Ciência na superfície de um cometa

CIVA 1

Moléculas complexas que poderão ser os blocos de construção da vida, as responsáveis pela subida e descida diária da temperatura, e um barómetro das propriedades à superfície e da estrutura interna do cometa são apenas alguns dos destaques das primeiras análises científicas aos dados recolhidos pelo lander da Rosetta, Philae, em Novembro passado.

Os resultados preliminares do primeiro lote de observações científicas do Philae ao Cometa 67P/Churyumov¬-Gerasimenko foram publicados numa edição especial da revista Science.

Os dados foram obtidos durante a descida de sete horas do lander, em direcção ao local de aterragem Agilkia, o que desencadeou então o início de uma sequência de experiências pré-definidas. Mas logo após a aterragem, tornou-se perceptível que o Philae tinha ressaltado daí que algumas das medições tenham sido feitas enquanto o lander voou por mais duas horas, cerca de 100 metros acima do cometa, até aterrar finalmente em Abydos.

Cerca de 80% da primeira sequência científica foi concluída nas 64 horas que se seguiram à separação, antes do Philae ter entrado em hibernação, com o bónus inesperado de os dados terem sido recolhidos em mais do que um local, permitindo fazer comparações entre os dois locais de aterragem.

Ciência em voo

Depois da primeira aterragem em Agilkia, os instrumentos detectores de gás Ptolemy e COSAC analisaram as amostras recolhidas pelo lander e determinaram a composição química do gás e do pó do cometa, sinais importantes dos materiais presentes nos primórdios do Sistema Solar.

O COSAC analisou amostras recolhidas durante a primeira aterragem, onde predominam os ingredientes voláteis de grãos de pó pobres em gelo. Isto revelou uma panóplia de 16 compostos orgânicos que incluem inúmeros compostos ricos em carbono e nitrogénio, incluindo quatro compostos – isocianato de metilo, acetona, propanal e acetamida – que até hoje não tinham sido detectados em cometas.

Entretanto, o Ptolemy recolheu amostras de gás ambiente que entrou nos tubos no topo do lander e detetou os principais componentes do gás da cauda – vapor de água, monóxido de carbono e dióxido de carbono, bem como pequenas quantidades de compostos orgânicos com carbono, incluindo formaldeído.

De notar que alguns destes componentes detectados pelo Ptolemy e pelo COSAC desempenham um papel essencial na síntese pré-biótica de aminoácidos, açucares e bases nitrogenadas. Por exemplo, o formaldeído está envolvido na formação da ribose, que em última análise surge em moléculas como o DNA.

A existência de moléculas tão complexas num cometa, um resquício do Sistema Solar primitivo, implicam que os processos químicos em funcionamento durante aquela altura poderão ter tido um papel essencial na promoção da formação de material pré-biótico.

Da superfície para o interior

Os instrumentos MUPUS deram-nos uma visão das propriedades físicas de Abydos. O seu ´martelo´penetrante mostrou que o material à superfície e por baixo desta que foi recolhido é substancialmente mais duro do que o existente em Agilkia, tal como já tinha sido inferido pela análise mecânica da primeira aterragem.

Estes resultados apontam para uma fina camada de pó com menos de 3 cm de espessura por cima de uma mistura compacta e bem mais dura de gelo e poeira em Abydos. Em Agilkia, esta camada mais dura pode muito bem existir a uma profundidade muito maior do que a detectada pelo Philae.

O sensor térmico do MUPUS, na varanda do Philae, revelou uma variação na temperatura local entre –180ºC e –145ºC, sincronizada com o dia no cometa de 12,4 horas. A inércia térmica sugerida pela rápida subida e descida da temperatura também indica a presença de uma fina camada de pó por cima de uma compacta crosta de gelo.

Abaixo da superfície, a informação foi recolhida pelo CONSERT, que envia ondas de rádio através do núcleo, entre o lander e o orbitador.

Os resultados mostram que o lobo mais pequeno do cometa é consistente com baixa compactação (porosidade 75–85%) mistura de pó e gelo (razão pó-gelo 0.4–2.6 por volume) que é relativamente homogénea numa escala de dez metros.

Além disso, o CONSERT foi usado para ajudar a triangular a localização do Philae à superfície, com a melhor solução a apontar para uma área de 21 x 34 m

Em conjunto, estas medições pioneiras feitas na superfície do cometa estão a mudar profundamente a nossa visão destes mundos, continuando a moldar a nossa ideia do Sistema Solar,” diz Jean-Pierre Bibring, cientista do lander e investigador principal do instrumento CIVA em Orsay, França.

A reactivação iria permitir-nos completar a composição em termos de elementos, isotópica e molecular do material do cometa, em particular das suas fases refractárias, pelo APXS, CIVA-M, Ptolemy e COSAC.

Com o Philae a estabelecer contacto outra vez em meados de Junho, ainda esperamos que possa ser reactivado para continuar esta excitante aventura, com a hipótese de surgirem mais medições científicas e novas imagens que nos poderiam mostrar alterações de superfície ou desvios na posição do Philae desde a aterragem há mais de oito meses,” diz o responsável pelo lander da DLR, Stephan Ulamec.

Estas observações em vários locais apoiam as extensas medições feitas remotamente pela Rosetta, cobrindo todo o cometa desde cima, ao longo do último,” diz Nicolas Altobelli, cientista de projecto da ESA.

Com o periélio a aproximar-se rapidamente, estamos muito ocupados a monitorizar a actividade do cometa a uma distância segura, procurando alterações nas características da superfície, e esperamos que o Philae seja capaz de nos enviar relatórios complementares a partir da sua localização no terreno.”

Notícia e imagem: ESA