O épico voo da Voskhod-1 constitui ainda hoje uma das façanhas mais espectaculares da Conquista Espacial e da Corrida Espacial entre a União Soviética e os Estados Unidos. Tendo lugar nos primeiros anos da exploração do cosmos, esta missão foi vista na altura como um tremendo avanço tecnológico com o primeiro lançamento de três cosmonautas numa única cápsula espacial. De facto, o que foi apresentado como um verdadeiro paço de gigante foi na realidade mais um acto numa peça na qual os principais actores arriscaram as suas vidas pelo prestígio político de dois sistemas que se gladiavam no novo palco cósmico.
Três homens numa cápsula
Sendo a evolução natural, o voo da Voskhod-1 surge como uma resposta ao iminente início das missões espaciais Gemini por parte dos Estados Unidos. Naquele tempo a Corrida Espacial vivia de feitos espectaculares e a União Soviética já se havia habituado a espantar o mundo com os seus feitos. Assim, Serguei Korolev, um dos pais da cosmonáutica soviética, foi incumbido de transformar a cápsula Vostok num veículo capaz de transportar três cosmonautas, numa primeira missão, e mais tarde ser a base a partir da qual seria levada a cabo a primeira actividade extraveícular (ou passeio espacial).
Tal como já havia acontecido em programas espaciais anteriores, ocorreram inúmeros problemas à medida que os especialistas soviéticos iam limando as arestas na preparação para o lançamento de dois veículos Voskhod, uma primeira missão não tripulada e a missão tripulada em si. A transformação das cápsulas Vostok não foi tarefa fácil com a eliminação de numerosos sistemas e a introdução de outros que permitissem a sobrevivência da tripulação em órbita. A 29 de Setembro de 1964, a duas semanas do lançamento, o principal responsável pela fabricação das «novas» cápsulas espacial, Yevgeniy A. Frolov, referia que os pontos de fixação dos cintos de segurança dos assentos Elbrus estavam três milímetros desalinhados com os buracos respectivos. Aparentemente, a fuselagem do veículo havia-se deformado durante a viagem entre Kaliningrado, o local de fabrico, e o cosmódromo de Baikonur. Nesse mesmo dia ocorria a falha da instrumentação de telemetria Tral-1P. O Desenhador Chefe Alexey F. Bogomolov, do Bureau de Desenho Experimental do Instituto de Energia de Moscovo, confirmava na reunião da Comissão Estatal que supervisionava os preparativos para o lançamento, que todo o veículo tinha de ser completamente desmontado e que a parte em falha teria de ser substituída e testada, adiando assim a missão por sete dias. Bogomolov não era um iniciante no programa espacial, pois havia sido ele que havia fornecido o equipamento de telemetria para o primeiro lançador do Sputnik, tendo também dirigido o desenho dos sistemas de rádio, dos gravadores de dados de bordo, os sistemas de telemetria, os sistemas de televisão, e as antenas de comunicações para o segmento de solo. Apesar das suas significativas contribuições, e por razões inexplicáveis, a sua influência e respeito eram apenas marginais. Talvez tenha sido injustamente culpado pelo facto de o Sputnik-3 não ter detectado as cinturas de radiações de Van Allen, e com os recentes problemas na preparação da Voskhod, Korolev culpou-o destes atrasos. De forma desesperada, Bogomolov tentou defender a sua posição mas a reacção de Korolev era de alguém que não queria saber de justificações.
O lançamento da Voskohd dependia em grande parte dos testes do módulo de descida lançado a partir de um avião em voo para testar o sistema de pára-quedas. Sublinhando a importância destes testes, Korolev visitou Feodosiya a 5 de Outubro para observar os testes juntamente com Petr V, Flerov, amigo de longa data de Korolev e responsável por este tipo de testes. Korolev viajou de avião para a Crimeia e depois foi transferido directamente para um helicóptero que iria escoltar o avião Antonov An-12 que iria largar o módulo. Apesar da presença de muitas nuvens, Korolev foi capaz de observar a sequência de aterragem completa com os motores de combustível sólido que se encontravam sobre os pára-quedas a entrarem em ignição e a abrandarem o módulo até este quase parar momentos antes de tocar o solo. Com este sucesso, Korolev regressa a Baikonur a 6 de Outubro e mesmo a tempo para o lançamento do primeiro veículo 3KV (o Voshkod-3KV nº 2). O lançamento teve lugar às 0712UTC com um foguetão 11A57 Voskhod a colocar a cápsula numa órbita com um apogeu a 413 km de altitude, perigeu a 177 km de altitude e inclinação orbital de 64,77.º. Após entrar em órbita terrestre o veículo recebeu a designação Cosmos 47, disfarçando assim a sua verdadeira missão.
O Cosmos 47 permaneceu em órbita durante a noite com os especialistas a testarem todos os seus sistemas. Não ocorreu qualquer problema durante a missão e o módulo de descida com os três manequins a bordo aterrou com sucesso por pára-quedas no dia 7 de Outubro após um voo de 1 dia e 18 minutos. Após a aterragem ventos muito fortes arrastaram a cápsula durante 160 metros desde o ponto de aterragem, mas caso tivesse uma tripulação a bordo esta não teria de suportar tal façanha pois poderia facilmente separar os pára-quedas da cápsula.
Os resultados dos testes em Feodosiya juntamente com o sucesso da missão do Cosmos 47, permitiram à Comissão Estatal avançar em frente com um plano concreto de lançamento para o voo tripulado. A comissão, sob a presidência de Georgy A. Tyulin, reuniu-se a 9 de Outubro para discutir os aspectos técnicos finais. Um problema registado em testes anteriores do motor RD-0108 no terceiro estágio do foguetão lançador 11A57 Voskhod, foi atribuído a problemas com as plataformas de ensaio. O Tenente-General Nikolay P. Kamanin propôs formalmente a tripulação constituída pelos cosmonautas Vladimir Mikhailovich Komarov, Konstantin Petrovich Feoktistov e Boris Borisovich Yegorov, com os membros da comissão a confirmarem de forma unânime a escolha. Estes cosmonautas estavam presentes nesta reunião, com Korolev, Yuri Gagarin, Tyulin e outros a desejarem boa sorte para a sua missão. O lançamento foi programado para a manhã do dia 12 de Outubro.
Problemas sérios atingiram os preparativos no dia 11 de Outubro na noite anterior ao lançamento, quando Bogomolov entrou nas instalações de Korolev com más notícias que referiam a existência de um problema adicional com o sistema de telemetria Tral-1P e que requeria a substituição do transmissor (um adiamento medido em minutos). Com uma grande carga de stress, Korolev perdeu as estribeiras e humilhou Bogomolov em frente de Tyulin, Kamanin e outros, gritando: “Eu não quero ter mais nada haver contigo. Vai-te embora – eu nem suporto estar na mesma sala contigo!” Com esta explosão de fúria Korolev descia do seu pedestal de organizador talentoso para a miríade vulgar. A falha relatada por Bogomolov acabaria por ser rapidamente reparada e o lançamento não teve de ser adiado.
Teve lugar uma breve reunião da Comissão Estatal na fria mas clara manhã do dia 12 de Outubro, somente a 200 metros da plataforma de lançamento. Todos declararam que a cápsula espacial estava pronta para o lançamento.
O autocarro com os três cosmonautas chegou à plataforma de lançamento e os três homens cumprimentaram os representantes presentes. Os cosmonautas envergavam calças de lã cinzentas, camisas e casacos leves. Cada um deles possuía um conjunto com microfones e auscultadores. Tyulin, Korolev, Gagarin e outros acompanharam Vladimir Komarov, Konstantin Feoktistov e Boris Yegorov até à base da plataforma de lançamento, entrando depois no elevador que daria acesso no topo à cápsula espacial. No topo da plataforma, os três homens despiram os seus casacos e descalçaram as suas botas, entrando na cápsula de seguida: primeiro Yegorov, depois Feoktistov e finalmente o Comandante Komarov.
A tensão vivida nos momentos finais da contagem decrescente era talvez superior do que em qualquer outro voo anterior desde a missão de Gagarin. Sem haver um sistema de emergência capaz de socorrer os três cosmonautas durante os primeiros minutos do lançamento, não havia maneira de salvar a tripulação em caso de acidente com o foguetão lançador. Korolev estava tão nervoso que se encontrava num estado de tremuras.
O lançamento do veículo 3KV nº 3 teve lugar às 0730:01UTC do dia 12 de Outubro de 1964 e foi levado a cabo por um foguetão 11A57 Voskhod 11A57 Voskhod (Р15000-04).
Um novo feito espectacular marcava a Corrida Espacial com a União Soviética a lançar pela primeira vez três homens para o espaço no interior de uma cápsula espacial.
A T+8m 43s (0738:44UTC) a Voskhod-1 separava-se do estágio superior do foguetão lançador e era colocada numa órbita com um apogeu a 408 km de altitude, perigeu a 177,5 km de altitude e inclinação orbital de 64,9.º. Tal como havia acontecido com os anteriores feitos espaciais soviéticos, a reacção do mundo ocidental foi sem precedentes, levando a uma nova ronda de discussões sobre os planos soviéticos de conquista lunar. Após a entrada em órbita teve lugar a costumaria conversação com os membros do Presidium dos Sovietes, Nikita Khrushchev e Anastas I. Mikoyan, bem como transmitidas aos participantes dos Jogos Olímpicos de Tóquio.
Cada membro da tripulação estava treinado para levar a cabo as suas tarefas individuais durante a missão. Komarov, como comandante da missão, tinha a responsabilidade geral pela funcionalidade dos sistemas do veículo. Entre as suas tarefas específicas estava a operação na sexta e sétima órbitas de um conjunto de motores iónicos electrostáticos instalados no exterior da cápsula. Este era a primeira ocasião na qual tais motores eram testados durante o voo orbital. Por seu lado, Feoktistov levou a cabo um variado número de observações visuais, fotométricas e fotográficas da Terra e da sua atmosfera, das auroras polares e das partículas luminescentes, além dos fundos zodiacais e estelares para propósitos de navegação e de orientação. Durante vários pontos na missão, ele descreveu ‘partículas luminosas’ no exterior da escotilha de observação, muito similares aos famosos ‘pirilampos’ observados pelo astronauta norte-americano John Herschell Glenn durante a sua missão em 1962. Feoktistov também utilizou um sextante como parte de uma experiência para medir de forma precisa a elevação das estrelas em relação ao horizonte.
As pesquisas mais extensivas levadas a cabo a bordo estiveram centradas nas pesquisas biomédicas. Para uma missão tão curta e até certo ponto conservadora, o leque de experiências médicas levadas a cabo foi impressionante. O instrumento Polinom transportado a bordo foi utilizado para a realização de vários testes funcionais que incluíam uma série de movimentos oculares numa sequência predeterminada antes e após dez rotações da cabeça enquanto se procedia ao registo de óculogramas; a abertura e o fecho periódico dos olhos durante o registo de encefalogramas; e a pressão rítmica da mão numa pressão constante durante um minuto, cujos resultados eram gravados num dinamógrafo. Os cosmonautas também levaram a cabo um teste para medir a coordenação dos movimentos enquanto desenhavam quatro espirais complexas, quatro figuras de ‘6’ e uma assinatura com os olhos abertos e fechados. Os resultados foram medidos por um transdutor electromagnético. Yegorov, o primeiro médico no espaço, participou de forma activa em sete áreas de experiências médicas sendo estas a observação da condição e do comportamento dos seus companheiros; pesquisas sobre os reflexos tácteis, dolorosos e de tendões; observação da actividade oral; testes psicofisiológicos para determinar a rapidez e a precisão do processamento de informação utilizando tabelas de correcção; medição da pressão arterial; determinação dos limites de sensibilidade para estímulos adequados e inadequados; e determinação da precisão da visão e das capacidades de fusão dos músculos oculares.
Yegorov também recolheu amostras de sangue da tripulação. Para além dos três cosmonautas, outros espécimes biológicos seguiam a bordo da Voskhod-1, incluindo células cancerígenas humanas, células de fibrolastos, ovos e esperma de rãs, e dois tipos de bactérias. A Drasophila foi transportada na maior parte das missões tripuladas devido ao facto de se multiplicarem tão rapidamente que o efeito da microgravidade e da radiação em sucessivas gerações pode assim ser observado.
O programa de treino extremamente curto para Feoktistov e Yegorov ficou demonstrado nas suas reacções à ausência de peso. Duas a três horas após o lançamento, ambos os cosmonautas começaram a experimentar sintomas de desorientação espacial. Yegorov referiu que parecia estar debruçado com o seu rosto para baixo, enquanto que Feoktistov referia sentir-se de pernas para o ar. Apesar destas sensações não impedirem as suas capacidades para levarem a cabo as diferentes tarefas atribuídas, ambos sofreram estas sensações durante toda a missão – uma anomalia que não havia sido detectada em anteriores missões soviéticas. Ambos os cosmonautas também sentiram tonturas quando moviam as suas cabeças rapidamente. Yegorov terá sido o mais afectado, com as sensações desconfortáveis a atingirem o ponto mais elevado cerca de sete horas após o lançamento.
A curta missão prosseguiu sem muitos problemas. Na sexta e na sétima órbitas, o sistema de televisão a bordo, Topaz, enviou imagens ao vivo da tripulação para o centro de controlo. As comunicações com os cosmonautas eram apenas suportadas através dos transmissores de sinais VHF devido ao facto de que os transmissores UHF não se encontrarem operacionais por causa de interferências da cintura de radiações terrestre. Deu-se um blackout nas comunicações durante seis órbitas, entre a 8.ª e a 13.ª órbita, mas quando os controladores readquiriram o contacto, todos os parâmetros a bordo da Voskhod-1 estavam dentro dos limites aceitáveis. As únicas anomalias registadas no voo envolveram pequenos problemas. Durante as primeiras seis órbitas, a temperatura no interior da cápsula subiu de 15ºC para 21ºC, indicando algum tipo de sobreaquecimento de um componente. Mais tarde, na 7.ª órbita, Alexander N. Babiychuk, Chefe do Serviço Médico da Força Aérea, criou algum alarmismo quando os dados telemétricos mostraram que as pulsações de Yegorov haviam descido para as 46 enquanto estava a dormir. Em pânico, Kamanin pediu a Komarov para verificar o valor, e este relatou que a pulsação de Yegorov era de 68. Isto foi mais tarde confirmado por outros dados telemétricos.
A missão deveria durar exactamente um dia, mas quando Korolev estava pronto para ordenar a manobra de regresso, Komarov sentiu-se mais aventureiro solicitando o prolongamento do voo. Korolev responde que não existe acordo para tal, mas Komarov volta a insistir referindo “Temos visto tantas coisas interessantes. Gostaríamos de prolongar as observações.” Korolev responde com uma citação de Hamlet de William Shakespeare, indicando que se deveria manter o plano previamente estabelecido e ordena aos cosmonautas que iniciem os preparativos para a descida na 17.ª órbita.
Tal como aconteceu em várias missões Vostok, não houveram comunicações durante a descida devido à falha do transmissor de onda curta. Os controladores esperaram ansiosamente à medida que os minutos iam passando. Finalmente surgiu a notícia de que um dos pilotos dos helicópteros de recolha havia avistado a cápsula a descer suspensa do seu pára-quedas e mais tarde de que o veículo já se encontrava em segurança no solo com os três cosmonautas no exterior.
A aterragem teve lugar a 312 km a Nordeste de Kustanay a 13 de Outubro de 1964 após um voo que teve uma duração de 1 dia, 17 minutos e 3 segundos.
Após a aterragem os três cosmonautas foram transportados para Kustanay onde deveriam falar com Nikita Khrushchev via telefone. No entanto foi dada a ordem para que os cosmonautas não fossem levados para Kustanay e que fossem transportados directamente para Baikonur. Apesar de se sentirem ligeiramente cansados, estavam em condições para na manhã seguinte procederam ao relatório completo a uma audiência de mais de 200 pessoas, incluindo a Comissão Estatal. Ao almoço comemorativo seguiram-se vários brindes não só aos cosmonautas, mas também a Korolev e àqueles que prepararam o voo.
Foi só no final do dia que Korolev, Kamanin e os outros tomaram conhecimento das alterações que haviam ocorrido em Moscovo. Surgiram notícias de que iria ocorrer uma reunião especial do Comité Central nessa mesma noite, o que constituiu uma surpresa total para eles. Na manhã de 15 de Outubro tudo se tornava mais claro com Khrushchev a ser retirado do poder e a ser substituído nos seus dois cargos por Alexey N. Kosygin (Dirigente do Conselho de Ministros) e por Leonid I. Brezhnev (Primeiro Secretário do Comité Central). Kamanin já havia sido instruído para alterar os discursos dos cosmonautas onde em vez de saudarem Khrushchev, deveriam saudar Brezhnev e Kosygin.
Era o final de uma era não só para o programa espacial, mas também para a União Soviética.
A tripulação da Voskhod-1
A tripulação da Voskhod-1 era composta pelos cosmonautas Vladimir Mikhailovich Komarov, Konstantin Petrovich Feoktistov e Boris Borisovich Yegorov, enquanto que a tripulação suplente era composta pelos cosmonautas Boris Valentinovich Volynov; Georgi Petrovich Katys e Vasili Grigorievich Lazarev.
Vladimir Mikhailovich Komarov – O cosmonauta Vladimir Komarov foi o primeiro ser humano a falecer durante o decurso de uma missão espacial tripulada. A tragédia ocorreu a 24 de Abril de 1967 durante o regresso à Terra da Soyuz-1 que havia sido colocada em órbita no dia anterior.
A Soyuz-1 deveria ter acoplado com a Soyuz-2 que seria tripulada pelos cosmonautas Valeri Fyodorovich Kykovsky, Aleksei Stanislavovich Yeliseysv e Yevgeni Vasiliyevich Khrunov, e durante a permenência em órbita Yeliseyev e Khrunov deveriam realizar uma saída para o espaço e transferirem-se para a Soyuz-1 a bordo da qual regressariam à Terra. Tanto a acoplagem como a transferência dos dois cosmonautas eram o primeiro ensaio dos procedimentos que seriam levados a cabo durante o programa lunar tripulado.
A missão da Soyuz-1 era de facto ambiciosa, sendo o primeiro teste tripulado de um novo veículo desenhado para levar os cosmonautas soviéticos para a Lua. Os três voos de testes não tripulados anteriores haviam sofrido várias falhas nos seus sistemas, mas a Comissão Estatal e o Desenhador Chefe Vasily Mishin deveriam prosseguir com o lançamento da missão de Komarov.
Mal a Soyuz-1 atingiu a órbita terrestre um dos seus dois painéis solares não se abriu, negando assim muita da energia eléctrica necessária. Além disso, surgiram problemas de comunicações e o sistema de acoplagem Igla não funcionava como devia. Tornando uma situação má ainda pior, entre a 7.ª e a 12.ª órbita, Komarov esteve sozinho tentando resolver os problemas a bordo pois na altura os veículos espaciais soviéticos estavam fora do alcance das estações e navios de rastreio em cada 8h de 24h.
Quando foi restabelecido o contacto entre Komarov e o centro de controlo, estava claro que os problemas não estavam resolvidos. Decidiu-se então cancelar o lançamento da Soyuz-2 e os controladores de voo tentaram trazer a Soyuz-1 em segurança para a Terra, algo que normalmente deveria ocorrer na 16.ª órbita.
Somente na terceira tentativa, isto é na 18.ª órbita, foi possível aos controladores colocar a Soyuz-1 numa atitude adequada para a reentrada. Porém, novos problemas forçaram Komarov a utilizar uma trajectória balística para o regresso. Neste tipo de trajectória, a cápsula age como uma bala induzindo forças G muito altas ao tripulante. Com o sistema de orientação danificado, Komarov era incapaz de parar a rotação da Soyuz-1 e quando os pára-quedas se abriram os seus cabos ficaram emaranhados e impediram a sua abertura.
A Soyuz-1 acabou por se despenhar nas estepes de Orenburg a cerca de 30 km de Novoorsk. O impacto no solo fez com que o sistema de retro-travagem da Soyuz-1 entrasse em ignição, dando origem a um incêndio. Vladimir Komarov foi morto de forma instantânea no impacto.
Vladimir Mikhailovich Komarov nasceu a 16 de Março de 1927 em Moscovo. Alistou-se no Exército com 18 anos de idade e foi enviado para a 1.ª Escola da Força Aérea, uma escola preparatória para potenciais oficiais das forças aéreas. Recebeu treino de piloto na Escola Superior da Força Aérea de Chkalov em Borisoglibsk entre 1945 e 1946 e na Escola da Força Aérea de Bataisk, onde acabou por se formar em 1949. Nos três anos seguintes foi piloto de caça no 382.º Regimento Aéreo da 42.ª Divisão do Distrito Militar do Cáucaso do Sul, baseado na cidade de Grozny. Em 1952 foi transferido para o 486.º Regimento Aéreo da 279.ª Divisão Aérea do 57.º Exército do Ar. Ingressou na Academia de Engenharia da Força Aérea de Zhukovsky em Agosto de 1954, finalizando um curso de 5 anos em Setembro de 1959. Foi então nomeado para o ramo de Chkalovskaya do Instituto de Pesquisa da Força Aérea do Ministério da Defesa da URSS como engenheiro de teste quando foi convidado para levar a cabo exames para o primeiro grupo de cosmonautas.
Seleccionado em Março de 1960, Komarov rapidamente tornou-se conhecido pela sua inteligência e perícia de piloto, mas também pela sua má sorte. Teve de suportar uma operação a uma hérnia a 15 de Maio de 1960 que esteve quase a terminar com a sua carreira de cosmonauta mesmo antes de esta ter início. Passou seis meses em recuperação, mantendo-se também a par dos seus estudos. Em 1962, após ter sido designado como suplente de Pavel Romanovich Popovich para a missão Vostok-4, um exame médico mostrou que Komarov possuía um ritmo cardíaco irregular, uma condição muito similar que manteve no solo durante 10 anos o astronauta norte-americano Donald Kent Slayton. Komarov teve de se submeter a dezenas de testes levados a cabo por vários cardiologistas antes de ser permitido continuar a sua carreira de cosmonauta.
Mas em Abril de 1964 quando o Dezenhador Chefe Korolev necessitou de um piloto para a primeira tripulação espacial, foi Komarov o seleccionado e a 16 de Outubro de 1964 foi lançado a bordo da Voskhod-1.
Vladimir Komarov serviu como cosmonauta chefe da equipa de desenho da Soyuz a partir de Abril de 1965 e em Outubro de 1966 foi designado para comandar o seu voo inaugural. Foi o primeiro cosmonauta a levar a cabo duas missões espaciais.
Vladimir Mikhailovich Komarov foi o 7.º cosmonauta e o 11.º ser humano a levar a cabo uma missão espacial orbital (juntamente com os cosmonautas Konstantin Petrovich Feoktistov e Boris Borisovich Yegorov), sendo o 1.º cosmonauta e o 1.º ser humano a levar acabo duas missões espaciais orbitais. No total acumulou 2 dias 3 horas 4 minutos e 55 segundos de experiência em voo espacial.
Konstantin Petrovich Feoktistov – Para Feoktistov o voo da Voskhod-1 foi o culminar de um sonho de muitos anos. Engenheiro sénior de 38 anos na equipa do OKB-1 de Serguei Korolev, Feoktistov era a pessoas mais responsável pelo desenho da cápsula Vostok na qual Yuri Gagarin havia levado a cabo o primeiro voo espacial tripulado em 1961.
Konstantin Feoktistov nasceu a 7 de Fevereiro de 1926 na cidade de Voronezh. Cedo tornou-se interessado na Astronomia e no Voo Espacial e com 10 anos já fazia planos para a exploração da Lua. Mas a Segunda Guerra Mundial forçou-o a adiar os seus sonhos e quase que o matava. Feoktistov tornou-se num batedor para uma unidade de partisans quando as forças alemãs ocuparam a região de Voronezh. Em 1942, Feoktistov, então com 16 anos, foi capturado pelos Nazis e colocado perante um pelotão de fuzilamento, sendo baleado. De forma impressionante, Feoktistov ficou somente ferido e pensando estar morto, os alemães deixaram o seu corpo. Feoktistov esperou pela noite e depois rastejou para a sua segurança.
No ano seguinte, após recuperar dos seus ferimentos, ingressou na Escola Superior Técnica de Bauman em Moscovo, graduando-se em 1949. Posteriormente trabalhou como Engenheiro Industrial numa fábrica de armas em Zlatoust.
Em 1955 a União Soviética deu início a um programa para a construção de mísseis de longo alcance e de satélites, e Feoktistov que recentemente havia finalizado os seus trabalhos de formação para uma vaga de candidato a um grau de ciências tecnológicas com a supervisão de Mikhail Tikhonravov, seguiu o seu mentor para a equipa de Korolev. Feoktistov esteve envolvido no programa de lançamento do Sputnik e em todas as fases de desenvolvimento dos veículos espaciais tripulados. Serviu como professor do primeiro grupo de cosmonautas e tornou-se num incansável promotor da viagem de civis no espaço, ganhando um lugar na primeira tripulação espacial.
Em Maio de 1967, pouco após o acidente com Vladimir Komarov, Feoktistov visitou O Festival Aéreo de Paris onde se encontrou com os astronautas norte-americanos David Randolph Scott e Michael Collins. Na altura Feoktistov estava envolvido numa luta política com o Tenente General Nikolai Kamanin, chefe do treino dos cosmonautas. Feoktistov afirmava que, como um dos engenheiros que havia desenhado a cápsula Soyuz, era o mais qualificado para pilotar o voo de requalificação das Soyuz. Por seu lado, Kamanin não gostava de Feoktistov e deu-o como desqualificado em termos médicos, dando a missão a Georgi Timofeyevich Beregovoy.
Feoktistov regressou ao seu trabalho na equipa de Korolev (mais tarde designada NPO Energiya) e também completou a sua tese de doutoramento. A partir de 1967 esteve activamente envolvido no desenho das Soyuz T, do veículo de carga Progress, e a partir de 1969, na versão civil das estações Salyut (mais tarde Kamanin também removeria Feoktistov como possível membro de uma tripulação com destino às Salyut).
Em 1980, muito tempo após a saída de Kamanin, Feoktistov foi de novo incluído numa tripulação, treinando com os cosmonautas Leonid Denisovich Kizim e Oleg Grigoriyevich Makarov para a missão Soyuz T-3 à estação Salyut-6. Infelizmente problemas físicos forçaram Feoktistov a retirar-se da tripulação dias antes do lançamento.
A abertura do sistema soviético com ao aparecimento da Glasnost, permitiram a Feoktistov falar abertamente do programa espacial soviético, nomeadamente do programa do vaivém espacial Buran que classificava com uma perda colossal de recursos. Isto levou a que Feoktistov ficasse em directa oposição a Yuri Semenov, que se tornou no Director Geral da NPO Energia após a morte de Valentin Glushko em 1989. Semenov era o Desenhador Chefe e forçou a reforma de Feoktistov em 1990.
Foi autor de inúmeros trabalhos técnicos e de dois livros, Em Voo Espacial (1982) e Sete Passos Para as Estrelas (1984), no qual discute as missões tripuladas para Marte.
Konstantin Feoktistov faleceu a 21 de Novembro de 2009.
Konstantin Petrovich Feoktistov foi o 7.º cosmonauta e o 11.º ser humano a levar a cabo uma missão espacial orbital (juntamente com os cosmonautas Vladimir Mikhailovich Komarov e Boris Borisovich Yegorov). No total acumulou 1 dia 0 horas 17 minutos e 3 segundos de experiência em voo espacial.
Boris Borisovich Yegorov – Boris Yegorov foi o primeiro médico a realizar um voo espacial como membro da tripulação da Voskhod-1.
Boris Yegorov nasceu a 26 de Novembro de 1937 em Moscovo. O seu pai, um cirurgião notável, era membro da Academia de Ciências Médicas da URSS. Muito cedo Yegorov decidiu tornar-se investigador médico, especializando-se em medicina aeroespacial e ingressando no Primeiro Instituto Médico de Moscovo SeChenov em 1955.
Durante os seus dois últimos anos de estudo Yegorov ingressou num trabalho a tempo parcial no Instituto Central de Medicina Aérea, a organização que estava a levar a cabo os testes médicos e psicológicos aos pilotos militares que eram candidatos a cosmonautas. De facto, o primeiro candidato que Yegorov conheceu foi o seu futuro colega Vladimir Komarov. Após finalizar os seus estudos em Sechenov em 1961, Yegorov foi trabalhar no Instituto a tempo inteiro num grupo liderado pelo Dr. Nikolai N. Gurovsky.
Enquanto trabalhava na equipa médica dos cosmonautas Yegorov dirigiu as sessões na câmara de isolamento dos cosmonautas German Stepanovich Titov, Aleksei Arkhipovich Leonov e Pavel Romanovich Popovich. Como se havia tornado um pára-quedista amador, Yegorov foi nomeado para uma das equipas de recolha para a Vostok-1. Pouco tempo depois, Yegorov solicitava a Gurovsky a autorização para ingressar na equipa de cosmonautas, sendo no entanto rejeitado devido a uma hipermetropia. Dois anos mais tarde, porém, após a aprovação do programa Voskhod, Yegorov tornava-se num dos candidatos.
De forma a ganhar o apoio do Ministro da Saúde para a selecção de Konstantin Feoktistov para a tripulação, Korolev ofereceu-se para apoiar um médico civil (Yeogorov) em lugar de um médico militar (Alexei Vasilievich Sorokin e Vasili Grigorievich Lazarev). A apenas semanas antes do lançamento foi formada a tripulação da Voskhod-1.
Após o seu voo na Voskhod-1, Yegorov esteve envolvido na missão de 22 dias de dois cães a bordo do Cosmos 110 em 1966 e no voo da Soyuz-9 e nas missões à Salyut-1.
Yegorov também fez trabalhos de graduação em Medicina, obtendo um doutoramento em 1965 e um grau de candidato de Ciências Médicas em 1967 pela Universidade de Humbolt, Berlim. Em 1979 obteve uma nova graduação em Ciências Médicas.
Mais tarde tornou-se professor e dirigente de um instituto de pesquisa biológica do Ministério da Saúde. Faleceu de ataque cardíaco a 19 de Setembro de 1994.
Boris Borisovich Yegorov foi o 7.º cosmonauta e o 11.º ser humano a levar a cabo uma missão espacial orbital (juntamente com os cosmonautas Vladimir Mikhailovich Komarov e Konstantin Petrovich Feoktistov). No total acumulou 1 dia 0 horas 17 minutos e 3 segundos de experiência em voo espacial.
Artigo baseado num texto de Adif A. Siddiqi retirado da obra “Challenge to Apollo – The Soviet Union and the Space Race, 1945 – 1974”, NASA SP-2000-4408.