O primeiro visitante de Mercúrio – A aventura da Mariner-10

Também designada Mariner Venus/Mercury 1973 (ou mesmo Mariner-J) a missão da Mariner-10 constituiu o 7.º lançamento com sucesso da série de exploradores Mariner. Lançada às 0545:00UTC do dia 3 de Novembro de 1973, a Mariner-10 foi o primeiro veículo a utilizar a atracção gravitacional de um planeta (neste caso Vénus) para atingir outro planeta (Mercúrio), sendo até esta data a única sonda a visitar o primeiro planeta do Sistema Solar.

Colocada numa órbita heliocêntrica retrógrada, a Mariner-10 passou por Mercúrio três vezes enviado para a Terra imagens e dados sobre o pequeno planeta. A Mariner-10 foi a primeira sonda a enviar imagens detalhadas tanto de Mercúrio como de Vénus. A sonda tinha como objectivos medir e sondar o ambiente de Mercúrio, a sua atmosfera ténue, a sua superfície e outras características, levando a cabo os mesmos objectivos a quando da visita a Vénus. A sonda tinha como objectivos secundários a realização de experiências no meio interplanetário por onde viajaria e obter experiência na utilização da gravidade planetária para a execução de manobras.

A Mariner-10 tinha um peso de 473,9 kg (no lançamento pesava 502,9 kg dos quais 29 kg eram propolente e gás para controlo de atitude, sendo o total do peso da instrumentação de 79,4 kg) sendo uma estrutura octogonal de alumínio com oito compartimentos com sistemas electrónicos. Na diagonal tinha um comprimento de 1,39 metros e uma altura de 0,457 metros. Estava equipada com dois painéis solares cada um com um comprimento de 2,69 metros e uma largura de 0,97 metros. Os painéis estavam colocados no topo da sonda e tinham uma área de 5,1 m2 de células solares. Com os painéis solares na posição operacional a sonda tinha uma envergadura de 8,0 metros e 3,7 metros de altura (medida desde o topo da antena de baixo ganho até ao fundo do escudo térmico). A sonda possuía uma plataforma móvel com dois graus de liberdade que estava montada na área oposta ao escudo térmico.

O motor da sonda utilizava hidrazina e tinha uma força de 222 N, estando situado por debaixo de um tanque de propolente esférico colocado no centro da estrutura de alumínio. A tubeira do motor atravessava o escudo térmico. Dois conjuntos de três pares de pequenos motores de nitrogénio para controlo de reacção, colocados nas pontas dos painéis solares, eram utilizados para estabilizar o veículo nos três eixos espaciais. O comando e o controlo da sonda era levado a cabo por um computador a bordo juntamente com comandos enviados da Terra.

A sonda transportava uma antena de alto ganho móvel com um disco parabólico de alumínio e estrutura em favos de mel com um diâmetro de 1,37 metros. A antena encontrava-se montada na extremidade de um braço num dos lados da sonda. Uma antena de baixo ganho omnidireccional encontrava-se colocada no final de um braço com um comprimento de 2,85 metros que se estendia no lado oposto do escudo térmico. As ligações permitiam ao veículo transmissões em frequências de banda S e banda X, podendo os dados ser transmitidos com um fluxo máximo de 117,6 kbites/s. A Mariner-10 estava equipada com um sensor estelar localizado no anel superior da estrutura octogonal. Nas extremidades dos painéis solares encontravam-se sensores solares. O interior do veículo era isolado com multicamadas de cobertores térmicos na parte superior e na parte inferior. Um escudo solar foi aberto após o lançamento para proteger a parte da sonda voltada para o Sol. Zonas reforçadas em cinco dos oito lados do veículo também ajudavam a controlar a temperatura no interior.

Os instrumentos no interior da sonda mediram a atmosfera, superfície, e características físicas de Mercúrio e Vénus. As experiências levadas a cabo incluíram a fotografia televisiva, campo magnético, estudos do plasma, radiometria de infravermelhos, espectroscopia de ultravioletas e detectores de rádio. A Mariner-10 transportou também pela primeira vez um transmissor de alta-frequência em banda X.

Perfil da missão da Mariner-10

Após o seu lançamento por um foguetão Atlas-Centauro, a Mariner-10 foi colocada numa órbita preliminar durante 25 minutos, sendo posteriormente propulsionada em torno do Sol na direcção de Vénus. A cobertura dos analisadores solares electrostáticos não se abriu por completo após o lançamento e estes instrumentos, parte da experiência SEAES (Scanning Electrostactic Analyzer and Electron Spectrometer) não puderam ser utilizados. Descobriu-se também que os aquecedores das câmaras de televisão haviam falhado, decidindo-se deixar as câmaras sempre ligadas de forma a prevenir danos nas ópticas devido às baixas temperaturas.

No dia 14 de Novembro de 1973 foi levada a cabo uma correcção de trajectória e logo a seguir a esta manobra o sensor estelar fixou num pedaço de tinta brilhante que se havia separado da sonda, tendo perdido a orientação em relação à estrela Canopus. Um protocolo de segurança automático foi accionado e conseguiu recuperar a orientação, mas o problema da tinta que se separava da sonda voltou a ocorrer no decorrer da missão. O computador de bordo também sofreu alguns problemas com resets não planeados, o que levou à necessidade de se proceder a uma reconfiguração a sequência do relógio de bordo e dos subsistemas do veículo. Durante a viagem também ocorreram problemas periódicos com a antena de alto ganho.

Em Janeiro de 1974 a Mariner-10 levou a cabo observações em ultravioleta do cometa Kohoutek e a 21 de Janeiro foi levada a cabo mais uma correcção de trajectória. A 5 de Fevereiro a Mariner-10 sobrevoa o planeta Vénus a uma distância mínima de 5.768 km (1701UTC). Ao mesmo tempo que transmitia imagens do planeta, a sonda utilizava a sua gravidade para se dirigir para Mercúrio.

Durante a viagem para Mercúrio aconteceu pela segunda vez uma anomalia com o controlo de atitude, levando ao gasto de gás de controlo. Foram então utilizados novos procedimentos a partir dessa altura para orientar o veículo, incluindo manobras tendo em conta a linha entre a sonda e o Sol, e a utilização do vento solar nos painéis solares para orientar o veículo. A órbita de Mercúrio foi atingida pela primeira vez às 2046UTC do dia 29 de Março de 1974 a uma distância de 704 km da superfície. Um segundo encontro com Mercúrio teve lugar a 21 de Setembro de 1974 a uma distância mínima de 48.069 km. Infelizmente neste encontro o hemisfério então iluminado era quase o mesmo do que no primeiro encontro, permanecendo assim por obter imagens de grande parte da superfície do planeta. O terceiro e último encontro com Mercúrio teve lugar a 16 de Março de 1975. Neste encontro a Mariner-10 passou a uma distância de 327 km da superfície do planeta e obteve mais 300 fotografias, levando a cano medições adicionais do seu campo magnético.

Até 24 de Março de 1975 continuaram os testes de engenharia com a sonda, altura em que o abastecimento de gás de controlo de atitude foi esgotado e a missão foi finalizada.

Os resultados da Mariner-10 mostraram a existência de uma circulação tipo-Hadley na atmosfera de Vénus e mostraram que este planeta possui, na melhor das hipóteses, um campo magnético extremamente fraco. A Mariner-10 mostrou também que a ionosfera de Vénus interage com o vento solar dando origem a uma onda de choque. Foi confirmado no planeta Mercúrio a inexistência de uma atmosfera espessa e observada uma superfície adormecida e repleta de crateras muito semelhante à lua terrestre. Foi mostrada a existência de um campo magnético fraco e de um núcleo rico em ferro relativamente grande. O custo da missão da Mariner-10 rondou os 100 milhões de dólares à época.