A China levou a cabo com sucesso o lançamento do terceiro foguetão CZ-5 Chang Zheng-5 naquele que será sem dúvida o mais importante lançamento orbital de 2019 em termos do futuro das missões espaciais tripuladas e da exploração espacial não tripulada.
O lançamento do Chang Zheng-5 (Y3) transportando o satélite de comunicações experimental SJ-20 Shijian-20 teve lugar às 1245:10.256UTC do dia 27 de Dezembro de 2019 e foi levado a cabo a partir do Complexo de Lançamento LC101 do Centro de Lançamentos Espaciais de Wenchang, Ilha de Hainan.
O Shijian-20 ficou colocado numa órbita com um perigeu a 193 km, apogeu a 68.017 km e inclinação orbital de 19,54.º, a partir da qual irá manobrar para atingir a órbita geossíncrona.
O lançamento bem sucedido do terceiro CZ-5, depois do desaire verificado a 2 de Julho de 2017, abre as portas do futuro para o programa espacial da China tanto na sua vertente tripulada como não tripulada. A sua importância é vital para o programa espacial tripulado da China, pois este sucesso significa um importante passo para o primeiro voo da versão CZ-5B Chang Zheng-5B que será utilizada para colocar em órbita os diferentes componentes da estação espacial modular Tiangong em 2021. Por outro lado, significa que várias missões de exploração não tripuladas, nomeadamente a missão TW-1 Tianwen-1, para Marte, e a missão Chang’e-5, para a Lua, poderão vir a ser lançadas em 2020.
No período que antecedeu este lançamento os especialistas espaciais chineses procederam a um programa de testes intensivo do motor YF-77 que equipa o primeiro estágio do CZ-5. Um problema com um dos motores YF-77 do Chang Zheng-5 (Y2) levou ao fracasso da missão para colocar em órbita o satélite SJ-18 Shijian-18 e à suspensão dos voos deste lançador.
Naquele lançamento os problemas começaram a T+5m 47s quando uma pluma gasosa começou a emanar da base do foguetão. A emanação era perfeitamente visível na transmissão em directo do lançamento e os dados telemétricos do lançador mostravam um desempenho do primeiro estágio significativamente abaixo do previsto. O segundo estágio do lançador accionou os seus motores a cerca de T+10m para tentar compensar a perda de desempenho, mas o lançador continuou a perder altitude e acabaria por reentrar na atmosfera sobre o Mar das Filipinas.
As investigações iniciais ao ocorrido foram concluídas em Outubro de 2017, seguidas de 14 testes com motores YF-77 até Abril de 2018, quando as investigações iniciais foram concluídas. Foram feitas várias tentativas para encontrar no fundo do mar o motor YF-77 responsável pela falha de Julho de 2017 (utilizando o submarino Jiaolong em Outubro de 2017), mas o motor nunca foi encontrado. Os progressos para lançar o terceiro CZ-5 foram suspensos por duas vezes em Novembro de 2018 (falha num teste com um motor YF-77) e em Abril de 2019 (quando foram descobertas fissuras microscópicas em vários motores). Em ambos os casos, os lançadores estavam já no processo de montagem e os respectivos motores tiveram de ser removidos. Só em Julho de 2019 seria dada luz verde para a terceira missão.
Finalizados os testes do motor YF-77, era chegada a hora de transportar os diferentes componentes do Chang Zheng-5 (Y3) para o seu local de lançamento. Os navios de transporte Yuanwang-21 e Yuanwang-22 deixaram o porto da cidade industrial de Tianjin a 22 de Outubro, chegando à Ilha de Hainan no dia 27 de Outubro. Pouca informação foi divulgada sobre os preparativos para o lançamento, mas a 2 de Novembro um avião An-124 Antonov-124 aterrava em Wenchang transportando o satélite Shijian-20.
A 29 de Novembro era revelado que o lançamento teria lugar a 27 de Dezembro. O lançador seria transportado para o Complexo de Lançamento LC101 a 21 de Dezembro.
No lançamento do terceiro Chang Zheng-5 tudo correu como previsto. A separação dos quatro propulsores laterais teve lugar a T+2m 54,9s, seguindo-se a separação das duas metades da carenagem de protecção a T+4m 55,1s. A separação entre o primeiro e o segundo estágio ocorreu a T+8m 12,4s. O final da primeira queima do segundo estágio ocorre a T+12m 50,4s. A segunda queima do segundo estágio ocorre entre T+35m 33,9s e T+36m 10,9s, e a separação do satélite Shijian-20 ocorre a T+37m 21,2s.
A carga a bordo do Chang Zheng-5 (Y3)
A bordo do CZ-5 (Y3) encontrava-se o satélite experimental de comunicações SJ-20 Shijian-20.
O satélite Shijian-20 é um satélite de comunicações experimental tendo por base a nova plataforma DFH-5 desenvolvida pelo CAST (China Academy of Space Technology) d China Aerospace Science and Technology Corporation (CASC). A plataforma DFH-5 é uma grande plataforma de satélite da nova geração com uma massa no lançamento de 8.000 kg, contendo uma carga de 1.500 kg, proporcionando 18 kW de energia, com uma grande capacidade de carga, grande capacidade de dissipação de calor, um longo tempo de vida, etc., utilizando uma estrutura sectorial, sistemas de distribuição de energia de alta potência, sistemas electrónicos avançados e um sistema de propulsão iónica de alta potência, além de outras tecnologias avançadas para garantir as demandas dos serviços de comunicações e outros.
O desenvolvimento da plataforma DFH-5 irá levar a inovações tecnológicas na projecção e fabrico de veículos espaciais e noutras áreas relevantes, promovendo o melhoramento de grades plataformas de satélites, apoiando o desenvolvimento de infraestruturas civis e equipamento aeroespacial, e à criação de novas vantagens no competitivo mercado comercial internacional de satélites.
O novo satélite utiliza um sistema de propulsão iónica para a tingir a órbita geostacionária. Os motores LIPS-300 serão também utilizados para as manobras de manutenção orbital.
A longa marcha para o Chang Zheng-5
Tendo como objectivo a capacidade de possuir um lançador espacial capaz de orbitar cargas pesadas para a órbita de transferência geossíncrona (GTO) e para a órbita terrestre baixa (LEO), a China aprovou o desenvolvimento da família de lançadores Chang Zheng-5 em Junho de 2004. A nova família de lançadores deveria ser capaz de garantir as necessidades do futuro mercado de serviços de lançamentos orbitais, seria utilizada para colocar em órbita os módulos de uma grande estação espacial, iria ajudar a manter o desenvolvimento da tecnologia de lançadores espaciais da China, e impulsionar o desenvolvimento de tecnologias e da economia relacionada com o desenvolvimento de novos motores espaciais, novas tecnologias de soldagem, sistemas de controlo melhorados, etc.
O novo programa de desenvolvimento iria projectar uma nova série de veículos em vez de um lançador destinado a uma missão específica, para assim melhorar a capacidade da China para a ceder ao espaço. O novo programa iria aplicar tecnologias avançadas, tais como o desenvolvimento de um estágio de grande diâmetro e de motores mais potentes para aumentar a capacidade de lançamento de forma dramática, com o objectivo de lançar cargas de 25.000 kg para a LEO e de 14.000 kg para a GTO. O novo programa iria também projectar uma série de veículos tendo por base o princípio da generalização, serialização e modularização, com o propósito de suprimir as necessidades de lançar diferentes cargas. Os novos veículos lançadores deveriam utilizar propelentes não tóxicos e não poluentes, devendo ter um baixo custo, alta fiabilidade, e serem convenientes para ensaios e operacionalidade.
O novo sistema de lançamento da China tinha por base um conceito de modular utilizando dois novos motores e três módulos standard. Originalmente, o plano incluía três classes principais com variantes tendo um diâmetro de 5 metros, variantes com um diâmetro de 3,35 metros e uma configuração com um diâmetro de 2,25 metros.
Os três módulos standard eram o módulo H5-1 (5 metros de diâmetro com um comprimento de 31,0 metros e equipado com dois motores de LH/LOX de 50.000 kg, tendo uma massa de 175.000 kg), o módulo K3-1 (3,35 metros de diâmetro com um comprimento de 26,3 metros e equipado com dois motores de querosene/LOX de 120.000 kg, tendo uma massa de 147.000 kg) e o módulo K2-1 (2,25 metros de diâmetro com um comprimento de 25,0 metros e equipado com um motor de querosene/LOX de 120.000 kg, tendo uma massa de 69.000 kg).
Destes conceitos iniciais, derivaram os foguetões CZ-6 Chang Zheng-6 e CZ-7 Chang Zheng-7. Foi proposta uma série de variantes para o lançador de maior capacidade. Utilizando o estágio de 5 metros de diâmetro e diferentes configurações dos propulsores laterais e um estágio superior, foram propostas seis variantes para atingir diferentes capacidades de carga: Configuração A seria capaz de lançar 18.000 kg para a LEO, enquanto que a Configuração B e C seriam capazes de lançar 25.000 kg e 10.000 kg para a LEO, respectivamente. Para a órbita GTO, a Configuração D seria capaz de lançar 10.000 kg, enquanto que a configuração E e F seriam capazes de lançar 14.000 kg e 6.000 kg, respectivamente.
Eventualmente, somente duas variantes foram desenvolvidas: a variante básica do Chang Zheng-5 de dois estágios projectada para missões para a órbita GTO, e a variante de um único estágio (Chang Zheng-5B) para missões para a órbita terrestre baixa. Ambas as variantes estão equipadas com propulsores laterais de combustível líquido com um diâmetro de 3,25 metros. A variante básica do novo lançador é um veículo de dois estágios (5 metros de diâmetro) com quatro propulsores laterais (3,35 metros de diâmetro), sendo capaz de lançar 14.000 kg para GTO. O seu comprimento total é de 56,97 metros, massa de 869.000 kg e desenvolvendo 10.573 kN no lançamento.
O voo inaugural do CZ-5 estava inicialmente previsto para 2013, mas a Academia Chinesa de Tecnologia de Veículos Lançadores (CALT) e a Academia de Tecnologia de Voo Espacial de Xangai (SAST) tiveram de percorrer um duro caminho para a primeira missão. Enfrentando desafios tecnológicos enormes, o desenvolvimento dos motores YF-77 e YF-100 iria atrasar o desenvolvimento da nova família de lançadores.
O voo do CZ-5
Os componentes do lançador são fabricados na cidade industrial de Tianjin e depois transportados para o local de lançamento utilizando dois navios de carga construídos para esse efeito, o Yuanwang-21 e o Yuanwang-22. Os componentes são depois descarregados no porto de Qinglan que serve o Centro de Lançamentos Espaciais de Wenchang.
O primeiro estágio tem um comprimento de 31,02 metros e um diâmetro de 5,00 metros. Está equipado com dois motores YF-77 que consomem LOX/LH. O primeiro estágio tem uma massa de 175.800 kg, tendo uma massa de 17.800 kg sem propelentes.
O motor YF-77, desenvolvido pela Academia de Tecnologia de Propulsão de Lançamentos Aeroespaciais, é um motor de alta performance e altamente fiável projectado para os foguetões Chang Zheng-5. É o primeiro motor criogénico de alta-força desenvolvido pela China, dando um grande passo tecnológico tendo em conta os anteriores motores deste tipo, tais como o YF-75 que é utilizado nos estágios superiores dos foguetões Chang Zheng-3A e Chang Zheng-3B. Cada YF-77 proporciona 700 kN de força no vácuo e 510 kN de força ao nível do mar, tendo um impulso específico de 430 segundos (vácuo) e 310,2 segundos (nível do mar). O tempo de queima é de 520 segundos.
Os propulsores laterais têm um comprimento de 26,28 metros e um diâmetro de 3,25 metros. Cada propulsor está equipado com dois motores YF-100. Cada propulsor tem uma massa de 147.000 kg, tendo uma massa de 12.000 kg sem propelentes. O YF-100 consome querosene e LOX.
O desenvolvimento do YF-100 teve início em 2000 na Academia de Tecnologia de Propulsão Espacial Líquida. O motor foi certificado para Administração Estatal para a Ciência, Tecnologia e Industria para Defesa Nacional em Maio de 2012. É um motor de combustão de ciclo escalonado que desenvolve 1.199,48 kN ao nível do mar (1.339,48 kN no vácuo) com um impulso específico de 300 segundos (335 segundos no vácuo). O motor é também utilizado no foguetão CZ-6 Chang Zheng-6.
O segundo estágio tem um comprimento de 12,00 metros e um diâmetro de 5,00 metros. Está equipado com dois motores YF-75D que consomem LOX e LH. O segundo estágio tem uma massa de 26.000 kg, tendo uma massa de 3.100 kg sem propelentes a bordo.
O motor YF-75D desenvolve 88,26 kN no vácuo e tem um impulso específico de 442 segundos. O seu tempo de queima é de 780 segundos.
O estágio superior YZ-2 Yuanzheng-2 é um novo estágio superior desenvolvido especificamente para o CZ-5 pelo CALT. A sua função é a de transportar a carga da missão para a sua órbita sem que esta tenha de gastar o seu próprio propelente para atingir a órbita operacional. O seu diâmetro é de 5,2 metros e tem uma massa de 1.800 kg.
As cargas transportadas pelo Chang Zheng-5 são inicialmente protegidas por uma carenagem de protecção com um diâmetro de 5,2 metros e um comprimento de 12,5 metros.
Wenchang – um centro espacial para o futuro
O Centro de Lançamentos Espaciais de Wenchang está localizado no canto Nordeste da Ilha de Hainan na costa Sul da China.
O novo complexo de lançamento traz uma maior versatilidade que não proporcionada pelos restantes três locais de lançamento (Jiuquan, Xichang e Taiyuan). Wenchang fornece um aumento de performance para os lançadores que é ganho devido ao facto de se localizar a somente 19.º de latitude do equador terrestre. Isto reduz a quantidade de propelente que é necessário para o satélite manobrar a partir da sua órbita inicial para a órbita geossíncrona.
Os foguetões podem ser lançados numa direcção a Sudeste para o Pacífico Sul, evitando assim a possibilidade de destroços ou dos estágios caírem sobre zonas populacionais.
Wenchang está equipado com dois complexos de lançamento. O Complexo de Lançamento LC101 é utilizado para a família de foguetões CZ-5 Chang Zheng-5, enquanto que o Complexo de Lançamento LC201 é utilizado para o foguetão CZ-7 Chang Zheng-7. Ambas as plataforma de lançamento são similares e estão equipadas com uma torre umbilical fixa, fossos e condutas deflectoras de chamas. Tal como acontece nos outros coentros espaciais da China, as torres umbilicais possuem braços amovíveis que permitem o acesso dos técnicos aos diferentes estágios do lançador e à sua carga.
As plataformas de lançamento utilizam um sistema de supressão de ondas de choque, inundando a base da plataforma de lançamento e o fosso deflector das chamas com um grande volume de água para assim diminuir as ondas sonoras geradas pelos motores do veículo.
As plataformas são servidas por dois edifícios de integração e montagem. O Complexo de Lançamento LC101 é servido pelo Edifício 501, enquanto que o Complexo de Lançamento LC201 é servido pelo Edifício 502. Cada edifício tem uma altura de 99,4 metros permitindo a montagem e teste do veículo lançador na sua posição vertical já totalmente integrado. Esta é uma nova aproximação à maneira como os lançadores são preparados para as suas missões já que nos restantes centros de lançamento, os foguetões são montados no complexo de lançamento.
Após serem montados no edifício de integração e montagem sobre uma plataforma de lançamento móvel, o conjunto é transportado para o complexo de lançamento. A viagem demora vários minutos a percorrer os 2.800 metros que separação os dois edifícios. Após chegar à plataforma de lançamento, a estrutura móvel é colocada sobre o fosso das chamas e procede-se à ligação das conexões umbilicais entre a estrutura fixa e a plataforma móvel que contém o lançador.
Dados estatísticos e próximos lançamentos
– Lançamento orbital: 5907
– Lançamento orbital China: 3256 (55,13%)
– Lançamento orbital desde Plesetsk: 1632 (27,63% – 50,12%)
Os quadro seguinte mostra os lançamentos previstos e realizados em 2019 por polígono de lançamento.
Os próximos lançamentos orbitais previstos são (hora UTC):
5908 – 03 Jan (0345:XX) – Falcon 9-079 – Cabo Canaveral AFS, SLC-40 – Starlink v1.0 F2 (x60)
5909 – 05 Jan (XXXX:XX) – KZ-1A Kuaizhou-1A (Y6) – Jiuquan – Xingyun-2 01, Xingyun-2 02
5910 – 15 Jan (0253:00) – CZ-2D Chang Zhen-2D – Taiyuan, LC9 – Jilin-1 Kuanfu-01, Sophie (ÑuSat-7), Marie (ÑuSat-8)
5911 – 15 Jan (XXXX:XX) – GSLV MkII F10 – Satish Dawan SHAR, SLP – GISAT-1
5912 – 16 Jan (2105:07) – Ariane-5ECA (VA251) – CSG Kourou, ELA3 – Eutelsat Konnect, GSat-30