A missão internacional Cassini fez uma detecção surpreendente de uma molécula que é fundamental na produção de compostos orgânicos complexos, dentro da atmosfera nebulosa da lua de Saturno, Titã.
Titã possui uma atmosfera de azoto e metano com algumas das químicas mais complexas observadas no Sistema Solar. Pensa-se mesmo que seja semelhante à atmosfera inicial da Terra, antes da acumulação de oxigénio. Como tal, Titã pode ser vista como um laboratório de escala planetária, que pode ser estudado para entender as reacções químicas que podem ter levado à vida na Terra, e isso poderia estar a ocorrer em planetas em torno de outras estrelas.
Na atmosfera superior de Titã, o azoto e o metano são expostos à energia da luz solar e às partículas energéticas na magnetosfera de Saturno. Estas fontes de energia geram reacções que envolvem azoto, hidrogénio e carbono, que originam compostos pré-bióticos mais complicados.
Estas grandes moléculas deslocam-se para a atmosfera mais baixa, formando uma neblina espessa de aerossóis orgânicos, e pensa-se que, eventualmente, alcancem a superfície. Mas o processo pelo qual as moléculas simples na atmosfera superior são transformadas em neblina orgânica complexa, em altitudes mais baixas, é complicada e difícil de determinar.
Num novo estudo publicado na Astrophysical Journal Letters, os cientistas identificaram algumas das espécies carregadas negativamente, tais como os “aniões da cadeia de carbono”. Estas moléculas lineares são entendidas como blocos de construção para moléculas mais complexas e podem ter actuado como base para as primeiras formas de vida na Terra.
As detecções foram feitas usando o espectrómetro de plasma de Cassini, chamado CAPS, quando Cassini voou pela atmosfera superior de Titã, cerca de 950-1300 km acima da superfície. Curiosamente, os dados mostraram que as cadeias de carbono se tornaram mais reduzidas quando próximas da lua, enquanto os precursores de moléculas de aerossóis maiores sofreram um crescimento rápido, sugerindo uma relação íntima entre os dois, com as cadeias a “semearem” as moléculas maiores.
“Fizemos a primeira identificação inequívoca de aniões da cadeia de carbono, numa atmosfera semelhante a um planeta, que acreditamos ser um pilar decisivo na linha de produção de moléculas orgânicas maiores e mais complexas, como as grandes partículas da neblina da lua,” diz Ravi Desai da University College London e autor principal do estudo.
“Este é um processo conhecido no meio interestelar, mas agora observámo-lo num ambiente completamente diferente, o que significa que poderia representar um processo universal para a produção de moléculas orgânicas complexas.
“A questão é, poderia isto estar a acontecer também dentro de outras atmosferas de azoto-metano, como em Plutão ou Triton, ou em exoplanetas com propriedades semelhantes?”
“A perspetiva de um caminho universal para os ingredientes para a vida tem implicações para o que devemos procurar na pesquisa de vida no Universo”, diz o co-autor Andrew Coates, também da UCL, e co-investigador da CAPS.
“Titã apresenta um exemplo local de química excitante e exótica, da qual temos muito a aprender.”
A odisseia de 13 anos de Cassini, no sistema de Saturno, em breve chegará ao fim, mas futuras missões, como o telescópio espacial internacional James Webb e a missão exoplaneta Plato da ESA, estão a ser equipadas para procurar este processo, não só no nosso Sistema Solar, mas também noutros lugares. Instalações avançadas baseadas no solo, como a ALMA, também poderiam permitir observações de acompanhamento deste processo operacional na atmosfera de Titã, a partir da Terra.
“Estes resultados inspiradores de Cassini mostram a importância de traçar a jornada de pequenas e grandes espécies químicas, a fim de entender como as moléculas orgânicas complexas são produzidas numa atmosfera semelhante à atmosfera inicial da Terra”, acrescenta Nicolas Altobelli, cientista do projecto Cassini da ESA.
“Embora não tenhamos detectado ‘vida’ em si, encontrar produtos orgânicos complexos, não apenas em Titã, mas também em cometas e em todo o meio interestelar, estamos certamente perto de encontrar os seus precursores.”
Notícia e imagens: ESA
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