustinov, até aos menos cotados engenheiros, diferiam num aspecto chave em relação aos seus pares americanos. Para os soviéticos, a corrida para a Lua poderia ter terminado, mas a menos específica “corrida espacial” ainda não.

Ironicamente, era de facto o programa espacial norte-americano que entrava num período de busca do seu significado ao se iniciar a busca de uma direcção na fronteira pós-Apollo – uma direcção que pela primeira vez não era determinada exclusivamente pela competição da Guerra-fria com a União Soviética. Troika 01Por outro lado, os soviéticos continuaram a propor, definir, e implementar novos programas, que tinham as suas raízes nos imperativos políticos da era Kennedy – Khrushchev. Se os americanos tivessem sido batidos pelos soviéticos na corrida à Lua, então estes iriam batê-los na corrida para Marte. Se os americanos fossem construir uma estação espacial em órbita terrestre, então os soviéticos poderiam construir uma mais cedo. Enquanto que as Troika 02motivações soviéticas em finais de 1969 fossem um pouco mais complexas do que uma retórica simplista, de longe o programa espacial soviético não abandonara a corrida espacial em 1969. De facto, os seus programas lunares tripulados continuaram a servir como uma força motriz na política, anos após Neil Armstrong ter pisado a Lua em Julho de 1969.

Deambulando por entre os destroços

Muita da actividade no programa espacial soviético durante os últimos meses de 1969 resultou mais da inércia do que de novos Troika 03objectivos. À medida que os gestores políticos tentavam gradualmente estabelecer direcções claras para o esforço geral, os veículos espaciais planeados e destinados às missões espaciais estavam finalmente prontos para serem lançados. Tendo pouco a perder após a Apollo-11, Ustinov, Smirnov e Afanaseyev permitiram a realização de alguns lançamentos simbólicos no programa lunar tripulado, o que ao nível de um exame superficial parece fazer pouco sentido. A primeira de tais missões foi um voo circumlunar de um veículo 7K-L1 em finais do Verão de 1969. Apesar da componente pilotada do programa circumlunar ter sido oficialmente suspensa em Março de 1969, o Desenhador-Chefe Mishin continuou com os voos deste veículo problemático na esperança de poder voar algumas tripulações a bordo em alguma altura incerta no futuro. Levar a cabo uma simples missão circumlunar automática menos de um mês após a Apollo-11 poderá ter indicado um desrespeito pela percepção pública do programa espacial soviético, mas o timing do lançamento foi aparentemente mais uma coincidência do que outra coisa qualquer. Os soviéticos, porém, fizeram todos os esforços para afastarem o lançamento dos noticiários.

Troika 04Tal como aconteceu em lançamento anteriores do programa L1, estavam presentes cosmonautas no Cosmódromo de Baikonur apesar de nesta altura estarem envolvidos de forma mais profunda nas operações de voo. Leonov e Makarov fizeram sessões de treino para adquirirem competências no «controlo do (módulo de descida) como operadores» na preparação para um voo tripulado. O veículo 7K-L1 n.º 11 fora o último modelo fabricado para voo automático e continha manequins a bordo. A nave foi, porém, redesenhada para uma missão tripulada com painéis de controlo activos e com os sistemas de bloqueio removidos dos interruptores. O veículo foi lançado do Cosmódromo de Baikonur às 2348:06UTC do dia 7 de Agosto de 1969 e dirigiu-se com sucesso para a Lua cerca de uma hora mais tarde. Denominada Zond-7 (o lançamento foi levado a cabo pelo foguetão 8K82K Proton-K/D (Yu10724301/18) a partir da Plataforma de lançamento PU-23 do Complexo de Lançamento LC81) pela imprensa soviética, a nave, tal como as suas predecessoras, transportava uma variedade de espécimes vivos, incluindo quatro tartarugas machos, que eram parte de um grupo de trinta tartarugas seleccionadas para um estudo biológico . Foi referido que a nave estava equipada com instrumentação melhorada, apesar de poucos detalhes terem sido fornecidos. Após uma correcção de trajectória a uma distância de 250.000 km da Terra a 9 de Agosto, a nave circundou o lado afastado da Lua a uma Troika 05distância de 1.200 km dois dias depois. A única anomalia no voo foi um problema de comunicações – a principal antena parabólica não se abriu devido a ter ficado emperrada nos cabos de segurança – apesar disto não impedir a realização de algum dos objectivos principais.

Pela primeira vez numa missão Zond, uma câmara a bordo obteve fotografias a cores. A primeira sessão teve lugar a 8 de Agosto quando a câmara tirou fotografias da Terra a uma distância de 70.000 km, mostrando claramente uma grande parte do globo, incluindo a Ásia, África e o Médio Oriente. Três dias mais tarde, a 11 de Agosto, ocorreram duas novas sessões. A primeira sessão de dez minutos realizou-se a uma distância de 10.000 km da Lua quando a nave se aproximava do nosso satélite natural; cobriu o lado Oeste do Oceano das Tempestades e áreas próximas com uma alta densidade de crateras. Uma hora mais tarde, a sonda realizou uma nova sessão de fotografias que mostravam características do lado oculto de uma distância de 2.000 km. Algumas das espectaculares fotografias eram reminiscentes das fotografias obtidas pelos astronautas da Apollo, com a Terra a pôr-se de forma majestosa no horizonte lunar. Apesar de a Lua geralmente surgir com uma coloração cinza, os cientistas esperavam que as fotografias coloridas a partir de diferentes ângulos pudessem revelar diferenças na sua microestrutura. Para lá das sessões fotográficas, a Zond-7 também realizou «medições das características físicas do espaço circumlunar bem como experiências técnicas para o desenvolvimento de sistemas de controlo de movimento com o (computador) de bordo, sistemas de astro orientação, aparelhos de comunicações no espaço profundo, e outros sistemas de bordo».

A Zond-7 voou de regresso à Terra sem incidentes, uma vez mais sobrevoando o Pólo Sul e de seguida deslocando-se para Norte sobre o Oceano Índico. Entrou no corredor correcto a 14 de Agosto, perdeu velocidade, deslizou na atmosfera, e depois reentrou de novo para uma reentrada perfeita e aerodinamicamente controlada para o território soviético. Abertos os pára-quedas a uma altitude de 7,5 km, os retro-foguetões de travagem accionaram-se a 0,5 metros do solo para uma aterragem sem qualquer falha a Sul de Kustanay, Cazaquistão, a apenas 50 km do local previsto de descida. A missão tivera uma duração de 6 dias, 18 horas e 25 minutos. Dois anos mais tarde, o TsKBEM finalmente realizava uma missão circumlunar 7K-L1 bem sucedida. Era, claro está, já tarde de mais para os políticos tirarem qualquer proveito do estrondoso sucesso da Zond-7, tendo ocorrido menos de um mês após a alunagem americana. Mas a finalização da missão levantou a possibilidade de se prosseguir em frente com missões tripuladas do veículo L1. numa reunião da Comissão Estatal sobre o L1 a 19 de Setembro de 1969, os membros discutiram tal opção. O Ajudante do Comandante em Chefe da Força Aérea para o Espaço, General Kamanin, recorda que “o sucesso da Zond-7… deu algum encorajamento a Mishin, Tyulin e Afanaseyev que estavam a recuperar gradualmente do choque causado pelo fracasso do N1 e pelas brilhantes missões Apollo.” A Comissão Estatal decidiu utilizar as três 7K-L1 restantes. A primeira seria lançada em princípios de Dezembro de 1969 numa missão automática, seguida pela segunda em Abril de 1970, talvez transportando os primeiros cosmonautas soviéticos em torno da Lua. Enquanto Mishin e o Presidente da Comissão Estatal Tyulin podem ter desejado tais missões, as forças contra as missões L1 tripuladas eram demasiado fortes. Politicamente, havia pouco a ganhar nesta altura a partir de uma missão L1. Brezhnev e Ustinov haviam mais ou menos decidido sobre a finalização do programa na Primavera de 1969, e os planos para lançar uma tripulação em Abril de 1970 acabaram por calmamente desaparecer. Em finais de 1969, a porção tripulada do projecto UR-500K-L1 estava irremediavelmente finalizada, e enquanto Mishin tinha planos para voar os restantes veículos, estes acabariam por ser redireccionados para objectivos primeiramente tecnológicos.

O dilema perante o qual se encontravam os gestores espaciais soviéticos na consequência directa da alunagem da Apollo, era o de como responder nos meses imediatos. Que tipo de missão tripulada poderia ser organizada nos últimos meses de 1969 de forma a não realçar a fraqueza da URSS na comparação com os Estados Unidos na exploração espacial? Nos encontros fulcrais que se realizaram em Janeiro de 1969 após a missão da Apollo-8, o Ministro da Construção Geral de Maquinaria, Afanaseyev, havia sugerido uma missão Soyuz de trinta dias em órbita terrestre. Um mês mais tarde, o Presidente da Comissão Estatal da Soyuz, Major General Kerimov, surgia com uma mais modesta missão de sete dias de dois cosmonautas em órbita terrestre a bordo de uma Soyuz. O chefe do programa espacial, Ustinov, queria mais, dizendo à comissão que uma missão de sete dias era demasiado “fininha” e que “deveria ser mais grossa.” Kamanin, a 11 de Fevereiro, sublinhava a confusão na forma de como prosseguir com o programa Soyuz, escrevendo no seu diário: “Chegamos a uma total (situação) absurda: não existe um homem neste país que seja capaz de dizer como será o próximo voo no espaço. Ustinov não o sabe, Keldysh, Smirnov e Mishin não o sabem – de forma geral ninguém o sabe! Todas as minhas tentativas para obter por parte do estado a composição de planos para os voos espaciais tripulados, levaram a lado nenhum: não existem tais planos, e é muito provável que alguma vez o hajam.”

Originalmente, após a missão de acoplagem da Soyuz 4 e da Soyuz-5 em Janeiro de 1969, Mishin tinha tido planos para voar voos repetidos em órbita terrestre da nave espacial 7K-OK Soyuz, mas equipadas com o sistema de radar para encontro em órbita Kontakt destinados à versão lunar da Soyuz em vez do menos avançado sistema Igla. Enquanto que o sistema Kontakt não estava pronto para voar na altura, os planos para a repetição da missão da Soyuz-4 e Soyuz-5 proporcionavam uma forma de como formular uma resposta ao sucesso da Apollo. Por finais de Fevereiro, a ideia de Mishin era a de lançar para a órbita terrestre três naves espaciais 7K-OK Soyuz, duas das quais iriam acoplar de forma automática, enquanto que a terceira estaria a uma distância de 300 a 400 metros em controlo manual e deveria tirar fotografias da experiência. Apesar de ser uma pobre resposta a uma missão lunar tripulada, tal missão iria não só demonstrar a capacidade do programa espacial Soyuz para levar a cabo operações complexas no espaço, mas também proporcionar uma extravagância de relações públicas à muito necessária a partir do potencial das fotografias espectaculares que seriam obtidas. A um nível puramente técnico, o voo iria também permitir aos engenheiros aperfeiçoar as operações de encontro e acoplagem e o controlo de múltiplos veículos em órbita em preparação para futuras missões às estações espaciais.

A 1 de Abril de 1969, Mishin possuía um plano de curto alcance para o programa 7K-OK Soyuz: Soyuz-6, 7 e 8 (voo triplo em Agosto de 1969); Soyuz-9 e 10 (voo de acoplagem em Outubro de 1969); Soyuz-11 e 12 (voo de acoplagem em Fevereiro de 1970).

Para além do encontro e acoplagem, a tripla missão conjunta teria outros elementos importantes. Uma unidade especial denominada Vulkan foi instalada na Soyuz-6 (veículo n.º 14) para permitir à sua tripulação levar a cabo uma complexa série de operações de soldagem em condições de microgravidade e vácuo. O Instituto para Electro-Soldagem Ye. O. Paton, de Kiev, havia desenvolvido a unidade após um contrato atribuído no tempo de Korolev. O cosmonauta Vladimir Grigorievich Fartuchny, um cientista do instituto, havia sido designado para voar no espaço juntamente com a unidade Vulkan, mas em Abril, havia sido transferido da Soyuz-6 para a Soyuz-11, evidentemente devido a constrangimentos de massa quando o tamanho da tripulação foi reduzido de três para dois. Outra instrumentação adicional na Soyuz-6 incluía o aparelho Svinets, uma experiência militar para detectar e identificar as chamas do lançamento de um míssil balístico intercontinental. A tripla missão deveria registar um recorde de sete cosmonautas a voar no espaço de forma simultânea, a maioria dos quais estava a treinar em várias capacidades nos projectos circumlunares e de alunagem durante os dois anos anteriores. As duas missões de acoplagem finais – Soyuz-9 / Soyuz-10 e Soyuz-11 / Soyuz-12 – iriam incluir pelo menos uma missão de longa duração para reclamar o recorde absoluto de permanência no espaço, na posse há quase quatro anos pela missão Gemini-VII. Estas quatro missões iriam também utilizar o tão adiado sistema de acoplagem Kontakt.

A 7 de Abril de 1969, as tripulações previstas para as três naves espaciais eram Georgi Stepanovich Shonin / Valeri Nikolaievich Kubasov (Soyuz-6), Anatoli Vasilievich Filipchenko / Vladislav Nikolaievich Volkov / Viktor Vasilievich Gorbatko (Soyuz-7), e Andrian Grigorievich Nikolayev / Vitali Ivanovich Sevastyanov (Soyuz-8). Os cosmonautas suplentes eram Anatoli Petrovich Kuklin, Georgi Mikhailovich Grechko e Pyotr Ivanovich Kolodin. As tripulações começaram a treinar para as missões a 10 de Abril de 1969. As tripulações para as últimas quatro missões eram Yevgeni Vasilievich Khrunov / Alexei Stanislavovich Yeliseyev (Soyuz-9), Anatoli Petrovich Kuklin / Georgi Mikhailovich Grechko (Soyuz-10), Vladimir Alexandrovich Shatalov / Vladimir Grigorievich Fartuchny (Soyuz-11), e Georgi Stepanovich Shonin / Valeri Alexandrovich Yazdovski / Viktor Ivanovich Patsayev (Soyuz-12)

Mishin discutiu estes planos com Ustinov durante um encontro a 7 de Junho de 1969, mas a possibilidade de se levar a cabo a tripla missão Soyuz rapidamente ganhou uma nova urgência após o segundo golpe catastrófico no programa espacial soviético, a alunagem da Apollo-11. Uma vez que os inevitáveis atrasos surgiram do ambicioso plano da Soyuz, os líderes do programa espacial soviético começaram a ter calafrios. Em finais de Setembro, menos de dois meses antes da data prevista para os lançamentos, O Desenhador-Chefe Mishin encontrou-se de novo com Ustinov para discutir os preparativos para a missão tripla. Mishin anotou nas suas notas pessoais que “existe um medo na tomada de decisões.” Ustinov proibiu Mishin de abastecer os foguetões e as naves espaciais, apesar dos protestos deste último para se manter o programa original. Ustinov disse a Mishin que a decisão final para proceder com os lançamentos seria discutida ao nível do Politburo, um pouco usual estado de acontecimentos para um lançamento espacial. É bem provável que os líderes soviéticos tais como Brezhnev e Kosigyn, estivessem extremamente sensíveis à possibilidade de uma falha catastrófica no programa espacial soviético tão pouco tempo depois da Apollo-11; tal missão iria mais uma vez levantar a questão da direcção do programa espacial soviético. Como iriam os responsáveis responder às óbvias comparações com a Apollo?

A 29 de Setembro, Mishin falou com Ustinov, Smirnov e Afanasayev. O Desenhador-Chefe já havia recebido permissão para prosseguir com os preparativos pré-lançamento para os veículos n.º 15 e 16. O Politburo reuniu-se nesse dia e finalmente deu a permissão para se prosseguir com a missão tripla. A missão seroa referida como um grande passo para a criação de estações em órbita terrestre, o “verdadeiro objectivo” do programa espacial soviético. As actividades que conduziriam aos lançamentos foram mais intensificadas com as alterações nos complementos da tripulação nos três veículos Soyuz. Originalmente, a terceira Soyuz – o veículo activo durante o exercício de acoplagem – iria ser tripulada pelos cosmonautas Nikolayev e Sevastyanov. O Coronel Nikolayev, veterano dos dias da Vostok, iria também servir como o comandante geral dos sete cosmonautas da missão. Infelizmente para ele, teve um fraco desempenho durante um exame preparatório em finais de Julho de 1969. Talvez esperando uma melhoria das suas capacidades, os gestores do programa espacial continuaram a manter os complementos originais da tripulação até 17 de Setembro, quando Mishin e Kamanin concordaram em substituir a tripulação Nikolayev – Sevastyanov com uma nova tripulação recém chegada de um voo espacial: Shatalov e Yeliseyev. Claro que Shatalov tinha a distinção de ser o único cosmonauta soviético que na altura havia levado a cabo uma acoplagem no espaço, e a sua inclusão na tripulação para a terceira Soyuz foi provavelmente impulsionadora da confiança na missão. A decisão final sobre a substituição da tripulação foi tomada em princípios de Outubro, após a chegada de todas as tripulações (principais e suplentes) terem chegado ao Cosmódromo de Baikonur (Nikolayev e Sevastyanov, entretanto, foram consignados para servir como suplentes para a missão. Os suplentes eram Andrian Grigorievich Nikolayev / Georgi Mikhailovich Grechko (Soyuz-6), Andrian Grigorievich Nikolayev / Georgi Mikhailovich Grechko / Pyotr Ivanovich Kolodin (Soyuz-7) e Andrian Grigorievich Nikolayev / Vitali Ivanovich Sevastyanov (Soyuz-8). De notar que as tripulações suplentes originais eram diferentes e incluíam em várias alturas como comandantes Anatoli Petrovich Kuklin (que foi afastado devido a problemas de saúde em Julho de 1969) e Yevgeni Vasilievich Khrunov (que foi penalizado em Julho de 1969 por ter estado envolvido num acidente de viação com atropelamento e fuga durante o qual não prestou auxílio à vítima)).

Troika 06Para além do facto único de terem três Soyuz em órbita ao mesmo tempo, o voo conjunto também marca uma expansão significativa das capacidades de comunicação. As transmissões estavam normalmente limitadas aos voos sobre a massa de terra soviética ou sobre uma pequena frota de modestas embarcações controladas pelo Departamento de Trabalhos Navais Expedicionários da Academia de Ciências desde 1967. Nesse mesmo ano, os soviéticos começaram a construção do primeiro de uma nova geração de navios de rastreio. O primeiro destes, com uma tonelagem, de 17.850 toneladas, era o Cosmonauta Vladimir Komarov, uma embarcação da Classe Poltava que fora convertido para a sua nova função em Leninegrado em 1967. A tripulação de 121 elementos e a sua equipa científica de 118 membros era três vezes e sete vezes superior, respectivamente, do quer os predecessores tais como o Dolinsk. As características proeminentes do Cosmonauta Vladimir Komarov eram as pouco usuais protecções laterais e as grandes cúpulas que albergavam grandes antenas para rastreamento e comunicações. Para o programa Soyuz, o navio iria servir como um nodo de uma ponte de comunicação, da cápsula Soyuz, para o Cosmonauta Vladimir Komarov, para os satélites Molniya-1 em órbita terrestre, e para o Centro de Controlo de Voo NIP-16 em Yevpatoria. O primeiro papel activo do navio durante uma missão pilotada tinha sido a missão de acoplagem da Soyuz-4 e Soyus-5, apesar de ter fornecido apoio durante a missão circumlunar da Zond-5 quando esteve estacionado em Havana, Cuba.

Enquanto que o Cosmonauta Vladimir Komarov entrava ao serviço em Agosto de 1967, estavam a ser estudados navios de maior capacidade e capazes de controlar missões em órbita terrestre e no espaço profundo (Durante a missão das Soyuz-4 e Soyuz-5, o Cosmonauta Vladimir Komarov serviu em conjunto com dois outros navios mais velhos, o Morzhovets e o Nevel). Tudo isto serviu para expandir os tempos de ligações das comunicações para as missões tripuladas.

O arquitecto por detrás do equipamento de rastreio e de comunicações nestas embarcações era o Desenhador-Chefe Mikhail S. Ryazansky do Instituto de Investigação Científica para a Construção de Instrumentação Rádio (formalmente conhecido por NII-885). Um dos membros originais do Conselho de Desenhadores-Chefe de Korolev dos anos 40, também teve uma carreira muito interessante. Obcecado com a construção de rádios desde pequeno, em finais dos anos 20, Ryazansky tornou-se técnico de rádio e um membro proeminente da Jovem Liga Comunista em Nizhhniy Novgorod (ou Gorky). Foi ali onde ficou sobre suspeita da polícia secreta soviética, tendo sido acusado de destruir equipamento importante. Provas incriminatórias de que o seu avô tinha sido um padre, uma herança ‘inaceitável’ para qualquer membro do Partido Comunista na altura, aumentaram as acusações absurdas. Com o apoio de muitos dos seus amigos trabalhadores, uma possível sentença de morte foi comutada para um mês de trabalhos forçados. Subindo nas fileiras, Ryazansky contribuiu de forma importante para o esforço de guerra soviético no desenvolvimento da tecnologia de rádio e de radar antes de ingressar no instituto NII-885 de Moscovo como Desenhador-Chefe em 1946 após as operações de recuperação na Alemanha. Juntamente com Korolev, Glushko, Pilyugin, Barmin e Kuznetsov, Ryazansky compunha o original Conselho de Desenhadores-Chefe.

A carreira de Ryazansky como Desenhador-Chefe foi interrompida por algum tempo em Janeiro de 1951 que foi nomeado o Engenheiro Chefe do NII-88 – uma posição superior a Korolev na altura. Esta alteração não parece ter interferido nas relações pessoais entre os dois. Dois anos mais tarde regressava ao seu porto de Desenhador-Chefe no NII-88, dizendo que “o trabalho administrativo não é para mim.” De regresso ao instituto, a vida não foi fácil para Ryazansky. O cérebro da polícia secreta, Lavrenti P. Berya, tinha uma opinião muito negativa do desenhador-chefe devido às inclinações políticas do seu pai nos anos 30. Várias pessoas no NII.885 foram, de facto, presas em 1952-1953 pelos capangas de Berya, enquanto que o próprio Ryazansky foi acusado de esconder provas. O seu destino e possivelmente a sua vida foram salvas pelas mortes de Estaline e Berya em 1953. Mais tarde, Ryazansky foi uma peça instrumental na escolha do local do Cosmódromo de Baikonur, uma acção que iria levar Korolev a dizer: “Mikhail é o culpado de tudo. Ele escolheu este buraco esquecido por deus…” A última ignomínia que Ryazansky teve de enfrentar foi em 1961, quando todos os membros originais do Conselho de Desenhadores-Chefe receberam a sua segunda honra de Heróis do Trabalho Socialista – todos excepto Ryazansky. Correu o rumor de que Ryazansky havia sido testemunha de um dos devaneios alcoólicos de Brezhnev por volta de 1960. Quando este ofereceu ao Desenhador-Chefe um conhaque, Ryazansky recusou redundantemente. Brezhnev recordou-se deste acontecimento quando os prémios foram entregues devido ao voo de Gagarin. O nome de Ryazansky foi riscado da lista e substituído pelo nome de Brezhnev. Por altura da missão tripla, Ryazansky tinha 60 anos de idade.

Troika

Troika Soyuz-6O primeiro foguetão 11A511 Soyuz (V15000-14) com a sua carga Soyuz foi transportado para a plataforma de lançamento n.º 2 no Complexo de Lançamento LC31 em Baikonur na manhã do dia 8 de Outubro para iniciar o seu processamento pré-lançamento. Seria um período intensamente activo para o pessoal de solo ao longo de um período de três dias consecutivos. As tropas das Forças de Mísseis Estratégicos iriam lançar três conjuntos Soyuz para a órbita terrestre. Cada nave espacial ficaria em órbita durante um período de cinco dias, estando as três em órbita ao mesmo tempo por três dias. As notícias sobre um novo feito espectacular soviético começaram a surgir no Ocidente, com algumas notícias a 9 de Outubro, a referirem o lançamento de três Soyuz que poderiam ser utilizadas para “construir uma estação orbital.”

Troika Soyuz-6 emblemaA cápsula 7K-OK n.º 14 foi lançada às 1110:00UTC do dia 11 de Outubro de 1969 com dois cosmonautas novatos a bordo, Tenente-coronel Georgi Stepanovich Shonin (Comandante) e o civil Valeri Nikolayevich Kubasov (Engenheiro de Voo) – à esquerda na fotografia, ambos com 34 anos de idade. A cápsula, denominada Soyuz-6 , que não estava equipada com uma sonda de acoplagem mas que transportava o pequeno aparelho Vulkan no módulo orbital, entrou numa órbita inicial com um apogeu a 222,8 km e perigeu a 186,2 km com uma inclinação de 51,68º. Haviam decorrido quase dez meses desde a última missão espacial tripulada soviética.

Entre os objectivos anunciados pela imprensa soviética estavam o aperfeiçoamento dos sistemas de controlo do veículo espacial, teste de dispositivos de navegação, execução de fotografia de recursos terrestres, investigação dos fenómenos atmosféricos, execução de investigações biomédicas e a realização de experiências de soldagem em vácuo e ausência de gravidade. Parece que os cosmonautas não terão feito muito durante o primeiro dia em órbita para além de uma Troika Soyuz-6 02ignição do motor principal na quarta órbita pelas 1708UTC para alterar os parâmetros orbitais. Algumas pequenas actividades na 14.ª órbita envolveram Shonin que levou a cabo exercícios de navegação utilizando o sistema de astro navegação e o sensor estelar automático. Entretanto, Kubasov, experimentou um novo sextante, o SMK-4, cujas medições foram comparadas com computações no solo para verificar a precisão do instrumento. Mais tarde Kubasov obteve fotografias da costa do Mar Troika Soyuz-6 03Cáspio e do delta do Volga, das florestas na Rússia Central, e de formações de nuvens.

Os crescentes rumores sobre mais lançamentos Soyuz foram confirmados no dia seguinte quando o veículo Soyuz 7K-OK n.º 15 foi lançado às 1044:42UTC da Plataforma de Lançamento n.º1 do Complexo de Lançamento LC1 pelo foguetão 11A511 Soyuz (Yu15000-19), não com dois mas com três cosmonautas novatos. A cápsula espacial, designada Soyuz-7 , entrou numa órbita inicial com um apogeu a 225,9 km, perigeu a 207,4 km e inclinação orbital de 51,68º. Abordo estavam o Tenente-coronel Anatoli Vasilievich Filipchenko (Comandante), o civil Vladislav Nikolayevich Volkov (Engenheiro de Voo) e o Tenente-coronel Viktor Vasilievich Gorbatko (Engenheiro de Investigação). Troika Soyuz-7 01Filipchenko tinha 41 anos de idade, enquanto que Volkov tinha 39 e Gorbatko tinha 34.

A agência de notícias TASS anunciou os objectivos da missão como incluindo manobras em órbita, investigações de navegação juntamente com a Soyuz-6 em voo de grupo e experiências científicas que consistiam em observações dos corpos celestes e do horizonte terrestre, a determinação do brilho das estrelas, e medições da iluminação pelo Sol. Naturalmente, não houve qualquer referência de que a cápsula estava equipada com um mecanismo de acoplagem passivo, nem que a cápsula iria acoplar com uma terceira Soyuz.

Troika Soyuz-7 emblemaOs preparativos para o lançamento do veículo Soyuz 7K-OK n.º 16 tiveram início imediatamente após o lançamento da Soyuz-6 a partir da Plataforma LC31/2. Duas horas após o lançamento, o novo foguetão 11A511 Soyuz (Yu15000-18) foi transportado para a plataforma para se dar início ao seu processamento pré-lançamento. No dia do lançamento, quando os dois cosmonautas se sentaram nos seus assentos personalizados, o Comandante Shatalov deparou-se com um pequeno problema enquanto apertava o dispositivo circular de fecho da escotilha entre o módulo orbital e o módulo de descida devido ao facto de um dos três raios de fixação rachou devido à pressão excessiva feita pelo cosmonauta. De forma relutante, a tripulação relatou o problema ao controlo de voo que os aconselhou de que desde que a integridade da pressão fosse mantida, o problema não iria impedir um lançamento a horas. Assim, vinte e quatro horas depois do lançamento da Soyuz-7, o pessoal das Forças Estratégicas de Troika Soyuz-8 01Mísseis lançava a terceira cápsula Soyuz em três dias. O lançamento teve lugar às 1319:09UTC do dia 13 de Outubro de 1969. Os cosmonautas veteranos Coronel Vladimir Alexandrovich Shatalov (Comandante), com 41 anos de idade, e o civil Alexei Stanislavovich Yeliseyev (Engenheiro de Voo), com 35 anos de idade, entraram numa órbita inicial com um apogeu a 223,7 km, perigeu a 204,5 km com uma inclinação de 51,68º. A agência de notícias TASS anunciava que a nova cápsula espacial, denominada Soyuz-8 , iria levar a cabo complexa observações científicas com a Soyuz-6 e com a Soyuz-7, incluindo a realização de voo em formação e as ainda mais gerais “manobras orbitais conjuntas para a resolução de um número de problemas relacionados com o voo espacial tripulado.” A TASS também anunciou que Shatalov estaria no comando geral dos três veículos. Tanto ele como Yeliseyev tinham a distinção que possuírem o recorde da mais curta diferença de tempo entre duas missões espaciais, tendo voado no espaço há quase dez meses atrás.

Inicialmente, após a Soyuz-8 entrar em órbita, as três cápsulas levaram a cabo os respectivos voos independentes focando-se nos seus programas de experiências, apesar de várias correcções orbitais Troika Soyuz-8 emblemalevadas a cabo pelos três veículos a 13 e 14 de Outubro terem parecido manobras preliminares para permitir a eventual intersecção das suas órbitas. Em geral, o programa de experiências em órbita foi dividido. A tripulação da Soyuz-6 levou a cabo pesquisas biomédicas (tais como testes com o ouvido interno) e fotografia da Terra. A tripulação da Soyuz-7 levou a cabo fotografia da Terra e dos objectos estelares em diferentes bandas espectrais. A tripulação da Soyuz-8 focou-se na pesquisa da polarização da luz solar reflectida pela atmosfera. As experiências biomédicas incluíam a utilização de “sondas funcionais” e testes psicológicos individuais e de grupo para determinar as capacidades de trabalho em órbita. A fotografia da Terra focou-se no desenvolvimento de ciclones e no movimento das frentes de tempestade. Os cosmonautas da Soyuz-7, em particular, conduziram exercícios de detecção remota detalhados, incluindo o estudo de áreas geológicas para detectar reservar de minerais. O Engenheiro de Voo da Soyuz-8, Yeliseyev, bem como o seu compatriota Kubasov na Soyuz-6, também utilizou o sextante SMK-4 para determinar os elementos orbitais independentemente da ajuda vinda das estações no solo. Uma experiência principal envolveu a determinação das propriedades reflectivas das florestas, desertos, e de outras áreas da superfície terrestre. As tripulações mantiveram-se em contacto regular entre si e durante a maior parte do tempo utilizaram em conjunto o sistema de satélites Molniya e o Cosmonauta Vladimir Komarov . Uma componente militar da missão Soyuz-6 foi a experiência Fakel (‘Tocha’) para detecção visual das chamas produzidas por mísseis balísticos a partir de órbita. Utilizando o aparelho Svinets, Shonin mais tarde relatou que ele pôde ver claramente os projectores de luz em alvos no solo e que as medições da iluminação não eram difíceis. Em três ocasiões a 12 de Outubro, foram lançados mísseis R-16 desde Baikonur enquanto a Soyuz-6 passava sobre o complexo. Todos os lançamentos foram à noite, limitando a aplicabilidade da experiência. É pouco provável que o instrumento Svinets tivesse sido capaz de detectar lançamentos durante o dia.

A 14 de Outubro, os três veículos estavam numa órbita comum com um apogeu de cerca de 225 km, perigeu de 200 km e inclinação orbital de 51,7º. Tal como planeado, a Soyuz-7 e a Soyuz-8 aproximaram-se até cerca de uma distância de 500 metros, enquanto que a Soyuz-6 observava de perto. A acoplagem entre a Soyuz-7 e a Soyuz-8 tinha sido planeada para ser semi-automática, com o sistema Igla a aproximar as duas cápsulas até uma distância de 100 metros, após o qual Shatalov iria tomar o controlo manual. Tal como o cosmonauta suplente Sevastyanov recordou mais tarde, as cápsulas não se aproximaram mais do que 500 metros uma da outra: “Ocorreu um erro durante o estágio preliminar da acoplagem e o sistema de rádio (Igla) não funcionou (na Soyuz-8) – não deu a informação sobre onde estava a segunda nave espacial. Eles tentaram utilizar um canal óptico, mas nessa altura eles não tinha um dispositivo laser especial para medir a distância, e eles não tinham a possibilidade de medir a distância entre as duas naves espaciais.”

Os “canais ópticos” eram evidentemente sinais de luzes brilhantes nos veículos utilizados a distâncias de 1.500 metros e 500 metros. Em duas tentativas para se aproximar da Soyuz-7 de forma manual a partir destas distâncias, um Shatalov cada vez mais preocupado verificou ser muito difícil fazer a medição da distância relativa para o veículo passivo enquanto que os veículos estavam na sombra da Terra. As frustrações dos cosmonautas foram exacerbadas por indicadores existentes a bordo que mostravam que o sistema Igla estava completamente operacional. Mais tarde surgiram relatos de que um dos veículos possa ter sido colocado numa órbita errada, complicando assim ainda mais as coisas. Devido ao mau funcionamento do sistema Igla, os cosmonautas da Soyuz-8 foram incapazes de se deslocar mais perto da Soyuz-7 para transferirem para o controlo manual e assim acoplarem. Numa última movimentação desesperada, o controlo do solo decidiu tentar e manter a mesma distância entre os dois veículos utilizando somente dados balísticos transmitidos do solo. A tentativa de acoplagem foi agendada para o dia seguinte, 15 de Outubro. Infelizmente, sem a utilização do sistema Igla, os cosmonautas eram incapazes aproximarem os dois veículos mais do que 1.700 metros. O terceiro veículo, a Soyuz-6, que não possuía o sistema Igla, era incapaz de completar de forma independente qualquer aproximação às outras duas cápsulas.

O facto de a missão ser uma completa trapalhada foi sublinhado por um relatório de inteligência norte-americano, que foi desclassificado em 1977. A CIA escreveu: “As cinco tentativas de encontro feitas durante a missão foram todas mal sucedidas por diferentes razões. A primeira falhou devido ao facto de que o sistema automático de encontro (que é, Igla) não indicava uma fixação pelo radar entre a Soyuz-7 e aSoyuz-8. Duas órbitas mais tarde foi feita a primeira tentativa de encontro manual, mas foi cancelada depois da Soyuz-8 ter utilizado mais quantidade de combustível do controlo de atitude do que estava autorizado. Uma segunda tentativa manual, feita no dia seguinte, falhou porque a Soyuz-8 não controlou de forma precisa a sua velocidade lateral em relação à Soyuz-7. A tentativa da Soyuz-6 de levar a cabo um encontro controlado pelos cosmonautas com os outros dois veículos falhou por causa de não ter tempo suficiente para corrigir uma diferença de plano de 3 km entre si e os outros veículos. A tentativa manual final para um encontro e acoplagem entre a Soyuz 7 e 8 foi mal preparada e os veículos não conseguiram estabelecer o intervalo correcto e velocidade relativa entre eles necessária para uma operação de acoplagem antes de entrarem na sombra terrestre.”

Segundo dados oficiais soviéticos, durante estes três dias de voo coordenado, os veículos completaram trinta e uma manobras orbitais. Utilizando a Soyuz-7 como veículo alvo, a Soyuz-6 e a Soyuz-8 completaram três e quatro aproximações, respectivamente. Em duas ocasiões, as aproximações foram simultâneas – isto é, os três veículos estavam nas proximidades uns dos outros num total de quatro horas e vinte e quatro minutos. Entretanto, a Soyuz-7 e a Soyuz-8 passaram um total de trinta e quatro horas e dezanove minutos a co-orbitar uma com a outra. Durante estes exercícios de encontro em órbitas: “As tripulações fizeram observações dos veículos, tiraram fotografias, e utilizaram câmaras de cinema para determinar a visibilidade dos objectos a várias distâncias. Também investigaram a possibilidade de trocar informação por meios de índices luminosos e dispositivos ópticos visuais.”

A troca de informação estava provavelmente relacionada com experiências militares. Um antigo oficial da CIA recordava mais tarde que: “Os cosmonautas experimentaram métodos de comunicação uns com os outros e utilizaram fontes de luz que não poderiam ser monitorizadas por normais dispositivos electrónicos de escuta. Também levaram a cabo experiências para determinar a visibilidade de objectos a várias distâncias das suas naves espaciais, o que entre outras coisas é o tipo de informação utilizada pelos planeadores militares para o desenho de equipamento para fotografar e inspeccionar satélites hostis.”

Nunca foram publicadas pelas autoridades soviéticas ou russas fotografias tiradas durante a missão. Com os desapontamentos de vários falhanços nas suas costas, o Desenhador-Chefe Mishin teve a infortunada tarefa de telefonar tanto a Brezhnev e a Ustinov para os informar da situação.

Foi a 16 de Outubro que os cosmonautas Shonin e Kubasov na Soyuz-6 se prepararam para um dos principais objectivos de toda a missão, o exercício de soldadura com a unidade Vulkan, O instrumento era um cilindro verde parecido com um “frigorífico redondo” com uma massa de cerca de 50 kg, instalado no módulo orbital da Soyuz-6. O objecto consistia em duas secções, uma das quais continha vários instrumentos e fontes de energia, de medição e dispositivos de conversão, e de comunicações e equipamento de automação numa atmosfera de azoto pressurizado. A outra secção continha os dispositivos de soldadura. Os cientistas do Instituto Paton haviam desenhado a unidade tendo por base testes extensivos em câmaras de vácuo e em voos parabólicos para simular a ausência de peso em aviões. Na sua 77ª órbita, os cosmonautas da Soyuz-6 encerraram as escotilhas entre o módulo de descida e o módulo orbital, e despressurizaram este último. O Engenheiro de Voo Kubasov, utilizando interruptores de controlo remoto, activou a unidade de soldadura, iniciando três diferentes métodos. O sistema levou a cabo primeiro uma soldadura de baixa pressão de arco eléctrico. De seguida fez-se uma tentativa de soldagem com raio de electrões. O método final foi a utilização de um arco de soldadura utilizando um eléctrodo consumível. A soldadura foi levada a cabo utilizando uma pistola de electrões com amostras de titânio, ligas de alumínio e aço inoxidável. Toda a soldadura era automatizada e o único papel importante da tripulação era o de accionar o sistema e recuperar as amostras. Kubasov era, porém, capaz de seguir o trabalho da unidade com um painel indicador especial no módulo de regresso, enquanto que os dados eram também transmitidos directamente para as estações no solo. O Académico Paton mais tarde diria: “A experiência de soldagem em órbita havia aberto uma nova página na exploração do espaço. Um procedimento de engenharia envolvendo o aquecimento e derretimento de metais foi levado a cabo no espaço pela primeira vez. A era da metalurgia espacial amanheceu.”

Enquanto que muito foi dito sobre o facto de que a soldagem seria um requisito para as futuras operações de montagem orbitais no espaço, a experiência Vulkan foi, de facto, uma quase catástrofe para a tripulação da Soyuz-6. As autoridades soviéticas revelaram 21 anos mais tarde que a experiência de soldagem que supostamente deveria ter sido levada a cabo numa das naves, terminou sem sucesso. Eles quase que fizeram um buraco na nave. Durante um dos métodos testados, possivelmente o arco de baixa pressão comprimido, a unidade Vulkan apontou incorrectamente um raio e derreteu a parede interna do módulo orbital. Os cosmonautas aparentemente não se aperceberam do perigo durante a experiência, só descobrindo os danos quando o módulo orbital foi repressurizado para recuperarem as amostras da experiência .

A Soyuz-6 regressou à Terra quase logo após o fim da experiência Vulkan. Os dois cosmonautas aterraram às 0852:47UTC do dia 16 de Outubro de 1969 nas geladas estepes do Cazaquistão, a 180 km noroeste da cidade de Karaganda. A sua missão havia durado 4 dias 22 horas 42 minutos e 47 segundos. Estava um frio gelado com um forte vento no local de aterragem, e apesar de a descida ter ocorrido a 20 km do local previsto, os serviços de resgate foram capazes de chegar aos cosmonautas relativamente rápido.

Os cosmonautas da Soyuz-7 e da Soyuz-8 continuaram as suas missões em órbita. O resto da missão decorreu sem percalços excepto por uma avaria na Soyuz-7 registada a 17 de Outubro. Um dos três cosmonautas activou acidentalmente o ecrã do sistema de aterragem automática no módulo de descida. A unidade deveria ser activada de forma automática a uma altitude de 11 km após a reentrada para ser utilizado durante a descida em pára-quedas. Devido ao facto de o ecrã ser utilizado na fase final da missão, não existia qualquer provisão para o desligar em órbita. Alguns controladores estavam preocupados pelo facto de que se o ecrã permanecesse continuamente activado mais do que um dia, poderia haver a possibilidade de falha durante a descida. Com pouco para fazer para rectificar a situação, a tripulação continuou a orbitar a Terra com o sistema activado. As tripulações da Soyuz-7 e da Soyuz-8 levaram a cabo as experiências médicas e os exercícios de fotografia da Terra durante o resto das suas missões, executando trabalhos complexos de espectrofotometria e fotografia das auréolas do amanhecer e do anoitecer na Terra, as suas nuvens, e da superfície utilizando o espectógrafo manual RSS-2. A experiência foi executada na 87ª órbita sobre o nordeste de África a partir de uma altitude de 218 km. Uma sessão anterior realizada a 13 de Outubro sobre a Península Arábica foi coordenada com observações a partir do solo e com dois aviões Li-2 especialmente equipados voando a uma altitude de 2,7 km.

Os três cosmonautas da Soyuz-7 regressaram à Terra sem qualquer incidente, aterrando com segurança a 155 km a Noroeste de Karaganda às 0925:05UTC do dia 17 de Outubro de 1969, quase um dia depois da Soyuz-6. A missão teve uma duração de 4 dias, 22 horas, 40 minutos e 23 segundos. Desta vez as condições atmosféricas estavam piores, com ventos gelados cortantes de neve e gelo bem como baixa visibilidade. Os tripulantes da Soyuz-8 regressaram um dia mais tarde às 0909:58UTC de 18 de Outubro, aterrando a 145 km a Norte de Karaganda durante uma tempestade. A última tripulação finalizou assim uma missão que teve uma duração de 4 dias 22 horas, 50 minutos e 49 segundos. A missão tripla da Soyuz estava terminada.

Mesmo tendo espantado os observadores Ocidentais devido á sua natureza e à falta de uma acoplagem, os porta-vozes soviéticos passaram à ofensiva após a aterragem dos três veículos. Haviam tido pouco para celebrar durante o ano, e os modestos feitos da Soyuz-6, Soyuz-7 e Soyuz-8 teriam de servir para tal. O regresso dos cosmonautas a Moscovo foi transformado numa evento de celebração de proporções nacionais. À medida que as bandas tocavam e salvas de canhões saudavam os cosmonautas, os líderes do Partido Comunista e do governo, além de milhares de moscovitas davam as boas-vindas aos sete homens. Na recepção cerimonial no Palácio de Congressos do Kremlin, todos os cosmonautas foram agraciados, tais como os seus predecessores, com o título de “Herói da União Soviética.” Isto teve lugar, apesar da óbvia falha em se conseguir o objectivo primário da missão – a acoplagem entre a Soyuz-7 e a Soyuz-8 – que não foi, claro está, anunciado como tal. Todos os artigos de imprensa soviéticos da altura claramente avançam a noção de que a acoplagem não havia sido planeada para o voo. Em relação à falha, os cosmonautas foram exonerados de qualquer responsabilidade ou mau acto praticado durante a missão. Uma investigação intensiva que durou três meses provou que a falha no sistema Igla fora causada por erros nos preparativos no solo. Quando o Instituto de Investigação Científica para Instrumentos de Precisão testou o sistema Igla no solo para pressurização, os engenheiros haviam utilizado uma mistura de hélio a 95%. Os investigadores descobriram mais tarde que esta mistura em particular danificara os componentes de rádio e termóstatos das unidades de voo. Após mais dois instrumentos vindos do mesmo instituto terem falhado em órbita em finais de 1969, os engenheiros mudaram a mistura para gases inertes ou para uma solução de 5% de hélio.

O período pós-voo da missão tripla foi particularmente importante devido à natureza insistente e precisa das declarações soviéticas sobre as estações orbitais. Finalmente parecia que a aparente confusão da parte inicial do ano sobre os futuros prospectos para o programa espacial soviético, tinha finalmente terminado. O Académico Sedov, o homem que havia feito o infame anúncio do lançamento do satélite soviético durante o Ano Geofísico Internacional em 1955, disse aos repórteres no Peru em finais de Outubro de 1969 que a União Soviética nunca havia anunciado que iria enviar um homem à Lua. Felizmente para Sedov, ninguém se importou de ler as suas referências sobre o assunto no início da década. Talvez a mais importante referência política pública feita por uma figura soviética de topo surgiu entre as celebrações da missão Soyuz-6/7/8. Num discurso feito a 22 de Outubro no Palácio de Congressos do Kremlin que provou de forma retrospectiva vir a ser tão importante para o programa espacial soviético como o discurso de Kennedy em 1961 foi para os Estados Unidos, o Primeiro Secretário do Comité Central do Partido Comunista, Leonid I. Brezhnev, não escondeu a “verdadeira direcção” para o futuro do cosmonauta soviético: “O nosso país tem um grande programa espacial, planeado por muitos anos. Nós seguimos a nossa direcção; estamos a mover-nos consistentemente e propositadamente. A cosmonáutica soviética está a resolver problemas de complexidade crescente… A nossa direcção para a conquista do espaço é o caminho da resolução de tarefas vitais e fundamentais, problemas básicos de ciência e de tecnologia… A nossa ciência aproximou a criação de estações orbitais e de laboratórios orbitais de longo termo como o meio decisivo para uma conquista espacial extensiva. A ciência soviética vê a criação de estações orbitais com a troca de tripulações como o caminho principal do homem para o espaço. Elas podem-se transformar em cosmódromos no espaço, lançando plataformas para voos para outros planetas. Podem ser criados grandes laboratórios espaciais para o estudo das tecnologias espaciais, biologia, medicina, geofísica, astronomia e astrofísica.”

Originalmente publicado como “O Voo da Troika Espacial” a 23 de Dezembro de 2011 no n.º 119 do Boletim Em Órbita, Edição Especial, Dezembro de 2011.