Dez aeronaves, desde a Venus Express da ESA à Voyager-2 da NASA, sentiram o efeito de uma erupção solar à medida que esta atravessava o sistema solar, enquanto três satélites em órbita terrestre assistiram, proporcionando uma perspectiva única nestas condições meteorológicas espaciais.
Os cientistas que trabalhavam na Mars Express da ESA estavam ansiosos por investigar os efeitos do contacto próximo do Cometa Siding Spring na atmosfera do Planeta Vermelho, a 19 de Outubro de 2014, mas em vez disso, descobriram o que acabou por ser a marca de um evento solar.
Embora isso tenha tornado a análise de qualquer efeito relacionado com o cometa muito mais complexa do que o previsto, desencadeou um dos maiores esforços colaborativos para traçar a jornada de uma “ejecção de massa coronal interplanetária” – CME (‘coronal mass ejection’) – do Sol ao alcance distante do Sistema solar externo.
Embora a Terra em si não estivesse na linha de fogo, uma série de satélites de observação solar próximos da Terra – Proba-2 da ESA, o SOHO da ESA/NASA e o Observatório de Dinâmica Solar da NASA – testemunharam uma poderosa erupção solar alguns dias antes, a 14 Outubro.
O Stereo-A da NASA não só capturou imagens do outro lado do Sol em relação à Terra, mas também recolheu informações in situ, à medida que a CME passou apressadamente.
Graças aos locais fortuitos de outros satélites na direcção da viagem da CME, foram feitas detecções inequívocas por três sondas de Marte – Mars Express da ESA, Maven da NASA e Mars Odyssey – e o Rover Curiosity da NASA, que operava na superfície do Planeta Vermelho, a Rosetta da ESA no Comet 67P/Churyumov-Gerasimenko, e a missão internacional Cassini em Saturno.
Foram até encontrados vestígios tão longe quanto o New Horizons da NASA que, na altura, se aproximava de Plutão, e para além do Voyager-2. No entanto, nessas grandes distâncias é possível que a evidência dessa erupção específica se possa ter fundido com o vento solar de fundo.
“As velocidades de uma CME com distância ao Sol não estão bem compreendidas, em particular no Sistema Solar externo”, diz Olivier Witasse, da ESA, que liderou o estudo.
“Graças às cronometragens precisas de inúmeras medições in situ, podemos entender melhor o processo e devolver os nossos resultados aos modelos.”
As medições dão uma indicação da velocidade e da direcção da viagem da CME, a qual alastrou sobre um ângulo de pelo menos 116º para alcançar a Venus Express e o Stereo-A no flanco oriental, e as sondas espaciais em Marte e no Comet 67P/Churyumov-Gerasimenko, no flanco ocidental.
A partir de um máximo inicial de cerca de 1000 km/s estimado no Sol, foi mensurada uma forte queda para 647 km/s pela Mars Express três dias depois, diminuindo para 550 k/s na Rosetta, após cinco dias. Isto foi seguido por uma diminuição mais gradual para 450-500 km/s à distância de Saturno, um mês após o evento.
Os dados também revelaram a evolução da estrutura magnética da CME, com os efeitos sentidos pela sonda espacial durante vários dias, fornecendo informações úteis sobre os efeitos das condições meteorológicas espaciais em diferentes corpos planetários. As assinaturas nas várias aeronaves incluíam, caracteristicamente, um choque inicial, um fortalecimento do campo magnético e um aumento da velocidade do vento solar.
No caso da Venus Express da ESA, o seu pacote de ciência não foi activado porque a sonda estava “por trás” do Sol, vista da Terra, limitando as capacidades de comunicação. Uma pequena indicação foi inferida a partir do seu rastreador estelar, ao ser sobrecarregado com a radiação no momento esperado de passagem.
Além disso, várias aeronaves que transportam monitores de radiação – Curiosity, Mars Odyssey, Rosetta e Cassini – revelaram um efeito interessante e bem conhecido: uma diminuição súbita nos raios cósmicos galácticos. À medida que uma CME passa, age como uma bolha protectora, varrendo temporariamente os raios cósmicos e protegendo parcialmente o planeta ou a nave espacial.
Uma queda de cerca de 20% nos raios cósmicos foi observada em Marte – uma das mais profundas registadas no Planeta Vermelho – e persistiu por cerca de 35 horas. Na Rosetta, observou-se uma redução de 17% que durou 60 horas, enquanto que em Saturno a redução foi ligeiramente inferior e durou cerca de quatro dias. O aumento na duração da depressão dos raios cósmicos corresponde a uma desaceleração da CME e da região mais ampla sobre a qual foi dispersa em distâncias maiores.
“A comparação da diminuição do influxo de raios cósmicos galácticos em três locais amplamente separados devido à mesma CME é bastante nova”, diz Olivier. “Embora as observações de CMEs por várias aeronaves já tenham sido feitas no passado, é incomum que as circunstâncias sejam tais para incluir tantas espalhadas pelo Sistema Solar interno e externo, como neste caso.
“Finalmente, voltando à nossa observação original pretendida, da passagem do Cometa Siding Spring em Marte, os resultados mostram a importância de ter um contexto das condições meteorológicas espaciais, para entender como estes eventos solares podem influenciar, ou até mesmo ocultar, a assinatura do cometa na atmosfera de um planeta.”
Notícia e imagens: ESA
Texto corrigido para Língua Portuguesa pré-AO90