O futuro da ISS e a Guerra na Ucrânia

Com o conflito a desencadear-se na Ucrânia e a reacção dos parceiros estratégicos no programa da estação espacial internacional a adoptar um tom de condenação das hostilidades iniciadas pela Rússia, surge a questão sobre o futuro da colaboração entre esta e os restantes parceiros da ISS.

Apesar de já por várias vezes a Rússia ter referido que poderia separar os seus módulos dos restantes elementos da ISS, isto não é tecnicamente possível, pois ambos os segmentos estão profundamente integrados e ambos fornecem serviços que os outros necessitam.

Todas as funções de comando, controlo e de sistemas de suporte de vida, estão agora replicadas no segmento norte-americano. Porém, e ao contrário do que acontece no segmento russo, o segmento norte-americano não dispõe de apoio propulsivo, pois o segmento russo fornece toda a capacidade de elevação orbital para a ISS e os seus motores são os únicos meios de controlo de atitude propulsiva.

Usualmente, os giroscópios de controlo de momento do segmento norte-americano mantêm o controlo de atitude da ISS, porém por vezes os motores do segmento russo são necessários para grandes manobras de alteração de atitude.

Assim, a Rússia não pode simplesmente remover o apoio propulsivo do segmento norte-americano, pois ambos os segmentos estão fisicamente interligados e isso também iria envolver a remoção dessa capacidade deles próprios, o que resultaria que ambos os segmentos acabariam por reentrar na atmosfera no futuro.

Convém referir que o mais recente veículo logístico Cygnus que chegou à ISS a 21 de Fevereiro de 2022, está dotado, pela primeira vez, da capacidade de elevar a órbita da ISS. Porém, como o Cygnus é acoplado na ISS mesmo no centro da estação, a sua capacidade de fornecer controlo de atitude será certamente inadequada.

No entanto, apesar do problema da propulsão, a NASA tem um trunfo. O segmento russo da ISS foi originalmente projectado para ter o seu próprio sistema de fornecimento de energia solar na forma de uma torre solar, mas que acabaria por ser cancelado devido a razões orçamentais. Desde então, o segmento russo está dependente do segmento norte-americano para o fornecimento de energia eléctrica. Existe um componente denominado American-to-Russian Conversion Unit (ARCU) que transforma a energia de 124 VDC (segmento norte-americano) para 28 VDC (segmento russo). Sem isto, o segmento russo seria incapaz de produzir energia suficiente para se suportar.

A NASA poderia ameaçar desactivar este dispositivo, porém, tal como no cenário propulsivo, é uma ameaça oca. Um segmento russo sem a energia suficiente para operar não conseguiria fornecer apoio propulsivo, com a NASA a atingir um objectivo nulo com esta movimentação.

A Roscosmos e a NASA por vezes trocar “tempo de serviço da tripulação” para se ajudarem mutuamente nos seus respectivos segmentos. O lado russo poderia ordenar aos seus cosmonautas para encerrar de forma permanente a escotilha de acesso ao segmento norte-americano, o que tornava essencialmente os dois segmentos em duas estações espaciais «separadas». No entanto, isto traria problemas em cenários de emergência e é questionável se as próprias tripulações, que viveram e treinaram juntas durante anos, iriam cumprir esta ordem.

A área mais óbvia que poderia ser afectada seria no recente acordo recíproco de voar cosmonautas russos a bordo da cápsula Dragon em troca de transportar astronautas norte-americanos a bordo das cápsulas Soyuz MS. As condicionantes impostas pelas regulamentações ITAR e a atribuição de visa de entrada pode tornar estas em questões mais prementes entre os dois países.

Se os recentes acordos fossem cancelados, então a NASA poderia ter de retirar a sua tripulação do seu segmento caso as cápsulas Dragon ou o lançador Falcon-9 tivessem algum problema, pelo menos até os veículos Starliner estarem operacionais (o que parece não acontecer no espaço de um ano).

Assim, ambos os segmentos estão dependentes um do outro para poderem operar, o que implica que a NASA e a Roscosmos tenham de cooperar a algum nível.

De notar que, tecnicamente, a NASA «tem a posse» do módulo Zarya, tendo-o financiado à agência espacial russa para iniciar a construção da ISS em 1998. Por outro lado, o primeiro estágio do lançador Antares, utilizado para colocar em órbita o veículo logístico Cygnus, é fabricado na Ucrânia pela Yuzhnoye & Yuzhmash, com o motor RD-181 a ser de fabrico russo. A disponibilidade destes componentes pode-se tornar um assunto complicado. O veículo Cygnus pode ser lançado por foguetões Atlas-V, porém todos os lançamentos deste foguetão estão já reservados até à sua substituição pelo foguetão Vulcan.

Finalmente, o sistema de suporte de vida do segmento russo (e especificamente o sistema de fornecimento de oxigénio Elektron e o sistema de eliminação de CO2 Vozdukh) são antiquados, têm falhas frequentes e requerem manutenção. Se as escotilhas entre ambos os segmentos foram encerradas (o que impediria o fluxo de ar entre ambos), a Roscosmos estaria totalmente dependente dos seus próprios sistemas de suporte de vida e seria incapaz de ser apoiadas pelos sistemas da NASA em caso de uma falha.

Texto baseado numa thread no Twiiter de @Space_Pete