60º aniversário do lançamento do Sputnik-1 – Um Satélite Simples, o Sputnik

Ao desenvolver o míssil balístico intercontinental R-7, Korolev pretendia em primeiro lugar desenvolver um veículo capaz de colocar em órbita terrestre um satélite artificial. Este sempre foi o verdadeiro sonho de Serguei Korolev que utilizou todos os meios possíveis para atingir este fim. Porém, esta intenção nunca foi fortemente apoiada pelo governo soviético e o seu desenvolvimento teria sido lento não fosse uma feliz sequência de acontecimentos que tiveram lugar fora da União Soviética em meados dos anos 50. Tal como Asif Siddiqi refere na sua épica obra sobre os princípios do programa espacial soviético “Challenge to Apollo”, «na Primavera de 1950, um grupo de cientistas americanos liderados por James A. Van Allen reuniu-se em Silver Spring, no Maryland, para discutir a possibilidade de um programa científico internacional para estudar a alta atmosfera e o espaço exterior utilizando foguetões sonda, balões e observações a partir do solo. Um forte apoio por parte dos cientistas europeus ocidentais permitiu a expansão da ideia para um programa mundial que veio a coincidir com um período de intensa actividade solar entre 1 de Julho e 31 de Dezembro de 1957. Os participantes designaram este período como Ano Geofísico Internacional e criaram o “Comité speciale de l’année géophysique internationale” para elaborar uma agenda para o programa.»

Os cientistas soviéticos participaram na organização da agenda de actividades para o Ano Geofísico Internacional mas não tiveram qualquer contribuição importante para o mesmo. Quando em Maio de 1954 era atingida a data limite para a entrega de propostas para o Ano Geofísico Internacional, não havia surgido qualquer intenção por parte da União Soviética em marcar de forma peculiar esse projecto.

A 4 de Outubro de 1954 foi levada a cabo em Roma uma reunião na qual foram anunciadas as propostas que iriam marcar esse ano de investigação. Nessa altura os representantes soviéticos escutaram sem reacção aparente as propostas norte-americanas de colocar em órbita vários satélites artificiais como forma de marcar esse ano. Porém, são estas propostas que surpreendem os delegados soviéticos e que mais tarde vêm a ter uma tremenda repercussão na Academia Soviética de Ciências que no Outono estabelece uma Comissão Interdepartamental para Coordenar e Controlar os Trabalhos nos Campos da Organização e Realização de Comunicações Interplanetárias. No fundo esta comissão serviu de fórum de discussão para os cientistas soviéticos estudarem a exploração espacial. Esta comissão é anunciada a 16 de Abril de 1955 num artigo publicado num jornal moscovita. O seu principal responsável é o Académico Leonid I. Sedov um especialista em dinâmica dos gases. Um dos principais objectivos da comissão foi o de organizar as tarefas relacionadas com a criação de um laboratório automático para levar a cabo pesquisas científicas no espaço.

De facto esta comissão, cujos membros não tinham nenhuma ligação directa ou contacto com o programa de mísseis em desenvolvimento, teve pouca influência no processo decisivo do programa espacial soviético e apesar de uma das suas funções ser a de reunir propostas provenientes de vários cientistas relacionadas com experiências científicas que pudessem ser colocadas em futuros satélites artificiais, o seu papal mais importante foi o de permitir aos cientistas soviéticos levar a cabo discussões relacionadas com temas espaciais num fórum público. Neste aspecto Leonid Sedov teve um papel importante pois surgiu em vários encontros internacionais onde discutiu em termos gerais o futuro da exploração espacial.

Sendo uma comissão com pouca autoridade real, o seu principal responsável, Sedov, teve um papel crucial ao ligar os esforços de Korolev para o desenvolvimento de um satélite artificial com o Ano Geofísico Internacional. A 29 de Julho de 1955 o Secretário de Imprensa do Presidente dos Estados Unidos Dwight D. Eisenhower, James C. Hagerty, anunciava na Casa Branca que os Estados Unidos iriam lançar um pequeno satélite artificial como parte da participação norte-americana no Ano Geofísico Internacional. Nesta mesma altura a Federação Astronáutica Internacional levava a cabo o seu sexto congresso internacional em Copenhaga, Dinamarca. Os responsáveis pela delegação soviética eram Leonid Sedov e Kirill F. Ogorodnikov3, o editor de uma importante publicação astronómica na União Soviética. Estes dois homens entraram em acção a 2 de Agosto e após um anúncio por parte de Fred C. Durant III, o presidente deste congresso, que anunciou as intenções norte-americanas de colocar um satélite em órbita durante o Ano Geofísico Internacional. Não querendo ficar atrás, Sedov convoca um grupo de meia centena de jornalistas para uma conferência de imprensa nesse mesmo dia na Embaixada Soviética em Copenhaga. Neste anúncio Sedov refere que em sua opinião será «… possível à União Soviética lançar um satélite artificial da Terra dentro dos próximos dois anos!», acrescentando que a realização deste projecto terá lugar num futuro próximo. É pouco provável que Sedov tenha levado a cabo a conferência de imprensa sem ter auxílio de membros altamente colocados na estrutura do Partido Comunista da União Soviética que tinham por sua parte noção da aprovação governamental em Agosto de 1954 de pesquisas exploratórias relacionadas com assuntos espaciais.

Possivelmente alguém em Moscovo terá decretado que as declarações de Fred Durant deveriam ter uma resposta por parte de Sedov. Já por esta altura tinham havido muitas discussões relacionadas com a possibilidade da concretização de projectos dedicados ao lançamento de satélites soviéticos, apesar de nenhum destes projectos ter qualquer aprovação. As declarações por parte da administração norte-americana e por parte de Sedov mereceram a imediata atenção por parte dos media mundiais. Este facto parece ter sido crítico para os projectos de Korolev.

A proposta em Maio de 1954 por parte de Serguei Korolev e Mikhail Tikhonravov não originou o tipo de reacções que os seus autores esperariam. Apesar de surgir uma reacção favorável à proposta, os dois homens continuaram a apelar a várias esferas governamentais para a sua aprovação. Com o consentimento de Korolev, Tikhonravov envia a 18 de Janeiro de 1955 uma carta a Pashkov uma vez mais descrevendo as possíveis utilizações dos satélites artificias. Em Maio Tikhonravov prepara uma série de e documentos apresentações relacionadas com o desenvolvimento de satélites artificiais e nos quais incluiu um rascunho de um decreto governamental, enviando-o a Pashkov, que entretanto é membro do novo Comité Espacial, e a Konstantin Rudnev, representante de Dmitry Ustinov. Nesta fase surgem também alterações ao documento de apresentação original do projecto do satélite artificial de 1954. A 16 de Junho de Glushko1955, Tikhonravov e o engenheiro do OKB-1 Ilya V. Lavrov, terminam o mais recente estudo relacionado com satélites artificias. Baseado em trabalhos anteriores de Tikhonravov, os dois sugerem uma massa reduzida de 1000 kg a 1400 kg para o satélite, recomendando também a formação de um grupo de 70 a 80 pessoas para levarem a cabo a tarefa de projectarem, desenharem e construírem o satélite, além de levarem a cabo os trabalhos de desenvolvimento em futuros veículos tripulados. Mais atento à realidade política de tal projecto, para o qual Korolev recomendava um grupo de 30 a 35 pessoas, o mesmo Korolev referia a enorme importância política
como evidência do alto nível de desenvolvimento da tecnologia soviética.

Todo o processo ganhou uma urgência com o anúncio da administração de Eisenhower. A 8 de Agosto Tikhonravov envia a Georgy N. Pashkov e Korolev um relatório intitulado “Informação Básica sobre o Significado Científico do Satélite Simplificado e Proposta de Custos”. Finalmente a 27 de Agosto, Tikhonravov envia um novo relatório a Pashkov, ao Desenhador-Chefe Valentin Glushko, e ao Desenhador-Chefe Mikhail Ryazanskiy, relacionado com os detalhes técnicos do satélite. Todas estas movimentações tiveram o seu efeito e talvez encorajado pelo interesse do governo, Korolev decide apostar mais alto do que um Satélite Simplificado. Numa movimentação que sublinha o impulso de Korolev para um programa espacial, decide nomear Yevgeniy F. Ryazanov, um dos chefes de sector no OKB-1, para elaborar um relatório técnico sobre a possibilidade de enviar uma sonda para a Lua utilizando versões modificadas do míssil balístico intercontinental R-7. Yevgeniy Ryazanov elabora duas versões com três estágios do R-7, uma delas utilizando a tradicional combinação de oxigénio e querosene e a outra utilizando propelentes hipergólicos. A primeira versão poderia lançar uma sonda com um peso de 400 kg enquanto que a segunda versão seria capaz de lançar uma sonda com um peso entre os 800 kg e os 1000 kg.

O encontro nas instalações do Comité Especial foi levado a cabo a 30 de Agosto de 1955. Nessa reunião estavam presentes o Presidente do Comité, Vasily Ryabikov, Korolev, e Mstislav Keldysh, além de um engenheiro chamado Alexander Mrykin (Coronel), que era o elo de ligação do Marechal Mitrofan Nedellin com as oficinas de desenho dos mísseis balísticos. Na reunião Korolev dos seus projectos de satélites e sondas lunares, mas encontra uma forte resistência por parte de Mrykin. Notório pelo seu temperamento e típica personalidade, Mrykin não estava receptivo aos argumentos de Korolev que se baseavam na grande importância política de um possível satélite soviético. O oficial de artilharia disse a Korolev que somente quando o R-7 completasse o seu programa de desenvolvimento se poderia considerar o lançamento de um satélite. Felizmente Korolev tinha o apoio de Keldysh e esse apoio terá sido fundamental. Enquanto os detalhes das deliberações permanecem escassos, parece que Ryabikov aprovara o uso do R-7 para um modesto programa de lançamento de satélites. Por seu lado, as sondas lunares foram consideradas muito prematuras e fantasiosas. Nesta altura provavelmente existiram dois factores a favor de Korolev: a possível utilização de um satélite para fins militares e o anuncio americano do lançamento de um satélite artificial durante o Ano Geofísico Internacional.

Tendo a aprovação de Ryabikov, Korolev segue para nova reunião nas instalações de Gennadiy V. Topchiyev na Academia das Ciências. Presentes encontravam-se muitos cientistas e Desenhadores-Chefe, incluindo Keldysh, Tikhonravov e Glushko. Korolev apresentou um relatório no qual descreveu de forma detalhada as modificações a serem introduzidas no míssil R-7 para que este fosse capaz de colocar um satélite em órbita, referindo também o interesse do governo soviético neste projecto. No final do seu discurso fez um apelo formal para a construção e lançamento de uma série de satélites, incluindo um com animais a bordo, e solicitou à Academia de Ciências o estabelecimento de uma comissão formal para levar a cabo este objectivo. Neste aspecto, Korolev tinha já um calendário em mente estabelecendo o período entre Abril e Julho de 1957 como a fase de início dos lançamentos. Se os planos iniciais de Korolev para o seu Satélite Simplificado estavam programados para um futuro indefinido, o anúncio da administração americana em Julho de 1955 alterou por completo a direcção dos planos de Korolev. Não só Korolev imbuiu os seus planos com uma nova urgência, mas também lhe proporcionou um calendário específico para o qual apontar. Se os Estados Unidos planeavam lançar um satélite durante o Ano Geofísico Internacional, então a União Soviética iria lançar um satélite antes do início dessas comemorações. Os cientistas presentes nessa reunia aceitaram a proposta de Korolev e com a recomendação de Korolev, Keldysh foi designado presidente da comissão, com o próprio Korolev e Tikhonravov a servirem de vogais.

A 31 de Agosto reuniu-se um grupo mais pequeno constituído por Korolev, Tikhonravov e Keldysh, reuniu-se para discutir algumas das propostas para os instrumentos a serem transportados no satélite que haviam sido submetidas por muitos cientistas à comissão de Sedov no último ano. Uns dias mais tarde, Tikhonravov e Keldysh reuniram alguns dos mais proeminentes académicos soviéticos para explicarem os detalhes do desenho do satélite e a forma como os seus instrumentos estavam a ser considerados. Em Setembro de 1955 Korolev aprova um programa científico preliminar que incluía o estudo da ionosfera, os raios cósmicos, os campos magnéticos terrestres, a luminescência na alta atmosfera, o Sol e a sua influência na Terra e outros fenómenos naturais. O desenvolvimento detalhado de um programa científico foi atribuído a duas comissões já existentes na Academia de Ciências e que eram dirigidas por Anatoly Blagonravov e Sedov.

A aprovação por parte da Academia de Ciências para a elaboração de um programa de pesquisas puramente científicas veio acelerar o processo de forma considerável. Nos meses seguintes foram levadas a cabo várias reuniões importantes tanto pela comissão de Keldysh como pelo Conselho de Desenhadores-Chefe que elaboraram sobre os detalhes do projecto. Entre Dezembro de 1955 e Março de 1956, Keldysh consultou um grande número de académicos para refinar o conjunto de experiências científicas. Este grupo incluía famosos cientistas soviéticos cujos nomes eram plenamente conhecidos ao contrário dos nomes daqueles que desenvolviam o satélite. Estas reuniões funcionaram como uma operação em grande escala com um único organismo coordenativo, que, devido à sua natureza civil, não tinha precedentes. O próprio Korolev estava muito consciente do facto de que a aprovação oficial por parte do governo para o projecto ainda estava por ser emitida, o que significava que ainda não estava disponível um veículo lançador para o projecto. No entanto, a magnitude das tarefas imediatas a serem levadas a cabo obscureciam este pormenor importante. Existiam problemas contínuos com o programa devido ao facto de que muitos dos que nele trabalhavam não compartilhavam o mesmo entusiasmo de Korolev. Não havia precedentes para um empreendimento de natureza puramente civil sobre o número de institutos e oficinas de desenho envoltas no projecto.

Quase quatro meses passaram entre a aprovação verbal de Ryabikov em Agosto de 1955 e a publicação de um decreto formal por parte do governo Soviético. Como um projecto puramente científico dirigido pela Academia de Ciências, não era considerada uma prioridade. De facto, os membros do governo Soviético provavelmente viam o projecto como uma continuação dos voos de foguetões científicos para a alta atmosfera – um programa que também utilizava mísseis militares para fins civis. Tais voos eram relativamente baratos, não obstrutivos, e em geral ignorados pela liderança política. Consequentemente, o Conselho de Ministros da URSS emitiu um decreto a 30 de Janeiro de 1956 (n.º 149-88ss) que propunha a criação de um satélite artificial. O documento aprovava o lançamento de um satélite, designado ‘Objecto D’, em 1957 e em tempo do Ano Geofísico Internacional.

Segundo os cálculos de Tikhonravov, a massa do satélite deveria variar entre 1000 kg e os 1400 kg, dos quais 200 kg a 300 kg seriam compostos por instrumentos científicos. Para além da Academia de Ciências, cinco ministérios industriais estariam envolvidos no projecto. A responsabilidade de preparar um plano para o Objecto D caiu nas costas de Sergey Kryukov que na altura era chefe de departamento no OKB-1. Por seu lado, Tikhonravov serviu como principal consultor científico. Pelo menos dois pontos principais do projecto original de 1957 foram ignorados: o PCUS eliminou qualquer esperança de que o satélite tivesse a capacidade de se orientar através de um sistema de orientação e a possibilidade de transportar um ser humano. Apesar do texto do decreto ministerial permanecer classificado, outras evidências apontam para a possibilidade de que uma das estipulações do documento apontava para a elaboração de trabalhos exploratórios para um satélite de fotorreconhecimento desenvolvido no NII-4 tendo como base o Objecto D.

Na altura em que a resolução foi adoptada, Korolev encontrava-se em Kapustin Yar para os preparativos para a realização do teste do míssil R-5M capaz de transportar uma arma nuclear, uma experiência que na altura era muitíssimo muito mais importante para o futuro do OKB-1 do que o projecto do satélite artificial. É porém aparente que Korolev não queria consignar os seus sonhos de exploração espacial a um único decreto, um dos entre 250 projectos discutidos por mês pelo Presidium. Korolev queria uma promessa verbal directa por parte da liderança soviética relacionada com o Objecto D e em particular por parte do próprio Nikhita Khrushchev. Esta hipótese surge em Fevereiro de 1956 quando Khrushchev, acompanhado por altos membros do Presidium (Nikolai Bulganin, Vyacheslav Molotov e Pervukhin) bem como pelo Ministro Ustinov, visita o OKB-1 para felicitar os seus dirigentes pelos sucessos alcançados com o desenvolvimento do R-5M e também para se inteirarem dos progressos no projecto do R-7. Esta visita, na manha do dia 27 de Fevereiro, era muito importante para Khrushchev dado ser o seu primeiro contacto directo com o ultra secreto programa de mísseis balísticos intercontinentais, pois tratava-se de um projecto dirigido por burocratas industriais desde a morte de Joseph Estaline e que se encontrava quase escondido da liderança do Partido. Durante a presença no OKB-1, a delegação foi acompanhada por Korolev e pelo director do NII-88 Alexei Spiridinov numa visita que culminou com a apresentação de um modelo em escala real do míssil R-7. Os visitantes ficaram aparentemente espantados e em silêncio pelo tamanho do veículo. Como um bom apresentador, Korolev esperou alguns segundos para que os seus visitantes contemplassem na totalidade o que viam, antes de dar uma breve explicação sobre o veículo. Khrushchev terá ficado muito impressionado com as capacidades do míssil.

Após as explicações de Korolev foi a vez de Valentin Glushko fazer uma apresentação. Porém, com uma apresentação elaborada, a forma de Glushko introduzir o tema aos presentes fazia lembrar uma aula a ser levada a cabo num instituto superior. Korolev, reconhecendo a ineficácia da apresentação de Glushko, interrompe-o resumindo com uma conclusão sucinta. Após uma breve discussão acerca das capacidades do R-7, Korolev acrescenta “Nikhita Sergeyevich, queremos apresentar-lhe uma aplicação para os nossos foguetões que tem como objectivo as pesquisas na alta atmosfera e a realização de experiências fora da atmosfera”. O líder soviético denota algum interesse no assunto, apesar de os restantes presentes apresentarem já sinais de cansaço e enfado com a apresentação. Korolev mostra-lhes de seguida grandes fotografias dos mísseis sub orbitais que foram utilizados para pesquisas biológicas e geofísicas. Apercebendo-se que os seus convidados estavam já ansiosos por se irem embora, Korolev depressa se adiantou na sua apresentação, chamando a atenção dos presentes para um modelo de um satélite que se encontrava em exposição num canto da sala. Invocando o nome do legendário Tsiolkovskiy, Korolev explicou rapidamente que seria possível levar a cabo os sonhos do Pai da Cosmonáutica utilizando o R-7. Korolev frisou que os Estados Unidos haviam seguido o seu programa do satélite artificial, mas que comparado com o minúsculo lançador americano, o R-7 soviético o poderia superar de forma significativa em termos de massa do satélites. Finalizando a sua apresentação, acrescenta que os custos de tal  projecto seriam muito baixos dado que a maior parte das despesas básicas para o lançador estavam já atribuídas ao míssil R-7.

Khrushchev começa a mostrar algum interesse e questiona Korolev sobre a possível influência no programa de desenvolvimento do R-7 dado ser este o principal objectivo do trabalho de Korolev. Nesta altura Korolev simplifica as dificuldades envolvidas no trabalho de preparar e lançar um satélite artificial, dizendo que ao contrário do esforço milionário dos Estados Unidos para desenvolver um lançador destinado a lançar um satélite artificial, tudo o que a União Soviética teria a fazer seria substituir a ogiva do topo do R-7 pelo satélite. Após hesitar por alguns momentos, e talvez um pouco suspeito das intenções de Korolev, Khrushchev deu autorização para a continuação do programa desde que não fosse afectar o desenvolvimento do R-7.

Assim, após mais de dois anos de esforços o programa para lançar um satélite artificial era uma realidade, devendo a sua aprovação aos trabalhos intensivos de Korolev. Se por um lado Tikhonravov proporcionara o conhecimento técnico e Keldysh o apoio político para o projecto, os constantes apelos, cartas, reuniões, relatórios e conversações por parte de Korolev que acabaram por forçar uma decisão. Obviamente que Korolev também tirou partido do clima histórico que na altura serviu as suas necessidades. Ao passar de um simples engenheiro proveniente de um gulag para um Desenhador-Chefe ao longo dos anos e os seus sucessos no desenvolvimento de mísseis balísticos, agradaram tanto aos militares como aos industriais. Estes dois campos encontravam-se cheiros de personalidades que em 1956 tinham uma atitude simpática para com os planos de Korolev para a exploração espacial. Sozinho, Korolev não o teria conseguido e alguns acontecimentos fora do seu control (tal como o anuncio norte-americano para o Ano Geofísico Internacional, a conferencia de imprensa de Sedov, o fim do domínio de Lavrenty Beria na industria de armas nucleares e a ascensão de Khrushchev) foram importantes para a aprovação dos seus planos. O programa espacial soviético nascia assim a 30 de Janeiro de 1956 e sem Korolev nunca teria sido concebido!

O Satélite Simples!

As cargas transportadas pelo R-7 eram designadas utilizando as letras do alfabeto cirílico. Assim, o projecto do satélite soviético~receber a letra D (Д) sendo conhecido como Objecto D (ou D-1). Os objectos A, B, V e G (que são as quatro primeiras letras do alfabeto cirílico) eram designações para diferentes ogivas nucleares. O satélite era um complexo laboratório científico muito mais sofisticado do que qualquer veículo planeado para ser lançado em 1956. Enquanto que os engenheiros de Kryukov dependiam muito dos trabalhos sobre satélites anteriormente levados a cabo por Tikhonravov, muito do trabalho levado a cabo pelo OKB-1 foi como que uma viagem a territórios desconhecidos. Havia poucos precedentes na construção de contentores pressurizados e em instrumentação para operar em órbita terrestre, enquanto que as comunicações em longas distâncias tinham de ser planeadas sem o benefício de uma experiência anterior. Os engenheiros estavam conscientes das necessidades de detecção da trajectória para o míssil R-7, e este facto determinou um contexto para determinar os níveis de contacto com o veículo. O facto de o objecto vir a estar fora de contacto com o solo durante longos períodos de tempo (ao contrário dos foguetões-sonda), significava que teriam de ser utilizados sistemas automatizados capazes de se auto activarem. A escolha de metais para a construção do satélite também originou problemas para os engenheiros devido ao facto de os efeitos da exposição contínua ao ambiente espacial ainda se encontrarem no limiar das conjecturas. As experiências científicas e a experiência conseguida com os foguetões-sonda serviu de base para a selecção final.

A 25 de Fevereiro de 1956 a Comissão Keldysh emitiu os requerimentos técnicos para a construção do satélite, com os trabalhos a serem iniciados a 5 de Março. O grupo de Tikhonravov no NII-4 e o grupo de Korolev no OKB-1 do NII-88 eram os mais participativos neste processo, mas muitas outras organizações contribuíram para vários elementos do satélite. Em 14 de Junho, Korolev havia finalizado as alterações necessárias à versão 8K71 do míssil R-7 para ser utilizada como lançador de satélites. O novo foguetão, designado “Produto 8A92”, iria incorporar um grande número de alterações, incluindo a utilização de motores principais melhorados, a eliminação do conjunto de rádio central, e uma nova ogiva substituindo a que fora utilizada para a carga nuclear. Um mês mais tarde, numa reunião de Desenhadores-Chefe levada a cabo a 24 de Julho de 1956, Korolev assinou formalmente o plano inicial para o Objecto D. O documento foi também assinado por Tikhonravov, Konstantin Bushuyev, Sergey Okhapkin e Leonid Voskresenskiy.

O intensivo trabalho no Objecto D não era obviamente o único projecto no OKB-1. De facto, pelo menos de forma oficial, era um trabalho com uma prioridade muito baixa e muito atrás dos vários trabalhos militares que Korolev supervisionava neste período. Estes trabalhos incluíam dezenas de lançamentos de ensaio dos mísseis estratégicos R-5M, R-5RD e R-5R, além do primeiro míssil balístico intercontinental lançado a partir de um submarino, o R-11FM. Korolev também dirigia os trabalhos para as versões melhoradas dos mísseis anteriores. Korolev era o líder dos trabalhos no R-7 e dos trabalhos de desenvolvimento do R-11M de curto alcance, ambos ainda ser terem feito um único voo. A isto ainda tinha de acrescentar o seu trabalho em mísseis científicos tais como o R-1Ye, o R- 5A, e o Objecto D. Korolev também participava em várias conferências, encontros e outras funções. Dada a magnitude dos trabalhos no OKB-1, tornava-se complicado lidar com o OKB-1 como uma unidade funcional do NII-88. Assim, e com uma ordem do Ministérios das Industrias de Defesa datada de 14 de Agosto de 1956, o OKB-1 tornou-se numa organização separada e independente dentro do ministério, com as suas próprias instalações de produção e departamentos de pesquisa científica. Demorou dez anos para que o pequeno departamento de Korolev num instituto de pesquisa evoluísse para uma organização independente com milhares de funcionários – uma organização que era a  líder no desenvolvimento de mísseis balísticos de longo alcance na União Soviética, e a única a trabalhar num programa espacial.

Foi também nesta altura que quatro dos colaboradores de Korolev foram oficialmente designados Desenhadores-Chefe Executivos da nova entidade independente: Vasily P. Mishin, Konstantin D. Bushuyev, Sergey O. Okhapkin e Leonid A. Voskresenskiy. Com a excepção de Korolev e Mishin, Bushuyev era a figura mais importante no OKB-1. Um indivíduo excepcionalmente inteligente, teve um papel importante no desenvolvimento de cada míssil balístico no NII-88, iniciando com o R-2. Bushuyev era especialista em áreas de planeamento de projectos, selecção de parâmetros de projectos, computação e pesquisa em aerodinâmica, balística, estabilidade, tensões superficiais e balanço de massas. Com a sua designação para o seu novo cargo no OKB- 1, Bushuyev herdou todo o trabalho em assuntos espaciais. Em 1961 tinha como única responsabilidade o desenvolvimento de veículos espaciais, supervisionando cada projecto espacial tripulado nos anos 60 e 70. No entanto a designação de Bushuyev tinha uma segunda dimensão. Durante quase dois anos Korolev havia tentado a transferência do grupo de Tikhonravov do NII-4 para o OKB-1. Com a aceleração dos trabalhos relacionados com o Objecto D, o governo finalmente concordou com o pedido e a 1 de
Novembro de 1956, Tikhonravov e a maior parte do seu grupo de assistentes foram institucionalmente transferidos para o OKB-1, ficando sobre as ordens de Bushuyev e constituindo o no Departamento n.º 9 dedicado a assuntos espaciais. Yevgeniy F. Ryazanov foi nomeado ajudante de Tikhonravov, enquanto que outro assistente, Ilya V. Lavrov, foi nomeado para supervisionar os aspectos técnicos do desenvolvimento do Objecto D.

Em meados de 1956 o projecto do Objecto D começava a ficar significativamente atrasado. Algumas oficinas eram particularmente lentas na forma como preparavam as suas encomendas e muitas destas eram entregues com especificações completamente distintas das solicitadas. A 14 de Setembro Keldysh fez um apelo pessoal num encontro da Academia de Ciências para que o trabalho fosse acelerado, invocando uma ameaça que todos entenderiam: “todos queremos o nosso satélite a voar antes do americano”. Para compensar o volume de trabalho, Korolev finalizou um plano dez dias mais tarde para dividir o trabalho em três variantes do Objecto D básico, cada uma diferenciada pela natureza dos seus aparelhos científicos. Posteriormente assinou o plano para o satélite a 25 de Setembro. Os seus oito objectivos científicos eram: Medição da densidade atmosférica, pressão, e composição iónica a altitudes entre os 200 km e os 500 km; Pesquisas relacionadas com a radiação corpuscular solar; Medição da concentração de iões numa determinada órbita; Medição das cargas eléctricas inerentes; Medição dos campos magnéticos terrestres em altitudes entre os 200 km e os 500 km; Estudo dos raios cósmicos; Pesquisa das porções ultravioleta e raios-x do espectro solar; Pesquisas sobre a possibilidade de garantir a sobrevivência de um animal em órbita.

Apesar de muitas das especificações terem sido alteradas, muito da base do Objecto D foi retirada a partir da histórica proposta para o Satélite Simplificado que foi submetida ao governo em 1954. Numa reunião especial levada a cabo a 28 de Setembro de 1956, a Comissão Keldysh aprovou na totalidade o plano, congelando assim o desenho final do satélite.

Por esta altura o departamento de Tikhonravov surgiu com três desenhos pressurizados do Objecto D, com uma forma cónica e uma massa entre os 1000 kg e os 1400 kg. A versão favorecida incluía um sistema de fornecimento de energia com baterias solares e químicas e utilizava um sistema especial de grelhas no exterior e ventiladores no interior para regulação térmica. Também existiam dispositivos de comunicações por rádio com multicanais para a transmissão de telemetria e recepção de comandos a partir do solo. Três quartos da massa do satélite consistiam em instrumentos científicos. Numa das três versões do Objecto D, os engenheiros garantiram a possibilidade de instalar uma pequena cabina para transportar um cão. Esta cabina era uma modificação directa das cápsulas lançadas a bordo de foguetões sonda nos anos 50. Poucos detalhes foram divulgados sobre a versão biológica do Objecto D, apesar de presumivelmente a cápsula com o animal do seu interior não ser recuperável, tal como especificado no documento original de 1954.

Os acontecimentos no programa do satélite tomaram um rumo abrupto nos últimos meses de 1956. Os modelos de teste do Objecto D, que deveriam estar prontos em Outubro, permaneciam por terminar. Em princípios de Novembro, Korolev sofria de grande ansiedade, sem dúvida originada pelos seus planos extraordinariamente atarefados, tendo viajado de Kaliningrado para Kapustin Yar, posteriormente de Kapustin Yar para Tyura-Tan, de Tyura-Tan para Molotovsk, várias viagens para supervisionar vários projectos. Parte desta ansiedade derivava de preocupações relacionadas com a possibilidade de o seu projecto ser cancelado. A 20 de Setembro de 1956 os Estados Unidos lançam um míssil Jupiter-C (RTV-1) a partir de Cabo Canaveral. A missão deste míssil era a de levar a cabo um teste de reentrada atmosférica tendo percorrido uma distância de 5300 km. Caso este míssil estivesse equipado com um terceiro estágio activo poderia ter colocado um satélite em órbita. Korolev erradamente entendeu este lançamento como uma tentativa secreta por parte dos Estados Unidos para colocar em órbita um satélite artificial. Uma segunda preocupação para Korolev eram os testes estáticos no solo dos motores do R-7. Em vez de se obter um impulso específico de 309 s a 310 s tal como previsto, os motores não podiam produzir mais de 304 s – muito inferior ao necessário para colocar em órbita o Objecto D. Korolev compreende que todo este esforço talvez fosse um pouco complicado de mais. Porque não tentar lançar algo mais simples na primeira tentativa orbital em vez de um sofisticado observatório científico de tonelada e meia?

Nos finais de Novembro Tikhonravov tinha a percepção suficiente para detectar a ansiedade de Korolev e verbalizando-a diz: “E se tornássemos o satélite mais leve? Trinta quilogramas ou assim, ou mesmo mais leve?” Não sendo pessoa para ficar parada, Korolev começa a trabalhar no assunto. A 25 de Novembro incube o jovem engenheiro Nikolay A. Kutyrkin do OKB-1 de iniciar o desenho deste satélite mais pequeno. Outro engenheiro dedica-se a levar a cabo os cálculos balísticos preliminares para o lançamento. No entanto, politicamente não era assim tão fácil lançar este satélite. Keldysh era totalmente contra este plano, o que não era surpreendente pois havia investido muito tempo e energias no Objecto D. Existiam outros engenheiros no OKB-1 que também não se encontravam muito entusiasmados com o novo plano. No entanto, eventualmente todos acabaram por ceder à forte vontade de Korolev. Como segurança, Korolev decidiu não ficar dependente de outras organizações para o desenvolvimento e construção do novo satélite, certificando-se que o veículo seria completamente desenhado e construído no OKB-1 com a ajuda de somente duas organizações exteriores: o Instituto de Pesquisa Científica em Fontes de Correntes, de Nikolay Lidorenko para o desenho das baterias para o fornecimento de energia, e o NII-885, do Desenhador-Chefe Ryazanskiy para os transmissores de rádio.

A 25 de Janeiro de 1957 Korolev envia uma carta onde descreve o seu plano revisto para o Comité Especial. Solicita autorização para lançar dois pequenos satélites, cada um com uma massa de 40 kg a 50 kg, durante o período entre Abril e Junho de 1957 imediatamente antes do início do Ano Internacional Geofísico. Este plano seria contingente nos planos do programa do R-7, que Korolev admitia estar atrasado: o primeiro lançamento do míssil estava previsto para Março de 1957. Cada satélite orbitaria a Terra em altitudes entre os 225 km e os 500 km e transportariam um transmissor de onda curta com uma fonte de energia suficiente para uma operação de 10 dias. Korolev não escondia as razões para esta alteração de planos tão abrupta:

…os Estados Unidos estão a levar a cabo planos intensivos para lançar um satélite artificial da Terra. O projecto mais conhecido com o nome Vanguard utiliza um míssil a três estágios… o satélite proposto é um contentor esférico com um diâmetro de 50 centímetros e uma massa aproximada de 10 quilogramas. Em Setembro de 1956, os E.U.A. tentaram lançar um míssil de três estágios com um satélite a partir da Base de Patrick no estado da Florida que foi mantido secreto. Os Americanos falharam o lançamento do satélite… e a carga caiu acerca de 3000 milhas ou aproximadamente 4800 quilómetros. Este primeiro voo foi então anunciado à imprensa como um recorde nacional. Eles enfatizaram que os foguetões americanos podem voar mais alto e mais longe do que todos os foguetões no mundo, incluindo os foguetões soviéticos. A partir de relatórios separados, sabe-se que os E.U.A. estão a preparar nos próximos meses uma nova tentativa para lançar um satélite artificial da Terra e estão dispostos a pagar qualquer preço para alcançar este objectivo.

Se por um lado as informações de Korolev sobre os planos americanos estavam erradas, por outro o seu instinto não se encontrava muito longe da verdade. Os Estados Unidos poderiam ter colocado em órbita um satélite artificial no princípio de 1957, mas vários obstáculos institucionais e políticos impediram tal tentativa.

A 25 de Janeiro de 1957, Korolev havia aprovado os desenhos iniciais para o satélite oficialmente designado Satélite Simples n.º 1 (PS-1). Parece que a sua carta invocou de forma adequada o espectro da eminência norte-americana no campo da tecnologia militar; Ryabikov, Presidente do Comité Especial, estava fortemente a favor do novo plano e o seu apoio foi crucial. A 15 de Fevereiro, o Concelho de Ministros da URSS formalmente assinou o decreto (n.º 171-83ss) intitulado “ Sobre Medidas a Serem Levadas a Cabo Durante o Ano Geofísico Internacional”, concordando com a nova proposta. Os dois novos satélites, PS-1 e PS-2, iriam pesar aproximadamente 100 kg e seriam lançados entre Abril e Maio de 1957, após dois lançamentos bem sucedidos do R-7. Entretanto, o lançamento do Objecto D foi adiado para Abril de 1958. Focado num objectivo mais modesto, Korolev desperdiçou pouco tempo. Rapidamente enviou as especificações técnicas para o primeiro satélite PS-1 para as duas oficinas colaboradoras. Por outro lado, a Oficina de Desenho Experimental do Instituto de Energia de Moscovo, dirigida por Alexei Bogomolov27, modificou o sistema de telemetria Tral no R-7 para ser utilizado no lançamento do satélite. Por esta altura, havia uma paisagem impressionante na base de lançamento de Tyura-Tan com o primeiro veículo R-7 destinado a ser testado em voo já colocado na plataforma de lançamento.

Sputnik

Os trabalhos para o satélite Simples PS-1 continuaram a um ritmo nunca visto desde que o desenvolvimento do objecto foi iniciado em Novembro de 1956.Entre Março e Agosto de 1957, os engenheiros levaram a cabo diversos cálculos para seleccionar e refinar a trajectória do veículo lançador e do satélite durante o lançamento. Estes cálculos extremamente complicados para o programa do R-7 foram inicialmente feitos à mão utilizando aritrómetros eléctricos e tabelas trigonométricas de seis dígitos. Quando era necessário proceder a cálculos mais complexos, os engenheiros do OKB-1 utilizavam um computador de facto instalado nas instalações do Departamento de Matemática Aplicada após solicitação de Keldysh. Esta máquina gigante enchia uma enorme sala e deverá ter sido o computador mais rápido na União Soviética em finais dos anos 50, capaz de levar a cabo 10000 operações por segundo, uma fenomenal capacidade para as máquinas computacionais soviéticas de então.

Engenheiros, cientistas e oficiais militares levaram a cabo um enorme esforço na criação da infra-estrutura no solo para seguir e contactar não só com o PS-1, mas também com o muito mais complexo Objecto D que aguardava o seu lançamento em 1958. Após uma feroz competição entre A Academia de Ciências e o NII-.4 no Ministério da Defesa para o contrato para construir a rede de detecção, telemetria e comando para o satélite, o NII-4 obteve este trabalho para além das suas funções com a rede de detecção do R-7. Este era o começo da criação do denominado Complexo de Comando e Medição (KIK), que iria servir cada missão espacial tripulada, cada missão interplanetária, cada missão científica e cada missão militar desde 1957 até aos nossos dias. Dirigido pelo Director Executivo do NII-4 Mozzohrin, o KIK era composto inicialmente de sete estações espalhadas ao longo do país em Tyura-Tan, Makat, Sary-Shagan, Yeniseysk, Iskhup, Yelizovo e Klyuchi. Todos os dados de telemetria e detecção eram transmitidos para um novo Centro de Computação e Coordenação localizado nas instalações do NII-4 em Moscovo em 1957 e sobre o comando de Pavel A. Agadzhanov, que era pessoalmente responsável pela verificação da detecção de todos os satélites no início do programa espacial. Eventualmente este centro tornou-se parte de um KIK mais alargado que o centro de comando do KIK foi estabelecido a 12 de Julho de 1957. Um grupo análogo também se encontrava estacionado em Tyura-Tan para apoiar o lançamento dos satélites. Apesar das fontes soviéticas sugerirem que o centro e o KIK eram primariamente designados e construídos para apoiar as operações relacionadas com o Objecto D, é claro que a primeira razão da sua origem era o posterior suporte das missões dos futuros satélites militares. Os trabalhos com o Satélite Simples parecem terem abrandado durante os intensos preparativos para o lançamento do R-7 no Verão de 1957. Existiram muitos debates acerca da forma do primeiro satélite, com a maior parte dos membros do OKB-1 a preferirem uma forma cónica devido ao facto de se adaptar convenientemente com a ogiva do lançador. Num encontro levado a cabo no início do ano, Korolev teve uma alteração de opinião e sugeriu uma esfera de metal com pelo menos um metro de diâmetro. Existiam seis pontos a ter em conta para a construção do PS-1: O satélite teria de possuir a máxima simplicidade e fiabilidade, tendo em conta que os métodos utilizados para a sua construção seriam utilizados em futuros projectos; O corpo do satélite devia ser esférico para determinar a densidade atmosférica ao longo do seu caminho orbital; O satélite seria equipado com equipamento de rádio funcionando em pelo menos dois comprimentos de onda de potência suficiente para ser detectado por rádio amadores e para obter dados sobre a propagação das ondas de rádio na atmosfera; As antenas seriam desenhadas de forma a não afectar a intensidade dos sinais de rádio devido à rotação; As fontes de energia seriam compostas por baterias a bordo, garantindo duas a três semanas de funcionamento; A ligação do satélite ao estágio principal do lançador seria desenhado de forma a minimizar a possibilidade de uma falha na separação.

Por outro lado, os cinco objectivos científicos da missão eram: Testar o método de colocação de um satélite artificial em órbita da Terra; Proporcionar dados acerca da densidade atmosférica ao se calcular a sua vida em órbita; Testar métodos ópticos e de rádio para detecção orbital; Determinar os efeitos da propagação das ondas de rádio através da atmosfera; Verificar os princípios da pressurização utilizada no satélite.

O satélite era uma esfera pressurizada com um diâmetro de 0,58 metros e fabricada numa liga de alumínio. A esfera foi construída combinando-se dois hemisférios. O volume interno pressurizado encontrava-se preenchido com azoto a 1,3 atmosferas que mantinha uma fonte de energia electroquímica (três baterias de Prata – Zinco), dois transmissores de rádio D-200, um sistema de regulação térmica DTK-34, um sistema de ventilação, um sistema de comunicação, transmissores de temperatura e pressão e cablagem associada. Os dois transmissores de rádio operavam em frequências de 20,005 MHz e 40,002 MHz com comprimentos de onda de 1,5 metros e 7,5 metros, respectivamente. Os sinais de ambas as frequências eram pequenas emissões de 0,2 s e 0,6 s, e forneciam informação sobre a pressão e temperatura no interior do satélite. Estes sinais proporcionavam o famoso “beep – beep” do satélite. O sistema de antenas era composto de quatro bastões, dois com um comprimento de 2,4 metros e os outros dois com um comprimento de 2,9 metros, que se abririam e colocariam em posição após a entrada em órbita terrestre. Os engenheiros levaram a cabo testes deste sistema de rádio a partir de 5 de Maio de 1957 utilizando um helicóptero e uma estação no solo. A massa total do satélite era de 83,6 kg, dos quais 51 kg representavam a fonte de energia. O engenheiro responsável pelo PS-1 foi Mikhail Khomyakov, tendo Oleg Ivanovskiy como seu ajudante.

Claro que Korolev manteve uma atenção redobrada no desenvolvimento do PS-1 e garantia continuamente que o satélite esférico era mantido extremamente limpo e brilhante não só devido às suas qualidades reflectivas, mas também devido à sua aparência geral. Numa ocasião Korolev teve um ataque de raiva com um funcionário quando este não conseguiu limpar de forma imaculada o modelo do satélite. “Esta bola será exibida em museus!!!”, gritou. A 24 de Junho Bushuyev telefona a Korolev para o informar que havia assinado o documento especificando a configuração final do satélite. A construção do PS-1 teve início em Agosto e o veículo lançador destinado a colocar em órbita o satélite era uma versão melhorada da variante 8K71 do míssil balístico intercontinental, sendo denominado 8K71PS. As modificações introduzidas incluíam a omissão do sistema de rádio de 300 kg do topo do lançador, alterações nos tempos de queima dos motores principais, remoção de um sistema de medição de vibrações, utilização de um sistema especial para separar o lançador do satélite instalado no topo do estágio central, e a instalação de uma ogiva e contentor de carga completamente novos. O comprimento do foguetão com a nova ogiva era de 29,167 metros, quase quatro metros mais curto do que a versão original do míssil. Devido ao facto de haver algumas dúvidas sobre a possibilidade dos observadores no solo serem capazes de observar o pequeno satélite em órbita, Korolev garantiu que o estágio central do lançador fosse suficientemente reflectivo. O Académico Vladimir Kotelnikov, Director do Instituto de Tecnologia Rádio e Electrónica da Academia de Ciências, fez com que alguns dos seus cientistas desenvolvessem um reflector angular para este propósito e que foi instalado no foguetão.

Competição interna

Para além da competição por parte dos Estados Unidos, Korolev teve inesperadamente de lidar com um outro tipo de ameaça vinda da própria União Soviética, mais precisamente o Desenhador-Chefe Mikhail K. Yangel. No primeiro trimestre de 1957, a oficina de Yangel localizada em Dnepropetrovsk, e segundo ordens de Ustinov, iniciou um estudo para explorar a possibilidade de modificar o míssil balístico de alcance intermédio R-12 para se transformar num lançador orbital. O míssil era propulsionado por propelentes hipergólicos e era já desenvolvido há cinco anos, primeiro sobre a tutela de Korolev mas posteriormente transferido para Dnepropetrovsk. Tendo em conta os atrasos sem fim no desenvolvimento do R-7, Yangel avaliou a possibilidade do lançamento imediato de um satélite similar utilizando o mais simples dos foguetões baseado no míssil estratégico R-12. Apesar de as análise mostrarem que um míssil R-12 de dois estágios poder ser utilizado para este fim, não parecia provável que o primeiro lançamento pudesse ser levado a cabo antes do R-7 ou mesmo antes dos americanos. Para alívio de Korolev, o plano foi arquivado.

Entretanto o R-12 iniciava um programa de testes bem sucedido a 22 de Junho de 1967 desde Kapustin Yar, ao mesmo tempo que Korolev via o seu R-7 explodir sobre Tyura-Tan. Ironicamente, Yangel utilizou posteriormente o R-12 como base de desenvolvimento de um lançador orbital nos anos 60.

O Concelho de Ministros havia formalmente aprovado o programa do Satélite Simples em Fevereiro de 1957. Com um lançamento bem sucedido do R-7, Korolev necessitava da autorização final por parte da Comissão Estatal para prosseguir com o lançamento orbital. Apesar da autorização oficial do governo, parece que este processo teve de lutar com muitas dificuldades, sugerindo que mesmo nesta fase existiam elementos na comissão que não estavam interessados no lançamento. Numa reunião da Comissão Estatal após o lançamento de Agosto de 1957, Korolev pediu formalmente autorização para lançar o satélite se um segundo R-7 fosse lançado com sucesso em Setembro. Para muitos membros da comissão, enquanto que estavam conscientes do projecto do Objecto D, a existência do PS-1 surgiu como uma surpresa total. Convencer a comissão foi muito mais difícil do que esperado e a reunião terminou com fortes argumentos e recriminações. Korolev tentou novamente numa segunda reunião levada a cabo pouco depois e desta vez utilizando um argumento político: “Eu proponho colocar a questão de prioridade nacional no lançamento do primeiro satélite
artificial da Terra ao Presidum do Comité Central do Partido Comunista. Eles que decidam”. O argumento acabou por resultar. Nenhum dos membros da comissão queria arcar com a culpa de um potencial erro de cálculo e Korolev teve o que desejava. Um documento final para o lançamento, “O Programa para Levar a Cabo Um Lançamento de Teste de um Simples e Não Orientado ISZ (Objecto PS) Utilizando o Produto 8K71PS”, foi mais tarde assinado por Ryabikov (Comité Especial), Nedellin (Ministério da Defesa), Ustinov (Ministério das Industrias de Defesa), Valery Kalmykov (Ministério da Industria de Tecnologias de Rádio) e Alexander Nesmeyanov (Academia de Ciências).

O subsequente lançamento do R-7 a 7 de Setembro foi bem sucedido tal como o lançamento de Agosto, e o míssil 8K71 (M1-9) voou ao longo da União Soviética antes de colocar a sua carga na Ilha de Kamchatka. Tal como aconteceu anteriormente, o contentor da ogiva acabou por se desintegrar. Para os engenheiros que trabalhavam no satélite, este facto era de menor importância dado que o perfil de voo na missão orbital seria diferente. No Verão, Korolev, Glushko e outros Desenhadores-Chefe haviam informalmente previsto o lançamento do satélite para o 100º aniversário do nascimento de Konstantin Tsiolkovsky a 17 de Setembro, mas cumprir este objectivo tornava-se cada vez mais irrealista. Em vez de se encontrar em Tyura-Tan para um lançamento nesse dia, Korolev e Glushko estavam ambos no Palácio da União em Moscovo para uma celebração especial do nascimento do grande visionário. Num longo discurso para uma distinta audiência, Korolev, cujo verdadeiro trabalho não fora revelado, previu que num futuro próximo os primeiros lançamentos de ensaio de satélites artificiais da Terra com objectivos científicos teriam lugar na URSS e nos EUA. Claro que a audiência não suspeitava que o anúncio de Korolev não era simplesmente uma previsão vaga para um calendário indefinido.

A 20 de Setembro Korolev encontrava-se em Moscovo para uma reunião da Comissão Estatal para o lançamento do PS-1. Os principais participantes na reunião eram o Presidente da Comissão Ryabikov, o Marechal Nedellin, Korolev e Keldysh, que estabeleceram o dia 6 de Outubro como a data de lançamento tendo como base o andamento dos preparativos. Na mesma reunião foi decidido que o anúncio público do lançamento do PS-1 seria feito após a realização da primeira órbita em torno na Terra. Ryabikov escreveu um comunicado para este efeito a 23 de Setembro. As frequências para detecção do satélite por parte dos radioamadores haviam já sido anunciadas no início do ano pela revista Rádio, apesar dos detalhes do programa terem sido obviamente omitidos. A 29 de Setembro Korolev regressa a Tyura-Tan, ficando alojado numa pequena casa próxima da área de maior actividade perto da Área 2.

Os preparativos para o lançamento decorreram na sua maior parte sem qualquer problema, exceptuando a substituição à última hora de uma das baterias da versão de voo do PS-1. Ainda apreensivo perante a possibilidade da ocorrência de um lançamento surpresa por parte dos Estados Unidos, Korolev propõe abruptamente à Comissão Estatal que o lançamento seja antecipado dois dias. A sua preocupação foi aparentemente causada pelos planos para a realização de uma conferência em Washington DC a ter lugar nos primeiros dias de Outubro e relacionada com o Ano Geofísico Internacional. Segundo as informações de Korolev, os delegados americanos iriam apresentar um trabalho intitulado “Satélite Sobre o Planeta” no dia 6, o dia em que estava previsto o lançamento do PS-1. Korolev acreditava que a apresentação estava prevista para coincidir com uma tentativa de lançamento não anunciada por parte dos Estados Unidos. Os representantes locais do KGB garantiram a Korolev que tal não estava previsto, mas Korolev estava convencido que iria ocorrer o lançamento de um Júpiter-C do Exército norte-americano nesse dia. A Comissão Estatal cedeu aos desejos de Korolev e antecipou em dois dias o lançamento do PS-1 para 4 de Outubro. Korolev assinou a ordem final para o lançamento às 0100UTC da tarde desse dia e no dia 2 enviou-a para Moscovo para aprovação. No entanto este documento não seria assinado até à manha do lançamento do PS-1.

O foguetão 8K71PS (M1-PS) foi transportado e instalado na plataforma de lançamento às primeiras horas do dia 3 de Outubro, sendo escoltado a pé por Korolev, Ryabikov e outros membros da Comissão Estatal. O abastecimento teve início às 0245UTC do dia 4 de Outubro, sendo supervisionado por Grechko. Korolev, apesar de se encontrar sobre forte pressão, permaneceu cauteloso ao longo de todos os procedimentos dizendo aos seus engenheiros para não se apressarem e caso existisse alguma dúvida sobre os testes para a expressar. A maior parte dos engenheiros, de forma compreensiva, não tinha tempo para reflectir acerca do significado histórico do que estava a acontecer.

Na noite do dia 4 de Outubro, enormes projectores de luz iluminavam a plataforma de lançamento à medida que os engenheiros no abrigo verificavam os sistemas do lançador. No bunker de comando, acompanhando Korolev, encontravam-se alguns membros da Comissão Estatal tais como Ryabikov, Keldysh, Glushko e Nikolay Pilyugin34, bem como Voskresenskiy e Nosov, que supervisionavam todas as operações do lançamento. Ambos observavam a plataforma de lançamento através de periscópios à medida que emitiam as ordens finais. Boris S. Chekunov, um jovem tenente que tinha como função premir o botão de lançamento, recorda os momentos finais à medida que os ponteiros do relógio marcavam os primeiros minutos após a meia-noite local:

Quando permaneciam somente poucos minutos para o lançamento, Korolev anuiu para Voskresenskiy. Os operadores gelaram, aguardando a ordem final. Alexander Nosov, o chefe da equipa de lançamento, permanecia no periscópio. Ele podia ver toda a plataforma “Um minuto para o lançamento!” disse”.

O engenheiro sénior Shabarov do OKB-1, acrescenta:

Com a excepção dos operadores, toda a gente estava de pé. Somente N. A. Pilyugin e S. P. Korolev estavam sentados. O director do lançamento começou a emitir os seus comandos. Eu mantive-me atento a S. P. Korolev. Parecia nervoso apesar de o tentar esconder. Ele estava a examinar cuidadosamente todas as leituras dos vários instrumentos sem perder qualquer movimento da nossa linguagem corporal e tom de voz. Se alguém levantava a sua voz ou mostrava sinais de nervosismo, Korolev estava instantaneamente de alerta para ver o que se passava”.

Os segundos foram contados até zero e então Nosov gritou o comando para o lançamento. Chenukov premiu de imediato o botão de lançamento. Exactamente às 1928:34UTC (2228:34 Hora de Moscovo), os motores do R-7 entraram em ignição e o lançador de 272830 kg de peso elevou-se da plataforma de lançamento num clarão de luz e fumo. Os cinco motores do R-7 geraram cerca de 398000 kg de força no lançamento. Apesar de o veículo se elevar de forma graciosa no céu, ocorreram problemas. Atrasos na ignição de vários motores poderiam ter resultado na destruição do lançador. Por outro lado, a T+16 s, o sistema de vazamento do tanque não funcionou correctamente, resultando num consumo mais elevado do que previsto de querosene. Devido a este facto ocorreu uma falha numa turbina que originou a desactivação do motor principal 1 segundo antes do momento previsto. Porém, a separação do estágio central ocorreu com sucesso a T+324,5 s e o satélite PS-1 de 83,6 kg entrou numa trajectória elíptica em queda livre. O primeiro objecto fabricado pelo homem entrava em órbita terrestre. Começara uma nova era!

Com a maioria dos membros da Comissão estatal ainda no interior do bunker, os engenheiros em Tyura-Tan aguardaram pela confirmação da inserção orbital do PS-1 numa carrinha localizada a
cerca de 800 metros da plataforma de lançamento. À medida que uma multidão aguardava no exterior, o operador de rádio Vyecheslav I. Lappo, do NII-885, que havia pessoalmente desenhado os transmissores a bordo do PS-1, encontrava-se sentado aguardando ansiosamente o primeiro sinal. Ouve festejos assim que a estação de Kamchatka detectou os sinais do satélite, mas Korolev interrompeu os festejos: “Guardem os festejos. O pessoal da estação pode estar errado. Vamos nós
mesmo ajuizar os sinais quando o satélite voltar após a sua primeira órbita em torno da Terra.” Eventualmente o distinto “beep beep-beep” do satélite chegou com força e claridade através das ondas de rádio e a multidão começou a celebrar. O Desenhador-Chefe Ryazanskiy, que se encontrava na carrinha, telefonou imediatamente a Korolev que se encontrava no bunker. Os espertos em balística no Centro de Coordenação e Computação em Moscovo determinaram a órbita do satélite tendo esta um perigeu a 228 km de altitude e apogeu a 947 km, sendo este 80 km mais baixo do que o previsto devido ao facto de o motor se ter desligado mais cedo do que o previsto. A inclinação orbital era de 65,6º e o período orbital era de 96,17 minutos. Foi também determinado que o satélite estava lentamente a decair da sua órbita, mas Ryabikov aguardou até ao final da segunda órbita para telefonar ao líder soviético.