Desde o inicio da Era Espacial a União Soviética, e depois a Rússia, colocaram os seus satélites em órbita a partir de quatro Cosmódromos. Até ao final de 2014 foram realizados 5.426 lançamentos orbitais e deste total, 3.155 foram realizados por veículos lançadores Russos o que corresponde a 58,1% do total de lançamentos orbitais realizados desde 4 de Outubro de 1957.
Estes lançamentos distribuem-se por quatro Cosmódromos. Baikonur inaugurou a Era Espacial com o lançamento do Sputnik-1 e tornando-se o mais famoso dos Cosmódromos Soviéticos. Dali foram lançadas todas as missões espaciais tripuladas soviéticas e russas, todas as missões automáticas lunares soviéticas, todas as missões automáticas soviéticas a Vénus e Marte, além do lançamento de centenas de satélites científicos, meteorológicos, de navegação, militares, etc. Com a queda do império Soviético, Baikonur fica no território do Cazaquistão dando origem por vezes a vários incidentes com a Rússia devido à sua utilização. Kapustin Yar é o berço de muitos programas de mísseis da União soviética e foi dali que foram lançados alguns dos primeiros mísseis desenvolvidos por Sergei Korolev, mas o seu papel como polígono de lançamentos orbitais diminuiu nos últimos anos. Plesetsk é o mais secreto dos Cosmódromo russos, estatuto que ainda mantém com o restrito acesso ao polígono por parte da imprensa e de visitantes estrangeiros. Apesar se sofrer com o fim da União Soviética, o Cosmódromo que mantinha uma média de lançamentos impressionante, vê agora o seu papel fortalecido com uma série de investimentos e a construção de novas estruturas para a família de lançadores Angara. Finalmente, Svobodniy, no extremo leste da Rússia, é o mais novo dos Cosmódromos entrando ao serviço em 1997, mas o último lançamento teve lugar em 2006. Svobodniy serviu como ponto de partida para a construção do novo cosmódromo, Vostochniy, que deverá ser inaugurado em 2015. Ainda em território russo existe o centro de testes de mísseis balísticos lançados a partir de submarinos e situado em Nenoska e que poderia ser utilizado para lançamentos orbitais. A Rússia tem também uma participação no projecto de lançamentos orbitais a partir da plataforma flutuante Odyssey, e alguns lançamentos foram realizados a partir de submarinos localizados no Mar de Barents.
Kapustin Yar
Localizado a 48º31N – 45º48E, o Cosmódromo de Kapustin Yar assistiu ao nascimento do programa espacial da União Soviética e foi aqui onde os primeiros mísseis V-2 capturados à Alemanha nazi, foram testados.
A área de testes de Kapustin Yar teve origem num decreto governamental de 1946 que cria a industria de foguetões na União Soviética, sendo dirigida pelo Ministério das Forças Armadas. Este Ministério propões Kapustin Yar como a zona de testes de todas as armas propulsionadas a jacto.
Kapustin Yar é favorecida pelo fácil acesso das vias ferroviárias, pela sua proximidade às infra-estruturas industriais da cidade de Estalinegrado (Volgogrado junto do Rio Volga) e pelas grandes áreas de terreno disponíveis para a construção das diversas instalações necessárias para a instalação da zona de testes.
Em 1962 o acampamento original já se havia transformado numa cidade com o nome secreto de Znamensk. Ao contrário da velha vila perto de Kapustin Yar, Znamensk era uma cidade fechada ao exterior e não era referenciada nos mapas da União Soviética.
No total a base cobre uma área de 7.000 km2 estando a 965 Km SE de Moscovo e nas margens do Rio Akhtuba. Parte do Cosmódromo de Kapustin Yar está localizado em território do Cazaquistão, mais precisamente nas regiões de Urda e Zhangali. Esta zona foi utilizada para o teste de dispositivos nucleares largados por aviões e mísseis entre 1957 e 1962. Kapustin Yar incluía 29 zonas distintas espalhadas desde a original Kapustin Yar até à cidade siberiana de Bratsk.
O nascimento de Kapustin Yar
Em Fevereiro de 1947 Seguei Korolev escreve uma carta ao designado Comité Espacial n.º 2 por forma a se acelerar o processo de selecção de uma zona de testes para os mísseis V-2 (A-4) e R-1. Este Comité, juntamente com o Ministério das Forças Armadas, havia inicialmente decidido seleccionar uma zona junto da costa de Azov que permitiria trajectórias de lançamento em direcção às estepes do Don em direcção a Estalinegrado. Esta decisão tinha a oposição do então Secretário do Partido Comunista da Ucrânia, Nikita Khrushchev, que se oponha à possibilidade de se ter mudar uma parte da população da Ucrânia. Como forma de resolver esta questão, Nikita Khrushchev colocou o problema directamente a Estaline que por sua vez ordenou a Lavrenti Béria que se encontrasse outro local para os testes de mísseis. Assim, a 1 de Julho de 1947, Kapustin Yar é seleccionado como local para testes dos mísseis desenvolvidos pela União Soviética.
As condições encontradas pelos primeiros habitantes e construtores do futuro Cosmódromo eram terríveis. Alguns dos engenheiros do NII-88 (Instituto de Pesquisa Científica 88) e de outros institutos ficaram albergados em comboios especiais que serviram para múltiplas funções. As temperaturas no Verão atingiam os 40ºC e no Inverno desciam até aos –30ºC. Apesar de a Primavera trazer algum sossego das condições árduas do Inverno e do Verão que se aproximava, os trabalhadores tinham de ter extremo cuidado com as cobras venenosas e aranhas. Os meios mais básicos de subsistência, tais como alimentas, água, roupa e abrigo nunca eram considerados como definitivos e usualmente tinham lugar muitas mortes.
O primeiro lançamento de um V-2 (A-4 SS-1 Scunner) dá-se às 0647UTC do dia 18 de Outubro de 1947 com a presença de vários técnicos e engenheiros alemães capturados após o final da Segunda Guerra Mundial. Estes engenheiros estavam familiarizados com muito do equipamento utilizado no local, pois foram trazido directamente da Alemanha (Peenemunde e Lehesten) após a guerra. Nesta fase existiam dois tipos de V-2 prontos para serem testados. Os V-2N haviam sido construídos pelos engenheiros alemães na instalações de Klein Bodungen e testados em Mittelwerk, o local por excelência de testes dos cientistas alemães durante a guerra. Os V-2T foram construídos utilizando componentes alemães e algumas componentes soviéticas nas instalações do NII-88 em Kalininegrado. O teste realizado a 18 de Outubro de 1947 utilizou a versão T do V-2 que acabou por impactar a 207 km de distância e a 30 km do alvo devido a um erro do sistema de orientação (inicialmente os engenheiros soviéticos não estavam conscientes do mau funcionamento do sistema de orientação do V-2, e todo o pessoal presente no local de lançamento iniciou uma festividade ao saber que o míssil tinha percorrido toda a distância coberta pela área do local de testes). A 20 de Outubro teve lugar um segundo teste com o V-2 utilizando também a versão T. Este teste acabou por ter resultados ainda mais desapontadores do que o primeiro. Durante a fase inicial de ascensão, o míssil desviou-se da sua rota desaparecendo por entre as nuvens. Após tensos momentos foi anunciado que o míssil havia caído na região de Saratov, uma zona densamente povoada. De imediato foi ordenada uma busca intensiva pelos restos do míssil e após alguns minutos foi descoberto que afinal o V-2 havia caído a 180 km do alvo e longe da região de Saratov. Outros testes tiveram lugar, atingindo-se 11 lançamentos de V-2 a 13 de Novembro (com dois lançamento neste dia). Estes lançamentos foram o início do desenvolvimento do míssil R-1 que teve o seu primeiro teste a 17 de Setembro de 1948, no entanto foi um teste mal sucedido. Nesta data o novo local de lançamento havia sido construído a 30 km da área de processamento, tendo-se terminado a construção das primeiras estradas e edifícios.
Local de testes
A 25 de Setembro de 1949 um protótipo do míssil R-2 é lançado desde Kapustin Yar e o primeiro R-5 é lançado a 15 de Março de 1953.
Em 28 de Agosto de 1950 é estabelecido em Kapustin Yar um departamento especial dedicado ao teste de mísseis tácticos. Nos anos seguintes este departamento leva a cabo centenas de testes de várias famílias de mísseis que poderiam ser utilizados nos campos de batalha da Guerra Fria contra os Estados Unidos. Mísseis como o Strizh e Chirok (antiaéreos), Korshun, Filin e Mars (sistemas de artilharia propulsionados por foguetões), o D-2 (a ser utilizado por submarinos) e o R-17 (a ser utilizado a bordo de navios) foram testados em Kapustin Yar. Os mísseis de curto alcance Temp, Luna-M, Tochka, Oka e Tochka-U, foram todos testados no Cosmódromo.
Desde meados dos anos 50 existiu uma corrida entre os construtores de mísseis balísticos intercontinentais e de mísseis de cruzeiro. Enquanto que o teste dos mísseis balísticos intercontinentais teve lugar no Cosmódromo de Baikonur, os mísseis de cruzeiro, nomeadamente o míssil Burya, foram testados em Kapustin Yar. O primeiro teste do Burya teve lugar a 1 de Setembro de 1957 a partir de uma plataforma situada perto de Vladimirovka, uma vila situada a SE de Kapustin Yar. Logo após se separar da plataforma, o míssil (Burya n.º 2/1) executou um arco à retaguarda despenhando-se de seguida. Outros dois testes realizados a 30 de Outubro de 1957 e 21 de Março de 1958 fracassaram em diferentes fases do voo. O Burya era um míssil de cruzeiro de dois estágios com um peso de 94.865 kg, tendo um comprimento total de 22,0 metros. O projecto foi cancelado após mais 13 voos de teste e após o sucesso do míssil R-7 Semyorka.
Com a introdução dos mísseis balísticos a combustível sólido, abria-se um novo capítulo na Guerra Fria, e Kapustin Yar desempenhou um papel importante nos ensaios destas armas. O primeiro míssil balístico soviético a utilizar combustíveis sólido foi o RT-1 ensaiado desde Abril de 1962. A partir desta data foram testados muitos protótipos com o primeiro míssil a combustível sólido instalado numa plataforma móvel a ser lançado em 1974.
Lançamentos orbitais desde KapustinYar
Kapustin Yar foi principalmente utilizado para lançar foguetões 63S1 Kosmos-2I de dois estágios a partir de um silo reconvertido e anteriormente utilizado para lançar os mísseis R-12, designado Mayak-2.
A primeira tentativa de colocar em órbita um satélite a partir de Kapustin Yar, tem lugar às 1630UTC do dia 27 de Outubro de 1961. Um foguetão 63S1 Kosmos-2I foi lançado a partir do silo Mayak-2 levando a bordo o satélite DS-1 n.º 1. No entanto o lançamento falhou devido a problemas no primeiro estágio do lançador. Uma segunda tentativa tem lugar a 21 de Dezembro do mesmo ano, quando um foguetão 63S1 Kosmos-2I, lançado às 1230UTC, não consegue colocar em órbita o satélite DS-1 n.º 2 devido a uma falha aos T+354 s de voo durante a queima do segundo estágio.
O primeiro satélite a ser colocado em órbita desde Kapustin Yar foi o Cosmos 1 (DS-2 n.º 1) no dia 16 de Março de 1962 (1159UTC). O Cosmos 1 foi colocado em órbita por um foguetão 63S1 Kosmos-2I (6LK) a partir do silo Mayak-2, tendo terminado as suas operações a 26 de Março de 1962.
Em 1965 terminam as obras de reconversão dos silos localizados na Zona 85, designada Dvina, sendo convertidos para serem utilizados pelos lançadores 63SM Kosmos-2 e 11K63 Kosmos-2. O primeiro lançamento a partir do novo Complexo LC82/1 tem lugar a 1 de Dezembro de 1964 quando um foguetão 63S1 Kosmos-2I é lançado transportando o satélite DS-2 n.º 2. O satélite não é colocado em órbita devido ao facto de a ogiva de protecção não se ter separado.
A 26 de Janeiro de 1973 é lançado um foguetão 11K65M Kosmos-3M (Yu149-37) a partir do Complexo LC107, realizando-se assim o primeiro lançamento orbital desde a superfície a partir de Kapustin Yar. Neste dia (0614UTC) foi colocado em órbita o satélite Cosmos 546 (Tsiklon GVM) destinado à investigação da alta atmosfera e do espaço exterior.
Kapustin Yar foi também utilizado para levar a cabo testes com um modelo à escala do vaivém espacial soviético numa série de dez testes, tendo o primeiro sido lançado a 4 de Julho de 1983 quando um foguetão 11K65M Kosmos-65MP lançou o veículo BOR-5 numa trajectória sub-orbital até aos 120 km de altitude, iniciando de seguida um mergulho de 45º a uma velocidade de Mach 18,5.
O programa de pesquisa científica Vertikal também viu os seus lançamentos sub-orbitais partirem desde este Cosmódromo entre 28 de Novembro de 1970 (Vertikal-1) e 21 de Dezembro de 1981 (Vertikal-10). Os primeiros três lançamentos da série foram executados por lançadores R-5B, sendo os restantes sete levados a cabo por uma versão do 11K65M Kosmos-3M (K65UP).
A 22 de Janeiro de 1987 era levado a cabo um lançamento (neste dia foi colocado em órbita o satélite Cosmos 1815 por um foguetão 11K65M Kosmos-3M a partir do Complexo LC107; o Cosmos 1815 largou em órbita mais 24 pequenos objectos que foram utilizados para calibração de radares na superfície terrestre) que iria dar início a um interregno de 12 anos nos lançamentos orbitais desde Kapsutin Yar, sendo interrompido a 28 de Abril de 1999 com o lançamento (2030:00UTC) dos satélites ABRIXAS e Megsat-0 por um foguetão 11K65M Kosmos-3M (65036-413) a partir do Complexo LC107. Até ao final de 2014 foram realizados desde Kapustin Yar 101 lançamentos orbitais.
Presentemente o cosmódromo possui dois pequenos aeroportos situados em Kapustin Yar e em Vladimirovka, três plataformas de lançamento utilizadas para o míssil R-12, duas plataformas de lançamento para os foguetões 11K65M Kosmos-3M, uma plataforma de lançamento para os foguetões 15Zh58 Start, além de instalações de rasteio e de montagem e integração de veículos.
Com o final da Guerra Fria e os tratados de desarmamento entre a União Soviética (Rússia) e os Estados Unidos, o cosmódromo foi utilizado para a destruição e aniquilação das armas que anteriormente ali haviam sido testadas. O programa de destruição de mísseis iniciou-se a 22 de Julho de 1988 com a eliminação de um míssil SS-20, sendo o último destruído a 12 de Maio de 1991.
Adaptado do artigo “Os Cosmódromos Secreto”, por Rui C. Barbosa, publicado pela primeira vez a 25 de Dezembro de 2002 no n.º 21 do BOletim Em Órbita.