New Horizons em Plutão – fecha-se o ciclo do Grand Tour

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Eram 1149:57UTC do dia 14 de Julho de 2015 quando a sonda New Horizons fez a sua aproximação máxima à superfície de Plutão. Viajando a uma velocidade de cerca de 49.600 km/h, a sonda passou a 12.500 km de Plutão e a 28.800 km da sua maior lua, Caronte.

Este feito histórico que é sem dúvida um dos grandes marcos científicos do século XXI, representa na sua essência o encerramento do ciclo do Grand Tour e a primeira grande era de exploração espacial que foi iniciada em Outubro de 1960 quando a União Soviética tentou lançar as suas primeiras sondas lunares. Sendo um acontecimento que uma grande importância para toda a Humanidade, o Administrador da NASA, Charles Bolden, não se cansou de sublinhar que a New Horizons é uma sonda Norte-americana e que os Estados Unidos é a única nação a ter visitado todos os planetas do Sistema Solar.

A imagem em cima mostra Plutão a 13 de Julho de 2015 a quando da aproximação da sonda New Horizons. As imagens e os dados obtidos durante a fase de aproximação máxima chegam à Terra cerca de 4 horas após a passagem por Plutão e somente aí se sabe se a sonda sobreviveu ao encontro com o primeiro objecto da Cintura de Kuiper a ser explorado por uma missão robótica.

Recebida com o tema ‘Final Coutdown‘ dos Europe, a aproximação final da New Horizons completa o objectivo inicial das missões Voyager que nos anos 70 e 80 do século passado, visitaram todos os planetas exteriores do Sistema Solar. Na altura, Plutão era classificado como planeta, não tendo a sua actual classificação de ‘planeta-anão’.

Inicialmente, a Voyager-1 poderia ter a possibilidade de visitar o então último posto do Sistema Solar. Porém, a alteração da sua trajectória para permitir uma visita próxima da lua Titan de Saturno, colocou a Voyager-1 numa trajectória de escape do Sistema Solar e impediu uma passagem pelo pequeno planeta. O mesmo aconteceu com a Voyager-2 que ao ser colocada em rota para as visitas a Úrano e Neptuno, perdeu a possibilidade de visitar Plutão.

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Fazendo parte do programa New Frontiers, a New Horizons nasce basicamente da junção de várias missões projectadas para visitar os limites exteriores do Sistema Solar, e principalmente a partir das missões Pluto Fast Flyby e Pluto Kuiper Express. A missão Pluto Fast Flyby tinha como objectivo o estudo da atmosfera de Plutão enquanto que o pequeno planeta se encontrava numa parte da sua órbita na qual a sua atmosfera permanece em estado gasoso. Este estudo era importante para se perceber as características chave da atmosfera composta por azoto, metano e monóxido de carbono, atmosfera esta que se congela na superfície quando Plutão se desloca para a parte mais afastada da sua órbita em relação ao Sol.

Encontro com Plutão 5Com o cancelamento da Pluto Fast Flyby, a NASA projectou a missão Pluto Kuiper Express com o objectivo de estudar o sistema Plutão – Caronte e pelo menos um outro grande objecto na Cintura de Kuiper, onde Plutão e Caronte se encontram. Esta missão deveria visitar Plutão em 2013, mas devido a restrições orçamentais, a NASA cancelou a missão no ano 2000, o que levou a novos estudos para missões a Plutão. Dois conceitos foram então propostos, a missão New Horizons e a missão POSSE (Pluto and Outer Solar System Explorer), mas em Novembro de 2001 a New Horizons era seleccionada para o programa New Frontiers da NASA. Entre 2002 e 2005, a sonda seria construída pelo Southwest Research Institute e pelo Johns Hopkins Applied Physics Laboratory (APL).

Passando por Plutão

Fazendo uma viagem até Plutão quase sem incidentes, a New Horizons fez levantar alguns cabelos a 4 de Julho de 2015 devido a um pequeno problema que a levou a colocar-se de forma automática em modo de segurança. Apesar de muito noticiada pelos media, esta ocorrência não representou qualquer perda para a missão em si que a 8 de Julho entrava em modo de operações de proximidade, isto é, as operações de aproximação máxima. Neste dia os especialistas Norte-americanos receberam a fotografia em baixo que na altura era mais detalhada alguma vez obtida pelo instrumento LORRI. A imagem foi obtida no dia 7 de Julho quando a sonda se encontrava a cerca de 8 milhões de quilómetros daquele corpo celeste, tendo sido a primeira a ser recebida desde a anomalia do dia 4.

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A imagem está quase centrada na zona sobre a qual a New Horizons sobrevoou e observou em detalhe a 14 de Julho. Esta hemisfério de Plutão está dominado por três regiões de brilho variável. As zonas mais proeminentes são uma característica alongada e escura localizada no equador e que informalmente conhecida como “a baleia”, além de uma área em forma de coração romântico com uma largura de cerca de 2.000 km. Por cima destas características encontra-se uma região polar com um brilho intermédio.

Para a sua passagem por Plutão a sonda transporta vários instrumentos científicos de todas as suas actividades e operações estavam pré-programadas. Os instrumentos a bordo da New Horizons são o RALPH, uma câmara de alta resolução equipada com um telescópio de 0,08 metros e um conjunto de detectores: MVIC (Multispectral Visible Camera), que possui 3 detectores CCD a preto e branco e 4 detectores CCD a cores, e LEISA (Linear Ethalon Imaging Spectral Array), um espectrómetro de infravermelhos; ALICE, um espectrómetro de ultravioletas que cobre a área entre os 500 A e os 1800 A; LORRI (Long-Range Reconnaissance Imager), um sistema de observação com um telescópio com uma abertura de 0,21 metros e um detector de CCD para luz visível; PEPSSI (Pluto Energetic Particle Spectrometer Science Investigation), um espectrómetro de iões de alta energia; SWAP (Solar Wind At Pluto), um espectrómetro de partículas de baixa energia; SDC (Student Dust Counter), para medir os impactos das partículas de poeira; e o REX (Radio Experiment), que utiliza a antena principal para estudar a propagação de rádio através da atmosfera de Plutão.

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Os principais objectivos desta passagem por Plutão incluíam o mapeamento das composições químicas das superfícies de Plutão e Caronte, a caracterização das geologias globais e morfologias dos dois corpos celestes, e a caracterização da atmosfera neutra de Plutão e a seu índice de escape. Os objectivos secundários são a observação de Plutão e Caronte em estéreo com os instrumentos LORRI e RALPH; a caracterização da variação temporal da superfície e da atmosfera de Plutão, bem como da sua ionosfera e a sua interacção com o vento solar; mapeamento da composição química de áreas seleccionadas de Plutão e Caronte (determinadas durante a aproximação), além do mapeamento dos terminadores de Plutão e Caronte, das temperaturas à superfície nos dois corpos celestes e das superfícies de Nix, Hidra, Cérbero e Estige. Outros objectivos incluem a determinação das características bolométricas dos albedos de Bond de Plutão e Caronte; procura e determinação da composição de uma possível atmosfera em Caronte; e busca por hidrogénio neutro, hidrocarbonatos, cianeto de hidrogénio, e outros cianetos na atmosfera de Plutão (e possivelmente na atmosfera de Caronte). Outros objectivos terciários da missão são o refinamento do raio, massas e órbitas de Plutão e Caronte, busca por luas adicionais e anéis, e a caracterização do ambiente de partículas energéticas em Plutão e Caronte.

Os instrumentos da New Horizons começaram a mapear a superfície de Plutão e Caronte a 11 de Julho com uma resolução de 40 km. Estas operações foram iniciadas neste dia para garantir que todas as características da superfície dos dois corpos eram mapeadas à medida que Plutão e Caronte completavam uma revolução em torno dos seus eixos durante a campanha de aproximação e sobrevoo. Esta campanha permitiu que o instrumento LORRI conseguisse obter quatro mapas completos diurnos de Plutão com uma resolução máxima de 1,6 km.

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No dia 11 de Julho a New Horizons obteve a imagem em cima que mostra o que parecem ser novas características da superfície de Plutão e que são de grande interesse para o estudo geológico e geofísico do pequeno planeta. Pela primeira vez, são observadas características lineares que podem ser ravinas, bem como uma característica circular que poder ser uma cratera de impacto.

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Com todos os instrumentos focados em Plutão e Caronte durante a aproximação e sobrevoo, a investigação do planeta-anão não irá terminar assim que a sonda passe por ele. Como Caronte tem mais de metade do diâmetro de Plutão, o seu «grande» tamanho relativo e a sua posição «atrás» de Plutão (como será visto do Sol) na altura do sobrevoo, a luz reflectida a partir da superfície de Caronte para o lado nocturno de Plutão irá permitir mais observações do planeta.

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Para lá de Plutão

A New Horizons não tem como objectivo orbitar Plutão e depois de passar pelo pequeno planeta, a sonda irá continuar para os confins do Sistema Solar, penetrando profundamente na Cintura de Kuiper.  Os planos iniciais da missão previam que a New Horizons pudesse visitar pelo menos um ou dois objectos adicionais nesta região. Porém, e tendo em conta que o principal objectivo da missão era o estudo no sistema de Plutão, qualquer corpo a visitar após o encontro histórico terá de se encontrar a 1º da trajectória da sonda na altura do encontro com Plutão e ocorrer até um limite de 55 UA (Unidades Astronómicas).

A restrição de 1º é imposta devido à quantidade mínima de hidrazina que irá permanecer na sonda após a campanha de Plutão e a restrição das 55 UA está relacionada com as capacidades de comunicação da New Horizons, pois para lá dessa distância as ligações de comunicações irão se tornar muito fracas para permitir um sobrevoo e a fonte de energia já terá decaído demasiado para permitir as observações científicas de quaisquer objectos para lá dessa distância.

Os objectos a visitar por parte da New Horizons terão de ter mais de 50 km de diâmetro, serem de cor neutra e se possível possuírem uma lua. Em Outubro de 2014, o telescópio espacial Hubble havia revelado três possíveis candidatos para uma missão da New Horizons para lá de Plutão. Todos os objectos tinham entre 30 km a 55 km de diâmetro e foram observados a distâncias de 43 UA e 44 UA. Os objectos foram identificados como PT1, PT2 e PT3, e as estimativas de combustível para atingir estes objectos eram de 100%, 7% e 97%, respectivamente. Todos estes objectos têm uma baixa inclinação e uma baixa excentricidade, sendo estas características clássicas dos objectos na Cintura de Kuiper ao contrário de Plutão.

Caso o objecto PT1 seja seleccionado, a New Horizons poderá atingi-lo em Janeiro de 2019. Porém, o objecto PT3 pode ser o preferível, pois é mais brilhante e logo possivelmente de maior dimensões do que o objecto PT1. O objecto PT2 já não é considerado, e nesta altura o objecto PT1 (com um diâmetro entre 40 km a 70 km) parece ser o alvo proferido. UMa decisão final será tomada em Agosto de 2015.

Após este possível encontro, a New Horizons irá juntar-se às sondas Voyager na exploração dos limites exteriores do Sistema Solar, mapeando a heliosfera. Presentemente, estima-se que a New Horizons irá terminar a sua missão tendo por base o seu combustível atómico em 2026. Nesta altura, a obtenção de dados da heliosfera será intermitente com a divisão do fornecimento de energia pelos seus instrumentos, tal como é feito com as Voyager.

Caso a sonda ainda esteja a funcionar quando atingir a heliosfera exterior, espera-se que a New Horizons encontre a heliopausa em 2047 e se junte à Voyager-1 e à Voyager-2 no meio interestelar.

Relembrando o lançamento da New Horizons

O lançamento da New Horizons foi o primeiro lançamento orbital de 2006 e teve lugar às 1900:00UTC do dia 19 de Janeiro com um foguetão Atlas.5/551 (AV-010) a ser lançado desde a Plataforma de Lançamento SLC-41 do Cabo Canaveral AFS e a colocar a sonda New Horizons a caminho do planeta Plutão.

New-HorizonsO lançamento do Atlas-5/551, equipado com cinco propulsores laterais de combustível sólido, teve lugar após dois dias de adiamentos. A separação dos propulsores sólidos teve lugar a T+1m 45s (1901:45UTC) após o lançamento, caindo no Oceano Atlântico. A separação da ogiva de protecção da New Horizons com um diâmetro de 5 metros teve lugar às 1903:25UTC (T+3m 25s), seguindo-se alguns segundos mais tarde pela separação do denominado Centaur Forward Load Reactor (CFLR), uma secção que faz a ligação física entre o estágio Centaur de menor diâmetro e a ogiva de protecção da carga. O final da ignição do estágio Atlas teve lugar às 1904:27UTC (T+4m 27s) com a separação a ocorrer às 1904:33UTC (T+4m 33s) ao mesmo tempo que ocorria a ignição do estágio Centaur. O conjunto Centaur / New Horizons atingia a órbita terrestre às 1910:08UTC tendo um apogeu a 213 km de altitude e um perigeu a 167 km de altitude. O conjunto permaneceu nesta órbita durante quase 20 minutos e quando se encontrava sobre a África do Sul, o Centaur entrou novamente em ignição por 9 minutos elevando a órbita para os 800 km de altitude com uma velocidade de 12,4 km/s. O conjunto entrava assim numa órbita hiperbólica em direcção a Plutão.

Pelas 1939UTC o sistema de rotação no topo do estágio Centaur começou a rodar e o estágio de injecção Star-48B com a sua carga separava-se do estágio. O estágio Star-48B é o mesmo utilizado nos lançadores Delta-2 e nos estágios PAM-D utilizados nos vaivéns espaciais. Os estágios a combustível sólido devem ser colocados em rotação antes da sua ignição por forma a eliminar qualquer desalinhamento do seu vector de direcção, daí a necessidade de haver uma plataforma de rotação no topo do estágio Centaur (no entanto o Star-48B também possuí um conjunto de pequenos motores de hidrazina para corrigir qualquer notação indesejada). Após a queima do Star-48B a carga havia atingido a velocidade de escape não só em relação à Terra mas também relativamente ao Sol (16,2 km/s em relação à Terra e 42,6 km/s em relação ao Sol). A separação entre a New Horizons e o Star-48B teve lugar às 1944UTC. Pouco depois a sonda libertou dois pesos ‘yo-yo’ em longos cabos e à medida que a sonda rodava em relação ao seu eixo longitudinal os cabos desenrolavam-se e foram posteriormente libertados eliminando assim algum momento angular e deixando a sonda numa rotação mais lenta.

Imagens: NASA