Feliz Dia da Cosmonáutica!
Na comemoração do 60.º aniversário do histórico voo espacial de Yuri Gagarin, o Boletim Em Órbita assinala a data com a publicação de um artigo baseado num texto de Asif A. Siddiqi que nos relata os acontecimentos que levaram ao primeiro voo espacial tripulado e a própria missão.
Gagarin
As discussões sobre o tipo de passageiros que seriam utilizados para as primeiras missões espaciais orbitais tiveram início concorrentemente com o decreto de Janeiro de 1959 relacionado com os preparativos biomédicos para o voo espacial humano. Quatro meses mais tarde, representantes dos militares, do sector científico e dos centros de desenho, encontraram-se nas instalações da Academia das Ciências na supervisão do Vice-presidente Keldysh, para discutir os meios e os standards de selecção de voluntários para as missões espaciais. Os presentes na reunião tiveram em consideração indivíduos provenientes de uma grande variedade de meios profissionais, tais como aviação, na marinha, da indústria de foguetões, e das corridas de automóveis. Foi após a insistência dos médicos da Força Aérea que Keldysh aprovou um plano para estreitar a selecção somente a pilotos qualificados da Força Aérea. Os médicos argumentaram de forma convincente que o treino da Força Aérea, que incluía a exposição à hipoxia, altas pressões, cargas g em vários eixos, e experiência na utilização de assentos ejectáveis, seria relevante para o treino para as missões espaciais. Um outro factor pode também ter afectado a decisão para escolher pilotos. Em Abril de 1959, a NASA seleccionara os seus primeiros astronautas, e todos os sete provinham de uma formação na aviação nas forças armadas norte-americanas.
Na altura a Força Aérea Soviética emitiu um documento, intitulado “Directivas do Corpo Geral para a Selecção de Cosmonautas”, que instruía um Comandante em Chefe Executivo da Força Aérea, Coronel General Filip A. Agaltsov, com os deveres administrativos para levar a cabo a tarefa. O trabalho de Agaltsov foi facilitado pelo facto de que o grupo de medicina espacial no Instituto de Medicina de Aviação da Força Aérea possuir uma longa história de envolvimento na indústria de foguetões. Dirigido pelo ubíquo Tenente-coronel Yazdovskiy, esta equipa desenvolveu requisitos iniciais básicos para os candidatos em coordenação com os engenheiros do OKB-1. Num encontro inicial para discutir estas especificações, o desenhador Chefe Serguey Korolev apresentou as especificações para os candidatos a cosmonautas. Os homens, e somente seriam considerados homens, deveriam ter entre os 25 e os 30 anos de idade, não deveriam ser maiores do que 1,70 a 1,75 metros, e com um peso não superior a 70 a 72 kg – todos os requisitos suficientes para permitir a sua acomodação na pequena cápsula 3KA, a variante tripulada do Objecto K. Korolev foi directo sobre as habilidades destes candidatos:
Tal como foi repetidamente demonstrado nos nossos voos tripulados e naqueles com animais a bordo, a nossa tecnologia é tal que não necessitamos, tal como o projecto Mercury Americano necessita, que os nossos primeiros cosmonautas sejam engenheiros habilidosos. Os astronautas Americanos devem ajudar a controlar os sistemas do foguetão em todas as fases de voo.
Enquanto isto na realidade não era verdade, era uma indicação da profundidade à qual a automatização era um factor intrínseco no programa espacial tripulado Soviética na sua fase inicial. Durante toda a fase de selecção, Korolev repetidamente enfatizou que um dos critérios primários para os pilotos seria a necessidade de levarem a cabo de forma precisa as funções programadas – um requerimento que na verdade deixava os candidatos com muito menos controlo do que teriam ao voar um simples avião. As especificações finais para os futuros cosmonautas foram decididas em Junho de 1959 num documento aprovado por três instituições da Força Aérea – o Instituto de Medicina de Aviação, o Hospital Central de Pesquisa Cientifica de Aviação, e a Comissão Central para a Medicina de Aviação – bem como a Academia de Ciências da URSS e a Academia de Ciências Médicas da URSS.
A equipa de Yazdovskiy no Instituto de Medicina de Aviação, sendo um grande grupo de médicos com uma grande variedade de interesses, havia sido organizada em diferentes departamentos para o processo de selecção, com secções para fisiologia geral, psicologia, sistemas de suporte de vida e higiene, e para a selecção de cosmonautas propriamente dita. Yazdovskiy nomeou Nikolay N. Gurovskiy e Yevgeniy A. Karpov, dois médicos da Força Aérea, para supervisionar o processo de selecção de candidatos. A cada médico no instituto foi atribuída uma especialidade no campo da medicina bioespacial em preparação para as missões pilotadas. Eles eram V. I. Yazdovskiy (chefe), O. G. Gazenko (fisiologia), A. M. Genin e A. D. Seryapin (higiene e sistema de suporte de vida), F. D. Gorbov (psicologia), e N. N. Gurovskiy e Ye. A. Karpov (selecção e preparação dos cosmonautas, que era o Departamento 7 no instituto). Para além do Instituto de Medicina de Aviação da Força Aérea, o Hospital Central de Pesquisa Cientifica de Aviação (TsNIAG) e a Comissão Central para a Medicina de Aviação (TsVLK), estavam também envolvidos nos estágios preliminares de selecção dos cosmonautas.
Grupos de pares de médicos foram então enviados a um determinado número de bases aéreas principais na parte ocidental da União Soviética. Os médicos nas bases foram também consultados sobre o assunto, e por Agosto, o processo de selecção havia começado com inspecções aos registos de mais de 3.000 pilotos. A maior parte foi eliminada numa fase inicial devido a factores como a altura, peso, e historial médico. Factores de exclusão, baseados no último critério, incluíam certas doenças tais como bronquite crónica, angina, predisposição para gastrite e colite, cólica renal e hepática, e alterações patológicas na actividade cardíaca. Os pilotos restantes foram então entrevistados, iniciando-se este processo a 3 de Setembro, com questões sobre a sua saúde, objectivos, modos, trabalho, e qualidade de vida. Mesmo neste ponto, nenhum dos voluntários estava ciente da natureza da missão, que foi disfarçada sobre o eufemismo de ‘voos especiais’. Mais tarde, Gurovskiy referia:
A conversação (com os pilotos) nada tinha a ver seja de que forma, com o espaço. Alguns oficiais não tinham ideia pelo que tínhamos vindo, enquanto que outros, pelo contrário, aperceberam-se imediatamente e pediram autorização para consultar com as suas famílias. Tivemos de proibir isto de forma absoluta, era um projecto novo ultra-secreto, e o prospecto tinha de tomar a sua própria decisão, sem ajuda exterior.
Pouco mais de 200 indivíduos passaram a fase inicial de selecção e foram então enviados em grupos de vinte para mais testes no Hospital Central de Pesquisa Cientifica de Aviação em Moscovo. Os testes ao abrigo do programa “Tema n.º 6” tiveram início formalmente a 3 de Outubro. Muitos abandonaram a corrida neste ponto à medida que a resiliência e a vontade dos jovens pilotos cedida perante os testes extremamente exigentes e rigorosos. Para além de novas entrevistas, ocorreram um sem número de testes físicos. Num destes os pilotos eram colocados em cadeiras estacionárias rotativas para testar o aparato vestibular. Um outro sujeitava os voluntários a baixas pressões numa câmara barométrica. Um terceiro teste consistia numa centrifugadora clássica para testar as cargas gravíticas. Parecia que os planos originais previa um pequeno grupo de sete ou oito pilotos, mas Korolev insistiu em triplicar este número porque ele queria um grupo muito maior do que a equipa de astronautas da NASA. Em finais de 1959, uma equipa de médicos aprovou vinte homens para servirem como candidatos para a primeira equipa de cosmonautas (A comissão de selecção incluía V. I. Yazdovskiy, N. N. Gurovskiy, Ye. A. Karpov e F. D. Gorbov do Instituto de Medicina de Aviação e K. F. Borodin, I. I. Bryanov, Ye. A. Fedorov e M. D. Vyadro do TsNIAG e do TsVLK.). Estes foram instruídos para regressarem às suas unidades e aguardarem novas ordens.
A 11 de Janeiro de 1960, o Comandante em Chefe da Força Aérea Soviética, Marechal Konstantin A. Vershinin assinava formalmente os planos para o estabelecimento de um centro dedicado exclusivamente para o treino dos cosmonautas para os voos pilotados que se seguiriam. A directiva apontava para a utilização de um velho edifício de dois andares situado nas instalações do campo de Aviação Central de M. V. Frunze em Leninskiy Prospect, Moscovo. Institucionalmente, o novo centro, oficialmente denominado Centro de Treino de Cosmonautas (TsPK), estava subordinado ao Instituto de Medicina de Aviação da Força Aérea. Karpov, de 38 anos de idade, que havia estado envolvido na selecção dos cosmonautas, foi nomeado o primeiro Director do TsPK por uma ordem oficial de 24 de Fevereiro (A equipa de Karpov era constituída pelos oficiais da Força Aérea N. F. Nikersayov (trabalho político), Ye. Ye. Tselikin (director do treino de voo), V. V. Kovalev (dirigente da secção de treino) e A. I. Susuyev (director da secção logística). A verdadeira designação do TsPK era a ‘Unidade Militar nº 26266).
A equipa inicial nas instalações era composta por cerca de 250 pessoas. Apesar do novo centro estar sobre o controlo de médicos, a Equipa Geral da Força Aérea exercia uma supervisão total de todos os assuntos dos cosmonautas através de um oficial de alta patente que se tornou numa das personalidades mais proeminente na história do programa espacial Soviético, Nikolay Petrovich Kamanin.
Tenente General na Força Aérea Soviética, Kamanin era bem conhecido da população Soviética mesmo antes da existência do programa espacial. Como piloto de 25 anos de idade em Fevereiro de 1934, participou numa missão de salvamento arriscada no Árctico para salvar os tripulantes do navio Chelyushkin, que estava preso no gelo flutuante. Por este acto em particular, Kamanin teve a distinção de ser o primeiro cidadão Soviético a ser agraciado com o título de ‘Herói da União Soviética’, uma honra reservada para os grandes actos de bravura. Em finais dos anos 50, Kamanin estava a servir como presidente adjunto de uma organização de jovens voluntários dedicada ao treino de rapazes e raparigas para serviços futuros nas forças armadas. Claramente, a sua estatura como um aviador público famoso foi crucial na sua nomeação dado que parece não ter estado envolvido em qualquer projecto militar significativo de alta prioridade em toda a sua carreira. Foi substituído nas suas funções naquela altura e oficialmente designado Chefe Adjunto do Corpo Geral da Força Aérea para as Preparações para Combate. As suas funções incluíam a supervisão da selecção, treino, e administração dos novos cosmonautas e relatava directamente ao alto comando da Força Aérea, incluindo o Comandante em Chefe Marechal Vershinin (Kamanin reportava nominalmente a quatro oficiais da Força Aérea: o seu superior imediato o Chefe do Corpo Geral da Força Aérea Coronel General P. I. Brayko, o Comandante em Chefe Adjunto da Força Aérea Coronel General F. A. Agaltsov, Primeiro Adjunto da Força Aérea Comandante em Chefe Marechal S. I. Rudenko, e Vershinin). Apesar do júnior Karpov dirigir oficialmente o Centro de Treino de Cosmonautas, era efectivamente Kamanin, de 51 anos de idade, que controlava as suas actividades mais importantes. Nos anos seguintes, nenhum cosmonauta Soviético seria lançado no espaço sem a sua «bênção».
A 22 de Fevereiro, Kamanin aprovou formalmente a curta lista final de vinte candidatos a cosmonautas seleccionados nos finais de 1959. Estes jovens homens, juntamente com outros sete do outro lado do mundo, representavam o primeiro grupo de pessoas a serem preparadas para viagens no espaço exterior. Os vinte eram:
• Tenente Sénior Ivan N. Anikeyev (27 anos)
• Major Pavel I. Belyayev (34)
• Tenente Sénior Valentin V. Bondarenko (23)
• Tenente Sénior Valery F. Bykovskiy (25)
• Tenente Sénior Valentin I. Filatyev (30)
• Tenente Sénior Yuri A. Gagarin (25)
• Tenente Sénior Viktor V. Gorbatko (25)
• Capitão Anatoly Y. Kartashov (27)
• Tenente Sénior Yevgeniy V. Khrunov (26)
• Capitão Engenheiro Vladmir M. Komarov (32)
• Tenente Alexei A. Leonov (25)
• Tenente Sénior Grigori G. Nelyubov (25)
• Tenente Sénior Andian G. Nikolayev (30)
• Capitão Pavel R. Popovich (29)
• Tenente Sénior Mars Z. Rafikov (26)
• Tenente Sénior Georgi S. Shonin (24)
• Tenente Sénior Gherman S. Titov (24)
• Tenente Sénior Valentin S. Varlamov (25)
• Tenente Sénior Boris V. Volynov (25)
• Tenente Sénior Dmitry A. Zaikin (27)
Do grupo, cinco não cumpriam o critério da idade de ser entre os 25 e 30, mas esta condição foi ignorada devido às suas performances nos procedimentos de selecção. Dois em particular, Belyayev e Komarov, eram os mais formados e experientes membros da equipa, tendo-se já formado em academias da Força Aérea. Devido à restrição de idades, nenhum dos seleccionados era piloto de testes, ao contrário dos seus colegas norte-americanos. Komarov tinha alguma experiência como engenheiro de teste ao voar novos aviões, mas o piloto mais experiente, Belyayev, havia somente acumulado 500 horas de tempo de voo. Outros como Gagarin haviam voado somente 230 horas. Só um piloto, Popovich, havia voado o que era então considerado um avião de alta performance, o MiG-19. Em grande parte, isto era um resultado directo do alto grau de automação dos veículos espaciais Soviéticos; simplesmente não havia requisitos para uma significativa experiência de pilotagem ou habilidade nesta fase. Os candidatos tinham de se inteligentes, estar confortáveis com situações de alto stress, e acima de tudo fisicamente aptos.
Em finais de Fevereiro de 1960, doze dos vinte cosmonautas seleccionados chegaram para testes médicos finais a serem realizados no Hospital Central de Pesquisa Cientifica de Aviação. Foi ali que a 7 de Março o Marechal Vershinin proferiu um discurso de boas-vindas, que uma testemunha caracterizou de “palavras festivas antes da partida para uma jornada longa e difícil.” No mesmo dia, Kamanin assinou as ordens finais oficialmente colocando-os na equipa de cosmonautas e instruindo-os a regressar às suas unidades da Força Aérea, resolver todos os assuntos pendentes, e depois deslocaram-se para o novo centro de treino. As ordens para os restantes oito treinandos foram assinadas entre 9 de Março e 17 de Junho de 1960, após as quais todos os vinte estavam permanentemente colocados no centro (Os primeiros doze a ingressarem oficialmente na equipa a 7 de Março de 1990 foram Anikeyev, Bykovskiy, Gagarin, Gorbatko, Komarov, Leonov, Nelyubov, Nikolayev, Popovich, Shonin, Titov e Volynov. Khrunov juntou-se-lhes a 9 de Março. Zaikin e Filatyev ingressaram na equipa a 25 de Março. Belyayev, Bondarenko, Rafikov e Varlamov ingressaram a 28 de Abril e Kartashov juntou-se-lhes a 17 de Junho. As suas ordens oficiais foram assinadas pelo Comandante em Chefe da Força Aérea Soviética Marechal K. A. Vershinin). As aulas de treino para os candidatos tiveram início às 0800UTC do dia 14 de Março com uma palestra introdutória feita pelo médico Yazdovskiy. Durante os quatro meses iniciais, o treino foi dividido entre um pesado ênfase em disciplinas académicas e regimes gerais de treino físico diário. Estes treinos incluíam duas horas por dia de exercícios calisténicos intensivos levados a cabo no Estádio Central do Exército em Moscovo. Meses mais tarde, foi construído um pavilhão para a prática de exercício físico nas instalações do centro de treino. Para proporcionar uma ligação distinta entre o veículo espacial no qual iriam voar e o treino, os candidatos tinham três vezes por semana aulas com especialistas do OKB-1 que leccionavam aulas relacionadas com sistemas de foguetões espaciais, biomedicina espacial, navegação, comunicações via rádio, geofísica e astronomia (Nas fases iniciais as aulas do OKB-1 eram leccionadas por K. D. Bushuyev, K. P. Feoktistov, M. K. Tikhonravov, B. V. Raushenbakh, V. I. Sevastyanov, e Ts. V. Solovyev. As aulas de biomedicina eram inicialmente leccionadas por O. G. Gazenko, V. V. Parin, e V. I. Yazdovskiy).
Da esquerda para a direita: Ivan Nikolayevich Anikeyev, Pavel Ivanovich Belyayev, Valentin Vasilyevich Bondarenko, Valery Fyodorovich Bykovskiy e Valentin Ignatyevich Filatyev
Da esquerda para a direita: Yuri Alexeiyevich Gagarin, Viktor Vasilyevich Gorbatko, Anatoly Yakovlevich Kartashov, Yevgeniy Vasilyevich Khrunov e Vladmir Mikhailovich Komarov
Da esquerda para a direita: Alexei Arkhipovich Leonov, Grigori Grigorievich Nelyubov, Andian Grigorievich Nikolayev, Pavel Romanovich Popovich e Mars Zakirovich Rafikov
Da esquerda para a direita: Georgi Stepanovich Shonin, Gherman Stepanovich Titov, Valentin Stepanovich Varlamov, Boris Valentinovich Volynov e Dmitry Alexeyevich Zaikin.
O treino de salto com pára-quedas, que preparou os cosmonautas para eventos nominais e de emergência que poderiam ocorrer durante as suas missões, foi iniciado a 13 de Abril quando a maior parte dos pilotos foi transportada de avião para a região de Saratov perto de Engels para começar os saltos a partir de um avião Antonov An-2 convertido. Dentro de cerca de seis semanas, cada um havia levado a cabo cerca de quarenta a cinquenta saltos, e tornaram-se aclimatizados com a descida na água e no solo, a partir de grandes e baixas altitudes, e há noite (o treino de saltos de pára-quedas era dirigido pelos instrutores do TsPK, I. M. Dzuba, M. I. Maksimov, N. K. Nikitin, A. K. Starikov, e K. D. Tayurskiy). Ao mesmo tempo, o treinando Vykosvkiy tornou-se no primeiro indivíduo a ser submetido a um teste de quinze dias na câmara anecóica TBK-12, iniciando a 6 de Abril, para simular os efeitos de um isolamento psicológico completo. Outros testes médicos incluíam a utilização do baloiço Khilov para testar o sistema vestibular, as cadeiras rotativas Barani e Rotor, uma câmara barométrica de baixa pressão para simular altitudes até 12 km, uma centrifugadora capaz de induzir até 10 g’s, e uma câmara térmica para sujeitar os treinandos a temperaturas até 70ºC durante uma ou duas horas. Testes médicos regulares eram administrados antes e após cada exercício. Não foi surpreendente o facto de, de todos os regimes de treino, os cosmonautas eram mais resistentes aos testes médicos e de resistência, e aparentemente foi difícil convencer o grupo para se sujeitar a uma série de testes que parecia interminável. Para manter a sua proficiência, era permitido aos treinandos pilotar o avião de treino MiG-15UTI sobre a supervisão de Mark L. Gallay, um dos mais famosos pilotos de teste na União Soviética. Os aviões eram cedidos pelo prestigiado Instituto de Pesquisa de Voo M. M. Gromov em Zhukovskiy. Com a direcção de Gallay, os treinandos voavam trajectórias parabólicas para simular a microgravidade por períodos até trinta segundos em aviões Tupolev Tu-104 especialmente equipados.
Devido às limitações de espaço das instalações existentes, a Força Aérea incumbiu o seu pessoal no novo centro a explorar a possibilidade de o deslocar para uma localização mais amena para as necessidades do treino dos cosmonautas. Inicialmente foi recomendado duas potenciais localizações perto de Moscovo: uma em Balashikha e a outra perto da Estação de Caminho de Ferro de Tsiolkovskiy em Shelkovo. Após analisarem os prós e contras, a Força Aérea decidiu deslocar a totalidade do programa de treino para a última área devido à sua localização isolada e grande área disponível. A proximidade de várias instalações chave, incluindo o OKB-1, um grande complexo de habitação, a Academia de Ciências, e o aeródromo de Monino, foram também factores importantes na selecção. O pessoal do centro de treino e os cosmonautas foram formalmente recolocados para a nova localização a 29 de Junho de 1960. Este novo subúrbio de Moscovo, a cerca de 30 km a nordeste da capital, foi rebaptizado como Zelenyy (‘Verde’). Porém, a localidade é conhecida pelo seu mais recente nome de Zvezdniy Gorodok – ‘Cidade Estrelada’ ou ‘Cidade das Estrelas’ – (a localidade recebeu este nome a 28 de Outubro de 1968.), o local onde os cosmonautas e astronautas treinam para voos nos veículos espaciais russos.
À medida que o treino básico para os treinandos se aproximava do fim, um simulador rudimentar de uma cápsula espacial, denominado TDK-1, o primeiro do género na União Soviética, foi construído no Instituto de Pesquisa de Voo M. M. Gromov para permitir o treino de vários modos da missão (o simulador foi desenhado e construído pelo Grupo de Desenho Experimental Estatal do Instituto de Pesquisa de Voo (SOKB LII), dirigido pelo Desenhador Chefe S. G. Darevskiy.). Devido aos facto de os médicos acreditarem que seria ineficiente treinar todos os vinte homens num único simulador nesta fase inicial, Korolev, Karpov e Kamanin recomendaram que os responsáveis seleccionassem um núcleo de seis pilotos que iria cumprir um treino acelerado. Este grupo iria levar a cabo os primeiros voos pilotados, enquanto que os restantes catorze elementos iriam continuar o treino básico para voar numa data posterior. Alguns como Volynov, que era muito largo de ombros, e Shonin, que era muito alto, não foram considerados para o grupo primário. Komarov, que era claramente o candidato mais forte, sendo um engenheiro e um piloto capaz, teria sido incluído na equipa não tivesse sido o facto de uma anomalia cardíaca ter sido descoberta inadvertidamente pelos médicos durante um exercício de treino. A Força Aérea acabou eventualmente por elaborar uma pequena lista de seis nomes a 30 de Maio de 1960. Informalmente intitulada “Os Seis de Vanguarda”, eles eram Gagarin, Kartashov, Nikolayev, Popovich, Titov e Varlamov. Para se encontrar com eles, Korolev visitou o centro pela primeira vez a 18 de Junho. Os cosmonautas haviam tomado conhecimento pela primeira vez da sua existência somente três meses antes, apesar de mesmo então ele ser simplesmente designado como “desenhador chefe” para esconder a sua identidade. Os seis, por sua vez, devolveram a honra com a visita às instalações do OKB-1 no mês seguinte, vendo pela primeira vez o veículo espacial que estavam destinados a voar.
O grupo central de cosmonautas sofreu as suas primeiras baixas, ambas de forma coincidente em Julho de 1960, logo após se transferir para a nova localidade de Zelenyy. A 16 de Julho, após um teste de centrifugação onde atingiu 8 g’s no TsPK, os médicos descobriram um vermelhão na coluna vertebral de Kartashov. Testes subsequentes levados a cabo na centrifugadora confirmaram o diagnóstico original de hemorragias, o que implicava a fraqueza dos vasos sanguíneos. De outra forma uma pessoa completamente saudável, Kartashov foi imediatamente removido do grupo central, apesar de ter permanecido no centro a continuar o treino básico com os outros cosmonautas. Apesar de apelos dos seus colegas, tais como Titov, Kartashov foi eventualmente dispensado da equipa em Abril de 1962 sem nunca ter sido nomeado para qualquer missão. Um pouco mais de uma semana após o acidente de Kartashov, a 24 de Julho, um segundo treinando do grupo central, Varlamov, esteve envolvido num acidente de natação nos Lagos Medvezzhiy enquanto nadava com outros dois pilotos, Bykovskiy e Shonin. Durante um mergulho, Varlamov atingiu o fundo do lago com a sua cabeça e magoou a coluna vertebral. Após o diagnóstico, descobriu-se que tinha uma vértebra cervical deslocada, o que o desqualificava do treino (Kartashov demitiu-se oficialmente da equipa de cosmonautas a 7 de Abril de 1962, após o que se tornou num piloto de teste para o Ministério da Defesa. Trabalhou durante muitos anos no GSOKB-472 de O. K. Antonov antes de se reformar, Varlamov demitiu-se oficialmente da equipa de cosmonautas a 6 de Março de 1961. Após a sua demissão, serviu como chefe adjunto do posto de controlo de voo espacial do centro e mais tarde como instrutor chefe. Faleceu a 2 de Outubro de 1980 em resultado de uma hemorragia cerebral). Nelyubov e Bykovskiy, respectivamente, ocuparam as posições de Kartashov e Varlamov. Bykovskiy foi aparentemente favorecido devido á sua aparência magra, baixo peso, e uma alta tolerância às cargas gravíticas. Assim em finais de Julho, seis homens estavam na linha de partida para competir pelo grande prémio de um deles ser o primeiro cidadão Soviético no espaço: Gagarin, Bykovskiy, Nelyubov, Nikolayev, Popovich e Titov. Se tudo corresse segundo os planos de Korolev, um deles também teria a distinção de ser o primeiro homem no espaço.
Korabl-Sputnik
O programa de teste para o primeiro veículo espacial tripulado Soviético teve início em 1960. Nessa altura, ao veículo foi atribuído o nome actual: Vostok (‘Este’). Em Abril, os engenheiros do OKB-1 dirigidos por Bushuyev e Tikhonravov haviam finalizado o plano para a primeira versão, designada 1K (ou Vostok 1), essencialmente um modelo para teste em órbita dos sistemas primários do veículo espacial. Também mencionados nos planos estavam o veículo 2K (Vostok 2) e o veículo 3K (Vostok 3). O veículo 2K seria um satélite de reconhecimento automático, enquanto que o veículo 3K seria o veículo espacial tripulado. Existia uma pressão considerável para acelerar o calendário da cápsula Vostok 3, principalmente devido à corrente de notícias originadas do Projecto Mercury. Em princípios do Verão de 1960, os oficiais da NASA marcaram um alvo informal para o OKB-1: para Korolev em particular, era absolutamente imperativo que a primeira Vostok pilotada estivesse em órbita antes de uma Mercury suborbital. O prazo estabelecido de ‘final de 1960’ foi especificado num documento oficial do governo Soviético, datado de 4 de Junho de 1960, intitulado “Sobre o Plano para o Domínio do Espaço Cósmico”; todos os testes para um voo Vostok pilotado estariam completos em Dezembro de 1960.
O programa de testes para se conseguir este objectivo envolvia não só o lançamento das cápsulas Vostok 1 e Vostok 3, mas também o lançamento de uma série de mísseis de curto alcance para a atmosfera superior para testar os vários elementos do sistema de suporte de vida e a instrumentação de suporte biológico. Enquanto que nenhum dos testes espaciais utilizou o veículo Vostok, os voos fizeram uma importante contribuição para o progresso do programa Vostok como um todo. A maior parte destes lançamentos foram anunciados publicamente pelos media Soviéticos como sendo uma extensão do programa científico incluído no Ano Geofísico Internacional de 1957-58. Dois tipos diferentes de mísseis foram utilizados para estas experiências, o R-2A e o R-5A, ambos variantes científicas de mísseis balísticos militares. Pelo menos cinco lançamentos bem sucedidos do R-2A em 1957 foram seguidos por mais seis entre Julho de 1959 e Setembro de 1960, todos para altitudes de cerca de 212 km. Cada um transportou dois cães (a segunda série foi inaugurada a 2 de Julho de 1959 e finalizada a 22 de Setembro de 1960. Ocorreram duas falhas adicionais no programa num total de 13 lançamentos.). Um programa de lançamentos mais avançado mas menos intensivo foi levado a cabo pelo R-5A, que permitiu a duplicação do tempo em imponderabilidade para os cães a bordo. Quatro lançamentos foram executados entre Fevereiro e Outubro de 1958, cada um transportando dois cães para altitude de cerca de 470 km, um recorde mundial para um míssil balístico de um só estágio.
O sucesso dos lançamentos verticais destes mísseis ajudou a reforçar a confiança no programa Vostok geral. De um ponto de vista político, porém, o projecto pilotado ainda se encontrava em competição com objectivos militares mais importantes. Desde finais de 1958, o OKB-1 estava a trabalhar num esforço de desenvolvimento paralelo de um satélite de reconhecimento denominado Zenit. Apesar de inicialmente haver um apoio implícito para enfatizar a porção pilotada, em princípios de 1960, talvez originada pela alteração de posições estratégicas entre as duas superpotências, o governo Soviético expressou uma crescente impaciência no calendário do projecto de vigilância. Numa reunião a 9 de Janeiro de 1960, o Presidente da Comissão Militar Industrial Ustinov relembrou aos líderes do OKB-1 que “não existia objectivo mais importante no tempo presente” do que o programa de reconhecimento. O criticismo foi directamente apontado ao entusiasmo idealista de Korolev pelo voo espacial tripulado, e também sublinhou a crescente brecha entre os objectivos militares e civis no programa espacial Soviético. Quanto o Concelho de Desenhadores Chefe havia originalmente decidido em finais de 1958 dar uma maior prioridade á Vostok do que à Zenit, o Ministro da Defesa ainda estava relativamente incerto dos requerimentos do reconhecimento espacial. Esta posição havia mudado de forma drástica em menos de dois anos, possivelmente exacerbada pelos lançamentos dos satélites espiões norte-americanos CORONA sobre o disfarce do programa Discoverer.
O programa Vostok como um todo atingiu um marco importante no princípio do Verão de 1960, quando o primeiro artigo pronto para o voo foi transportado para Baikonur para lançamento. Supervisionando o programa de testes da Vostok estava outra ‘Comissão Estatal’ ad hoc, esta originalmente estabelecida para dirigir a série de lançamentos do míssil balístico intercontinental R-7A que estava a decorrer. O Marechal Nedelin, o Comandante em Chefe da Forças Mísseis Estratégicas, servia como presidente da comissão, com a sua presença a sublinhar a desenfreada influência dos militares sobre um projecto «civil».
O primeiro veículo Vistok 1 que foi preparado para o lançamento era uma subvariante designada 1VP (ou Vostok 1P), com o ‘P’ a significar que era um veículo simples (‘Prostoy’) e que não havia sido desenhada para ser recuperada. O veículo não possuía escudo térmico para o módulo de descida e nem um sistema de suporte de vida. Em vez do grande assento ejectável que iria transportar o piloto, o veículo espacial transportava um modelo para simular as cargas correctas. Ao contrário de veículos Vostok que iriam surgir mais tarde, foram instalados dois painéis solares em forma de semi-círculo num bastão na parte frontal do aparelho de descida. Este sistema, designado Luch (‘Raio’), iria fornecer energia ao veículo espacial na forma de uma experiência para avaliar a efectividade da energia solar sobre as baterias químicas (O sistema de painéis solares foi desenhado pelo Instituto de Pesquisa Científica de Toda a União de Fontes de Corrente ‘VNIIT’ dirigido por N. S. Lidorenko.). O principal objectivo da missão era o de testar os elementos básicos do veículo, em particular o complexo sistema de orientação Chayka, que iria colocar o veículo espacial na atitude apropriada para a reentrada. Apesar do veículo ser destruído na reentrada, os dados de telemetria iriam indicar se o veículo teria sido devidamente orientado. A massa total do veículo espacial era de 4.450 kg.
Os engenheiros começaram a chegar a Baikonur a 28 de Abril de 1960, em preparação para o voo, que estava planeado para os princípios de Maio. Existiram numerosos problemas com o sistema Chayka que ameaçaram adiar a missão. Os engenheiros entregaram um sistema pronto para o voo vários dias mais tarde e instalaram-no no veículo somente a 5 de Maio. Anomalias contínuas com o sistema forçaram o Marechal Nedelin a alterar a data de lançamento a 15 de Maio, exactamente três anos após o primeiro lançamento do R-7. Foi um lançamento levado a cabo de manhã cedo com o Sol a brilhar no céu quando o veículo lançador 8K72 apressou-se para a órbita terrestre com a sua carga Vostok 1P (O lançamento teve lugar às 00:00:05,6UTC do dia 15 de Maio de 1960 e foi levado a cabo por um foguetão 8K72 Vostok (L1-11)). O veículo entrou com sucesso numa órbita de 312 km por 369 km com uma inclinação de 65º. Mal receberam as notícias de uma inserção orbital com sucesso, os principais membros da Comissão estatal reuniram-se para escrever um comunicado para a imprensa Soviética. Existiu alguma indecisão sobre a designação a dar ao veículo nos media: “Existem navios no mar, navios no rio, «navios» no ar, e agora existirão navios espaciais!” (outros presentes eram L. A. Grishin, A. Yu. Ishlinskiy, e M. V. Keldysh). Apesar do termo “navio espacial” ter sido utilizado pela primeira vez no anuncio oficial da agência TASS sobre a missão, o veículo foi simplesmente designado Korabl-Sputnik (‘navio-satélite’) – o satélite Korabl-Sputnik (000036 1960-005A 1960 Epslon 3) é por vezes identificado como Sputnik-4. Não existia qualquer indicação de que a missão tinha alguma relevância para um programa espacial tripulado.
O voo, planeado para ter uma duração de quatro dias, procedeu sem incidentes, com os testes bem sucedidos dos sistemas eléctricos e de fornecimento de energia. A reentrada, a parte mais crítica da missão, estava prevista para a manhã cedo do dia 19 de Maio. Antes da prevista entrada em funcionamento dos motores de travagem TDU-1, o grupo de controlo em Baikonur (Grupo T) havia detectado anomalias no sistema de controlo de atitude primário, que utilizava sensores de infravermelhos. Apesar do sistema como um todo parecer estar a funcionar perfeitamente, o sensor não estava a responder correctamente. A equipa de Baikonur relatou o problema ao grupo de controlo em Moscovo (Grupo M), mas o desenhador do sistema, Boris V. Raushenbakh, recusou-se a concordar com as recomendações do Grupo T para utilizar o sistema de orientação suplente. O Chefe Desenhador Adjunto do OKB-1 Boris Ye. Chertok, que era o responsável pelo Grupo T, rapidamente convocou uma reunião em Baikonur e chegou a um consenso de que o sistema primário não deveria ser utilizado, em favor do ainda operante sensor solar Grif. Ele passou então esta recomendação para Moscovo. Apear de parecer que Korolev concordava no princípio com Chertok, ele cedeu aos argumentos persuasivos por parte de Keldysh e de Raushenbakh para seguir com o sistema primário. Infelizmente, na 64ª órbita, o sistema primário sofreu uma avaria e os catorze motores que trabalhavam a azoto comprimido (10 kg cada motor) inseriram o satélite numa atitude errada. Os motores de travagem TDU-1 accionaram-se automaticamente à hora prevista de 2352UTC, mas o veículo espacial, em vez de reentrar na atmosfera, foi propulsionada para uma nova órbita mais elevada de 307 km por 690 km. O módulo de descida acabou eventualmente por reentrar cinco anos mais tarde a 15 de Outubro de 1965. Korolev, indignado pelo erro de controlo, enviou reprimendas a vários dos seus engenheiros, incluindo a um dos desenhadores da Vostok, Feoktistov (o tempo de queima foi de cerca de 26 segundos, o que implica que o motor TDU-1 foi desligado antes de uma queima completa ou também terá sofrido uma avaria).
Após uma curta investigação sobre a avaria, o OKB-1 optou por remover o sistema de infravermelhos da variante Vostok 3A pilotada. Estes veículos estariam em vez disso equipados com dois sistemas: um sistema automático solar e um sistema manual que utilizaria o horizonte terrestre. O segundo veículo Vostok I preparado para o voo, enquanto possuía um velho conjunto de sistemas de orientação, era mais avançado do que o seu modesto predecessor; estava equipado com um sistema de suporte de vida operacional e meios de recuperação. Dois cães, Chayka e Lisichka, foram treinados para voar em órbita a bordo. Korolev gostava particularmente de Lisichka, um gosto que era evidentemente mútuo; de outra forma um cão calmo, tornava-se invariavelmente animado quando Korolev o visitou durante as operações de pré-lançamento. Os dois cães foram lançados a 28 de Julho de 1960 (o lançamento teve lugar às 0931UTC e foi levado a cabo por um foguetão 8K72 Vostok (L1-10)), mas a missão correu mal logo desde o início. Logo 16 segundos após o lançamento, o veículo lançador começou a “tombar para um dos lados” em resultado de um incêndio e da ruptura da câmara de combustão num dos propulsores laterais (no Blok G). o propulsor inerte separou-se do lançador, e o foguetão acabou eventualmente por explodir a T+28,5 segundos. Apesar do aparelho de descida ter-se separado do conjunto, a explosão matou ambos os passageiros.
O acidente forçou a sérias considerações para testar um sistema de emergência no foguetão 8K72. O Departamento de Tikhonravov, responsável pelo desenho do veículo espacial, propôs um sistema em finais de Agosto que iria garantir que qualquer cosmonauta a bordo teria a capacidade de abortar a missão em quatro diferentes estágios da ascensão para a órbita terrestre. Os primeiros quarenta segundos do lançamento eram considerados a parte mais perigosa, e no caso de uma avaria no lançador, o piloto poderia ejectar-se da cápsula através de um sistema de catapulta e aterrar separadamente por pára-quedas (de notar que nos apontamentos de Korolev datados de 1961 nos quais sumariza os lançamentos dos Korabl-Sputnik, ele refere que o sistema foi instalado em todas os voos Vostok após o acidente de Julho de 1960, o que implica que tal sistema fora utilizado no lançamento de Agosto de 1960). A adição de um sistema de emergência bem como as alterações nos sistemas de orientação não eram usuais num programa cuja fase de testes em voo havia já sido iniciada. O programa Vostok tinha de facto a estranha distinção de ser talvez o único programa espacial pilotado cujo plano – isto é, o documento técnico que especifica o seu desenho – evoluir continuamente ao longo do período do projecto. Isto era sem dúvida atribuível aos limites de tempo colocados em parte pelos planos para o Projecto Mercury.
A seguinte missão iria transportar para órbita dois novos cães, Belka e Strelka. Juntamente com os cães, existiam outros numerosos espécimenes biológicos. A cabina pressurizada continha doze ratos, insectos, plantas, fungos, culturas, sementes de milho, centeio, ervilhas, cebolas, micróbios, faixas de pele humana, e outros espécimenes. Adicionalmente haviam 28 ratos e dois ratos brancos no exterior do assento ejectável, mas dentro do módulo de descida. Duas câmaras internas de televisão, desenvolvidas pelo NII-30, iriam permitir a observação dos cães durante o voo espacial. O veículo espacial estava totalmente equipado com uma catapulta funcional, um sistema de suporte de vida, e pára-quedas. O lançamento, originalmente agendado para 15 de Agosto, foi adiado devido a problemas numa válvula de oxigénio no foguetão, mas os cães foram finalmente lançados para órbita às 08:44:06UTC do dia 19 de Agosto (o lançamento foi levado a cabo pelo foguetão 8K72 Vostok (L1-12)). Após entrar com sucesso numa órbita de 306 km por 339 km com uma inclinação de 64,96º, o satélite foi designado “Segundo Korabl-Sputnik”. A massa total em órbita era de 4.600 kg. A notícia do lançamento foi imediatamente transmitida para a Câmara dos Comuns durante os minutos nos quais os juízes estavam a considerar a sentença para o norte-americano Francis Gary Powers, que havia sido abatido por um míssil Soviético S-75 em Maio do ano anterior.
Ao longo da missão de um dia, os médicos monitorizaram de forma contínua a condição médica dos cães enquanto que vários outros parâmetros do sistema de suporte de vida eram cuidadosamente observados. Devido ao facto de haver duas câmaras a abordo do veículo espacial, o grupo de apoio médico de Yazdovskiy era capaz de observar as reacções dos cães enquanto em voo. As imagens provenientes da cápsula não eram encorajadoras. Inicialmente, os cães pareciam mortalmente quietos, e sem o fluxo de dados relativos aos seus sinais de vida, era impossível dizer se eles estavam vivos ou não. Mais tarde ficaram mais animados, mas os seus movimentos pareciam convulsivos. Belka ganiu e acabou por vomitar na quarta órbita. Silenciosamente, Yazdovskiy observava as imagens provenientes do satélite e pesadamente relataria à Comissão Estatal que um voo com um cosmonauta deveria ser limitado a uma órbita e não mais. Simplesmente ainda existiam muitos pontos desconhecidos acerca do efeito da ausência de peso no organismo humano. Um número de experiências científicas foi levado a cabo durante a missão, incluindo as experiências para a detecção de raios cósmicos e a monitorização das emissões de alta energia nos comprimentos de onda ultravioleta e de raios-x.
A telemetria mostrava que o sistema de orientação de infravermelhos havia falhado de novo. Após uma noite atarefada a verificar as suas capacidades, os engenheiros recomendaram a utilização do sistema suplente de orientação solar. Este sistema teve uma performance sem qualquer anomalia na 18ª órbita, e o módulo de descida entrou na atmosfera terrestre no ângulo correcto. O sistema de catapulta operou na altura devida e ejectou a cabina com os cães no simulador do assento de ejecção. A cabina aterrou com sucesso somente a 10 km do local designado para aterragem na região de Orsk no Cazaquistão após um voo de 1 dia e 2 horas. Belka e Strelka tornaram-se nos primeiros seres vivos a serem recuperados desde a órbita terrestre. O Korabl-Sputnik 2 era na altura somente o segundo objecto a ser recuperado da órbita terrestre; o satélite Americano Discoverer-13 (o Dicoverer-13 (00048 1960-008A 1960 Teta) foi lançado às 2037:54UTC do dia 10 de Agosto de 1960 por um foguetão Thor Agena A (231) a partir do Complexo de Lançamento 75-3-5 da Base Aérea de Vandenberg, Califórnia.) havia antecipado o satélite soviético em 9 dias (o Discoverer-13 era um satélite de reconhecimento CORONA numa missão de diagnóstico sem câmaras a bordo. De notar que uma fonte sugere que o módulo de descida do Korabl-Sputnik 2 (00055 1960-011A 1960 Lambda 1) aterrou a 200 km do seu local de descida previsto.). Os médicos encontraram ambos os cães em boas condições apesar das preocupações durante a missão. Testes fisiológicos extensivos provaram que não ocorreram alterações fundamentais ao nível da saúde dos dois cães.
Este voo em particular foi um momento decisivo e verificou quase todos os elementos primários do desenho do veículo. Korolev regressou a Moscovo a 28 de Agosto para escutar os relatórios do Chefe Desenhador Adjunto Bushuyev e do Chefe de Grupo Feoktistov acerca do progresso do desenho da variante pilotada Vostok 3A. Muito satisfeito com o trabalho realizado, Korolev, em coordenação com os outros principais desenhadores chefe envolvidos no programa (Glushko, Ryazanskiy, Pilyugin, Barmin, Kuznetsov, Bogomolov, Isayev, Kosberg, Alekseyev e Yazdovskiy), preparou um documento intitulado “Estado Básico do Desenvolvimento e Preparação do Objecto 3KA (O Veículo Espacial tripulado ‘Vostok 3A’)”, que incluía listagens e descrições dos principais sistemas do veículo espacial bem como um ciclograma para um voo nominal com planos de contingência para todas as falha possíveis.
A importância do documento, datado de 7 de Setembro de 1960, não era tanto pelo seu detalhe técnico, mas por causa da fantástica preocupação pela segurança do piloto que surgia em cada secção do relatório. Uma secção era completamente dedicada à enumeração das redundâncias e medidas de segurança para cada um dos principais sistemas do veículo espacial, desde os críticos sistemas de orientação até aos pequenos cartuchos pirotécnicos na escotilha ejectável. Finalmente, e no que deve ter sido um toque pessoal de Korolev, os autores enfatizaram que as anteriores práticas de gestão na industria de mísseis não seriam mantidas no projecto Vostok pois as falhas não eram resultados aceitáveis. O sistema Vostok completo era composto de um veículo de lançamento de seis unidades a três estágios com cerca de trinta sistemas térmicos, estáticos e dinâmicos, tais como turbo-bombas para os motores do foguetão. O veículo espacial por seu lado consistia de 241 tubos de vácuo, mais de 6.000 ligações, 56 motores eléctricos, e cerca de 800 relés e interruptores ligados por 15 km de cabos, para além de 880 ligações tendo cerca de 850 contactos por cabo. Claramente, o sistema na sua totalidade não poderia ser visto como à prova de falhas. Aqui Korolev utilizou a sua técnica de gestão para enfatizar a cada desenhador chefe, director de fábrica, e gestor de operações militar, de que a vida do cosmonauta dependia da parte do seu trabalho. A cadeia de responsabilidade era delegada até ao trabalhador mais inferior na fábrica. Os onze signatários do documento representavam de forma indirecta 123 organizações, incluindo 36 fábricas, que estavam a participar no projecto (Existe também um outro documento intitulado “Regulamentos para o 3KA”, que foi publicado em Dezembro de 1960 e que especificava as responsabilidade de específicas de produção e desenho para cada desenhador chefe, director de fábrica, etc.).
A preparação deste documento provou ser um catalisador para uma intervenção a nível estatal no programa. Três dias mais tarde, a 10 de Setembro, os dez mais poderosos líderes na industria de defesa Soviética (dirigidos por Ustinov) e das forças armadas, juntamente com os seis membros originais principais do Concelho de Desenhadores Chefe, assinaram e enviaram um documento sobre o programa Vostok para o Comité Central do Partido Comunista. Finalmente desclassificado em 1991, a carta estipulou pela primeira vez um calendário para a realização do primeiro voo espacial pilotado. Começava assim:
“O lançamento bem sucedido, voo espacial, e aterragem do veículo espacial (o objecto “Vostok 1”) projecta nova luz nas datas para a realização de um voo pilotado no espaço cósmico. Uma análise dos dados das medições telemétricas recebidas durante os voos do “Vostok 1” sugere a possibilidade de se criar condições normais de vida para um humano durante um voo espacial.” (os signatários do documento foram – pela ordem das suas assinaturas: D. F. Ustinov (Presidente da Comissão Industrial Militar), R. Ya. Malinovskiy (Ministro da Defesa), K. N. Rudnev (Presidente da Comissão Estatal para as Tecnologias da Defesa), V. D. KalmYkov (Presidente da Comissão Estatal para a Rádioelectrónica), P. V. Dementyev (Presidente da Comissão Estatal para as Tecnologias da Aviação), B. Ye. Butoma (Presidente da Comissão Estatal para a Construção de Veículos), M. I. Nedelin (Comandante em Chefe das Forças Estratégicas de Mísseis), S. I. Rudenko (Comandante em Chefe Adjunto da Força Aérea), V. M. Ryabikov (Presidente Adjunto do Conselho de Ministros da República Socialista Soviética da Federação Russa), M. V. Keldysh (Vice Presidente da Academia de Ciências da URSS), S. P. Korolev (Desenhador Chefe do OKB-1), V. P. Glushko (Desenhador Chefe do OKB-456), M. S. Ryazanskiy (Desenhador Chefe e Director do NII-885), N. A. Pilyugin (Desenhador Chefe do NII-885), V. P. Barmin (Desenhador Chefe do GSKB SpetsMash), e V. I. Kuznetsov (Desenhador Chefe do NII-944))
Os autores recomendaram que mais um ou dois voos Vostok 1 deveriam ser levados a cabo em Outubro – Novembro de 1960, seguidos por duas missões automáticas da variante Vostok 3KA em Novembro – Dezembro de 1960. a 1 de Dezembro, os cosmonautas em treino para as suas missões deveriam estar prontos, e um voo pilotado em grande escala poderia ser realizado numa Vostok 3KA em Dezembro, a tempo de bater o lançamento Mercury. Ao contrário de todos os anteriores projectos espaciais Soviéticos, o facto deste documento ter sido assinado por dirigentes ministeriais em vez dos usuais ministros-adjuntos, claramente sublinhava a importância com a qual a liderança Soviética via o programa. Se em 1959 havia alguma hesitação por parte do governo em se empenhar completamente num programa espacial tripulado, em finais de 1960, essas preocupações tinham sem dúvida sido superadas pela eminente ameaça do Projecto Mercury. Tendo consistentemente mantido a liderança na fase inicial da corrida espacial, a União Soviética era forçada a fazer esforços para manter continuamente essa preeminência. Apesar da prioridade nacional nos mísseis estratégicos, o espaço havia-se tornado numa arena não só para aplicações militares mas também para simples orgulho nacional. A euforia auto congratulatória que havia seguido os lançamentos dos Sputnik e das Luna, forçou o governo Soviético a manter a imagem no novo estado Soviético avançado. Era uma corrida que eles haviam iniciado e na qual não estavam em posição para a terminar agora.
A petição pelos dezasseis líderes do programa espacial Soviético foi recebida no Comité Central do Partido Comunista – isto é, por Nikita S. Khrushchev e Frol R. Kozlov. Ambos aprovaram o plano e emitiram uma resposta ultra-secreta datada de 11 de Outubro, listando cada uma das jurisdições ministeriais dos signatários:
I. A proposta da Comissão Estatal de Tecnologias de Defesa do Concelho de Ministros da URSS, a Comissão Estatal para a Rádioelectrónica do Concelho de Ministros, O Ministério de Defesa da URSS, a Comissão Estatal para a Construção de Veículos do Concelho de Ministros da URSS, a Comissão Estatal para as Tecnologias da Aviação do Concelho de Ministros da URSS, e a Academia de Ciências da URSS, que foi examinada e aprovada pela Comissão do Presidium do Concelho de Ministros da URSS para os Assuntos Militares Industriais, sobre a preparação e lançamento de um veículo espacial (o objecto “Vostok 3ª”) com um homem a bordo em Dezembro de 1960, é aprovada, pois é uma tarefa de grande importância.
Assim, foi criado palco para o cenário no qual se daria o lançamento do primeiro ser humano para o espaço no último mês de 1960. Era um calendário ambicioso. Não havia precedente para a rápida cadência do calendário – o OKB-1 tinha sido capaz de levar a cabo três tentativas de lançamento no Verão de 1960, e este nível teria de ser quase duplicado. A decisão foi claramente tomada após uma discussão exaustiva, e não existe qualquer evidência para sugerir que Korolev teria aprovado tal calendário se ele não pensasse que era realista. Os planos do governo Soviético foram porém, subitamente e tragicamente prejudicados por um dos piores desastres na história do desenvolvimento dos foguetões e mísseis, uma negra recordação dos perigos da nova tecnologia ao seu dispor.
Desastre e atrasos
Na noite de 24 de Outubro, Korolev chamou o engenheiro sénior do OKB-1 Arkadiy I. Ostashev ao seu gabinete para lhe dar informações importantes. O desenhador chefe havia acabado de receber uma chamada de Baikonur através de linhas de comunicações restritas, do seu Adjunto Yevgeniy V. Shabarov relacionada com um grande acidente no polígono de lançamento no qual o irmão mais velho de Ostachev, Yevgeniy, havia estado envolvido. Ainda sem saber da escala do acidente, Korolev permitiu imediatamente que o jovem Ostashev voa-se para o local de lançamento. A magnitude e a natureza catastrófica do acidente só se tornou clara a Korolev ao longo da noite à medida que mais e mais relatórios chegavam tanto de Baikonur como de fontes indirectas em Moscovo. O desastre estava para lá da compreensão mesmo dos mais negros pesadelos, e envolveu um foguetão desenhado não por Korolev, mas pelo seu rival, o Desenhador Chefe Yangel.
Com uma dura competição contra Korolev para o desenho de uma nova geração de ICBM, Yangel havia surgido com a sua primeira proposta, o R-16, na plataforma de lançamento em meados de Outubro para o seu primeiro lançamento. Após a falha relativa do R-7 de Korolev como um ICBM operacional, havia uma tremenda importância focada em colocar em estado operacional o novo R-16 de Yangel. Finalmente daria à União Soviética uma detent activa e estratégica em larga escala, apoiando assim o discurso de Khrushchev sobre o poderio Soviético. Dias antes do planeado lançamento, o líder Soviético, num discurso nas Nações Unidas, havia declarado que os mísseis estratégicos estavam a ser produzidos na União Soviética “como salsichas por uma máquina”, uma declaração que não era claramente verdade no caso dos ICBM. Numerosos oficiais importantes estavam em Baikonur para testemunhar o primeiro lançamento, incluindo o Comandante em Chefe das Forças Estratégicas de Mísseis Nedelin, que também presidia à Comissão Estatal para o R-16.
Consumindo propelentes armazenáveis, hipergólicos, e altamente tóxicos, tinha havido muita dificuldade antes do lançamento, especialmente nos procedimentos de abastecimento, que causara grande consternação no local de lançamento. O primeiro lançamento esteve originalmente agendado para 23 de Outubro, mas uma grande fuga de propolente nessa noite forçara um adiamento para o dia seguinte. Às ordens da Comissão Estatal, todas as reparações no míssil foram levadas a cabo com este totalmente abastecido, criando uma situação notavelmente perigosa na plataforma. As reparações foram levadas a cabo com sucesso ao longo da noite, e todas as operações pré-lançamento procederam como previsto até trinta minutos antes da hora marcada a 24 de Outubro. Nesta altura, ainda estavam cerca de 200 oficiais, engenheiros, e soldados perto da plataforma, incluindo o Marechal Nedelin, que escarnecia sugestões ao lhe sugerirem que abandonasse a área. “De que é que deva ter medo? Não sou um oficial?”, terá supostamente perguntado. Por um golpe de sorte misericordioso, Yangel foi convencido a entrar num bunker de segurança para fumar um último cigarro pelo major General Alexander G. Mrykin, o homem de Nedelin para os mísseis e para o espaço. Mrykin estava aparentemente a pensar em deixar de fumar, e havia decidido fumar o seu último cigarro mesmo ali. Foi nesse momento, exactamente tinta minutos antes do lançamento, que o míssil subitamente explodiu na plataforma, libertando um inferno de destruição em expansão em torno da plataforma.
Em segundos, o míssil partiu-se ao meio e caiu na plataforma, esmagando quem ainda pudesse estar vivo. Neste ponto, o incêndio e o calor cresciam em intensidade à medida que os propelentes se incendiavam num crescendo. Algumas pessoas foram simplesmente engolidas pelo fogo, enquanto outros que conseguiram fugir a arder sucumbiram em minutos devido aos gases tóxicos. Alguns técnicos permaneceram pendurados dos seus arneses em guindastes à medida que os seus corpos ardiam. O Presidente Adjunto da Comissão Estatal para as Tecnologias de Defesa, Lev A. Grishin, que havia estado junto a Nedelin, conseguira saltar sobre uma grade, correr ao longo do alcatrão derretido, e saltar para a porta da rampa de uma altura de 3,5 metros, partindo ambas as pernas enquanto chegava a um ponto seguro. Tragicamente, viria a sucumbir às suas queimaduras pouco depois de ter sido transportado para o hospital (Grishin ainda estava vivo quatro dias depois do acidente, a 28 de Outubro, e nessa altura, as suas lesões eram referidas como “queimaduras do 2º, 3º e 4º na face, cabeça, pescoço metade esquerda do tórax, fractura exposta em ambos os ossos da canela, e extremidade inferior esquerda amputada a partir do terço médio da canela.”). À medida que a temperatura atingia os 3.000ºC, as pessoas eram simplesmente derretidas na tempestade de fogo, muitos a serem reduzidos a cinzas.
Ao longo dos dias seguintes, os trabalhadores começaram a grotesca tarefa de identificar os cadáveres. Foi imediatamente formada uma comissão especial dirigida por Yangel para investigar o acidente. A falha havia evidentemente ocorrido quando o segundo estágio do R-16 havia espontaneamente iniciado a queima na plataforma devido a uma falha no sistema de controlo, fazendo com que os propolentes do primeiro estágio entrassem em combustão. Este sistema de controlo, desenvolvido pelo OKB-692 em Kartashov, não tinha um circuito para bloquear comandos, impedindo-os que chegar ao segundo estágio. Foram necessárias catorze horas de tormento antes do jovem Ostashev identificar o seu irmão. O próprio Nedelin foi identificado devido à sua medalha Estrela Vermelha fixada no seu uniforme. O Desenhador Chefe do OKB-692 Boris M. Konoplev, o talentoso engenheiro de sistemas de orientação que se encontrava entre as estrelas em ascensão no programa de mísseis e foguetões da União Soviética, foi identificado pela sua altura, sendo um dos homens mais altos na plataforma. Todos contados, 126 indivíduos pereceram na explosão, incluindo oficiais militares seniores, desenhadores chefe adjuntos, e numerosos soldados (Chertok, Rakety i lyudi, p. 397; Ainda existem muitas discrepâncias em relatórios acerca da contagem final do desastre do R-16, variando de um número limite baixo de 92 até a um número de 165. A 28 de Outubro, 74 pessoas haviam sido identificadas como mortas. Um número de documentos importantes previamente classificados relacionados com o desastre, foi publicado em 1994. Estes incluíam o comunicado original enviado por Yangel para Moscovo minutos após o desastre, um relatório preliminar do acidente pela comissão técnica no dia após o acidente, a listagens daqueles que haviam sido identificados (ambos os falecidos e os feridos) a 28 de Outubro). O acidente foi mantido em segredo e o Marechal Nedelin foi referido como tendo falecido num acidente de aviação, um pedaço de ficção que os Soviéticos mantiveram oficialmente até ao princípio de 1989. A proibição de se discutir o acidente entre os sobreviventes não foi levantada até 1990, trinta anos após a tragédia.
O desastre com o R-16 foi um golpe devastador para o programa de mísseis Soviético. Apesar de não ter qualquer impacto directo com o esforço espacial pilotado, ocorreu evidentemente um atraso repercussivo no programa Vostok. Muitas das organizações, tais como o OKB-456 (Glushko), NII-944 (Kuznetsov), NII-88 (Tyulin), e NII-229 (Tabakov), tinham grandes contribuições para ambos os projectos. O Marechal Nedelin, para além do seu papel como Comandante em Chefe das Forças Estratégicas de Mísseis, também presidia a vários Comissões Estatais importantes, incluindo a do programa Vostok, e o desastre pôs assim término à sua carreira de 15 anos como uma das figuras mais importantes no crescimento dos programas espacial e de mísseis da União Soviética. Kirill S. Moskalenko, o Comandante do Distrito Militar de Moscovo, com 52 anos de idade, foi nomeado como novo comandante das Forças Estratégicas de Mísseis. Teve a pouco usual distinção de ser um dos homens a participar na execução do Presidente do NKVD, Lavrenti Beria, em Dezembro de 1953. Konstantin N. Rudnev, 49 anos de idade, o líder industrial do programa espacial e de mísseis, tomou o lugar de Nedelin como presidente da Comissão estatal para a Vostok. Foi o ponto alto da ascensão de dez anos de Rudnev como um dos mais importantes gestores industriais na União Soviética. O seu primeiro trabalho nesta área tinha sido como director do famoso NII-88 em princípio dos anos 50.
Passariam mais de duas semanas após o desastre do R-16 até que os trabalhos fossem retomados no programa Vostok. Por esta altura, era claro que o calendário original para um voo pilotado em Dezembro de 1960 era irrealista. Numa carta datada de 10 de Novembro, Ustinov, Keldysh, Korolevm Rudnev, e Moskalenko, pediam ao Comité Central uma permissão formal para lançar duas Vostok 1 precursoras antes de iniciarem os testes da variante Vostok 3A pilotada. No melhor dos cenários, um primeiro voo pilotado não poderia ser levado a cabo antes de Fevereiro de 1961. Nesta altura, a NASA estava também a prever o seu voo suborbital em princípios da Primavera. Assim, apesar dos atrasos associados com o desastre do R-16 e outros problemas técnicos, ainda existia uma estreita margem de segurança no novo calendário.
A autorização para o lançamento de dois veículos espaciais Vostok 1, o quarto e o quinto na série, foi dada quase de imediato pelo Comité Central, que permitiu o processamento da fábrica do OKB-1 e em Baikonur para apressar os trabalhos. Ambos os veículos espaciais eram idênticos ao veículo lançado em Agosto, exceptuando a omissão do sistema de orientação por infravermelhos que havia sido a causa de tantos problemas nas missões anteriores. O primeiro foi lançado sem incidentes a 1 de Dezembro de 1960 para uma órbita que reproduziu exactamente a órbita planeada naquela altura para a missão pilotada: 180 km por 249 km com uma inclinação de 64,95º. A bordo do satélite, denominado Terceiro Korabl-Sputnik (o Korabl-Sputnik 3 (0065 1960-017A 1960 Ro 1) foi lançado às 07:30:04UTC por um foguetão 8K72 Vostok (L1-13); o satélite é também por vezes designado Sputnik-6), estavam os cães Pchelka e Mushka. A massa total em órbita era de 4.563 kg. Aparentemente existia uma instrumentação biomédica melhorada a bordo, bem como um conjunto diferente de instrumentos para estudos cósmicos e de radiação.
O voo correu bem e realizaram-se com sucesso doze sessões de comunicações para recepção de telemetria. Após cerca de 24 horas em órbita, na 17ª órbita o motor principal TDU-1 deveria entrar em ignição para iniciar a reentrada. Infelizmente, ocorreu uma avaria no sistema de estabilização do motor; a queima resultante foi muito mais curta do que estava previsto. Apesar da cápsula ainda reentrar na atmosfera, as computações mostravam que a aterragem iria ocorrer fora do território Soviético. O veículo espacial ainda fez mais uma órbita e meia, após a qual o módulo de descida com os cães no interior se separou do resto do veículo. Uma sessão de comunicação adicional com o satélite confirmou a falha do TDU-1. Neste ponto, um sistema especial e pouco usual foi colocado em operação – um sistema que estava instalado para resolver situações desta natureza. Durante o planeamento inicial da missão, tinha havido muita preocupação acerca da possibilidade da cápsula vir a aterrar longe do local planeado e em “território estrangeiro”. Dado o extremo secretismo e xenofobia do programa espacial e de mísseis, a única opção para os desenhadores era a instalação de um sistema de auto-destruição a bordo do veículo para destruir as “provas” antes de serem recolhidas por outras nações. Desenhado pelo NII-137, o sistema para uma explosão de emergência do objecto foi desenhado para se detonar se um sensor gravítico a bordo não detectasse a reentrada num momento determinado. Misericordiosamente, tal sistema só estava previsto para as missões Vostok precursoras e não para as missões pilotadas. No caso do Korabl-Sputnik 3, o sistema foi activado no início da reentrada e destruiu o veículo espacial juntamente com os seus passageiros. Na altura, a imprensa Soviética meramente anunciou que por causa de uma incorrecta atitude, o módulo de descida tinha ardido na reentrada.
O problema com o TDU-1 foi rapidamente identificado ao se “adoptar meios para garantir o normal funcionamento da Unidade do Motor de Travagem”, e o próximo veículo espacial Vostok 1 foi colocado na plataforma de lançamento na Zona 1 na terceira semana de Dezembro. Havia uma pequena alteração no foguetão para este voo. Todas as missões Korabl-Sputnik anteriores haviam utilizado o veículo lançador 8K72 também utilizado para os lançamentos das sondas lunares Luna. Este voo em particular seria o primeiro a utilizar uma variante ligeiramente alterada designada 8K72K, que substituía o motor RD-0109 (pouco acima d 5,5 t) pelo RD-0105 (um pouco acima das 5,0 t) como motor de inserção orbital do terceiro estágio (os primeiros testes da variante 8K72K podem ter ocorrido mais cedo. Ocorreram dois voos suborbitais relacionados com o R-7 (ou R-7A) a 5 de Julho e 7 de Julho de 1960, durante os quais as cargas foram depositadas no Pacífico. ). O aumento de força nominal iria permitir uma massa ligeiramente mais elevada para a variante pilotada. Assim, o quinto veículo espacial Vostok 1, transportando os cães Kometa e Shutka, foi lançado às 07:45:19UTC do dia 22 de Dezembro de 1960 (outras fontes – N. P. Kamanin, Skrytiy kosmos: kniga pervaya, 1960-1963gg – referem que os nomes dos cães eram Zhemchuzhnaya e Zhulka.). Os dois primeiros estágios do foguetão 8K72K (o foguetão era o 8K72K Vostok (L1-13А) tiveram uma performance sem problemas, mas o novo motor do terceiro estágio desactivou-se prematuramente a T+425 segundos devido à destruição do gerador de gás no motor. O sistema de escape de emergência foi accionado, e o veículo espacial foi separado com sucesso à medida que a sua trajectória de voo descrevia um arco ao longo da União Soviética. A carga atingiu uma altitude de 214 km e aterrou a cerca de 3.500 km do local de lançamento numa das áreas mais remotas e inacessíveis da Sibéria, na região de Podkamennaya Tunguska, perto do local de impacto do famoso meteorito de Tunguska. Nas horas tardias de 22 de Dezembro, as forças de resgate começaram a detectar sinais do módulo de descida, e um grupo de busca liderado pelo velho amigo de Korolev, Arvid V. Pallo, foi enviado para tentar localizar a cápsula.
A missão de resgate acabou por se revelar um dos episódios mais horrorosos daquela altura. Quando o grupo de resgate foi largado na área geral do local de aterragem dois dias mais tarde a 24 de Dezembro, Pallo e os restantes viram-se enterrados na neve até ao peito. Ao terem aviões a voarem na direcção do objecto, eles conseguiram atingir a cápsula. Uma vez a cápsula encontrada, eles tiveram de se aproximar da mesma com toda a precaução devido ao facto de que o sistema de explosão de emergência deveria automaticamente detonar-se sessenta horas após a aterragem. Na altura em que o grupo chegou ao veículo espacial, já haviam passado sessenta horas, mas a cápsula ainda não havia explodido, forçando-os a desactivar o sistema a temperaturas de -44ºC. Mais tarde descobriram que os cabos do sistema explosivo haviam sido queimados, neutralizando a bomba. Apesar de ambas as escotilhas do módulo de descida terem sido descartadas, o assento ejectável havia permanecido no interior da cápsula esférica em vez de ter sido ejectado com os cães. Mais tarde as investigações mostraram que durante a ejecção, o assento havia embatido na parte lateral da escotilha de saída e permanecido no veículo espacial. Pallo e o seu adjunto regressaram ao local no dia seguinte, e os cães foram finalmente retirados do interior da cápsula, um pouco frios mas vivos, e finalmente transportados por ar para um local seguro, chegando a Moscovo a 26 de Dezembro. Mais complicado foi trazer de volta para Moscovo o veículo espacial, à medida que utilizavam uma variedade de estratégias para literalmente arrastar a cápsula através de quilómetros de neve. A certo ponto, a equipa de Pallo teve de terminar todas as operações de resgate e passar a noite no meio do gelo e da neve quando as temperaturas baixaram para -62ºC. Era a primeira semana de Janeiro de 1961 quando o veículo finalmente chegou a Moscovo. Apesar das opiniões de Korolev de que a falha deveria ser anunciada na imprensa Soviética, a Comissão Estatal vetou a ideia.
Uma análise da abortagem do lançamento a 22 de Dezembro mostrou que existiram um número de grandes anomalias na missão. Após a falha do terceiro estágio do foguetão, o veículo Vostok 1 deveria separar-se nos seus dois componentes: o módulo de descida e o módulo de instrumentação. Isto nunca aconteceu. Os dois módulos acabaram por ver os cabos cortados somente devido ao aquecimento térmico na reentrada atmosférica. Para além do mais, o assento ejectável deveria ter sido catapultado para fora da cápsula dois segundos e meio após a escotilha ter sido por sua vez ejectada; nesta missão, ambos os eventos ocorreram simultaneamente, causando a deformidade na cápsula devido ao choque da ejecção falhada. Depois ocorreu a falha fortuita do sistema de auto-destruição. Todos estes problemas, por razões óbvias, não eram encorajadores. O programa Korabl-Sputnik tinha agora dois grandes acidentes consecutivos. A data provisória da Comissão Estatal de Fevereiro de 1961 para um voo pilotado não era agora viável. Numa reunião da comissão realizada a 5 de Janeiro de 1961, o Desenhador Chefe Adjunto Bushuyev apresentou um calendário para os meses seguintes. Tal como os planos prévios, os próximos dois lançamentos na série seriam voos automáticos da variante pilotada, a Vostok 3A. O primeiro iria voar a 5 de Fevereiro e o segundo entre 15 e 20 de Fevereiro. Contingente do seu sucesso, a comissão iria aprovar uma missão pilotada.
O Caminho para a Vostok
O treino do principal grupo de cosmonautas seleccionados para a primeira missão pilotada atingiu um ponto culminante em Janeiro de 1961. Por essa altura, todos os seis haviam terminado dos regimes finais nos simuladores com uma duração de três dias, bem como a um treino a grande escala de salto de pára-quedas e recolha. Durante dois dias em meados de Janeiro, os seis – Capitão Bykovskiy, Tenente Gagarin, Tenente Nelyubov, Capitão Nikolayev, Capitão Popovich e Tenente Titov – levaram a cabo os seus exames finais para determinar o respectivo grau de prontidão. Uma comissão interdepartamental especial dirigida pela supervisão do Tenente General Kamanin iria rever os resultados e recomendar os candidatos mais prováveis para a primeira missão (os membros da comissão eram: Major General A. N. Babichuyk (Chefe dos Serviços Médicos da Força Aérea Soviética), Tenente General V. Ya. Klokov (Instituto de Aviação e Medicina Espacial), V. I. Yazdovskiy (Instituto de Aviação e Medicina Espacial), Coronel Ye. A. Karpov (Director do TsPK), Académico N. M. Sisakyan (Departamento de Ciências Biológicas da Academia das Ciências da URSS), K. P. Feoktistov (OKB-1), S. M. Alekseyev (Desenhador Chefe da Fábrica n.º 918) e M. L. Gallay (piloto de testes do Instituto de Pesquisa de Voo M. M. Gromov). O Desenhador Chefe do Instituto de Pesquisa de Voo N. S. Stroyev estava presente durante os testes.). A 17 de Janeiro, cada candidato passou quarenta a cinquenta minutos num simulador no Instituto de Pesquisa de Voo M. M. Gromov descrevendo a operação do veículo espacial, os seus instrumentos, e as várias fases de uma missão, após os quais os membros da comissão colocaram questões específicas. Foi dada uma particular atenção à operação do motor TDU-1 e à orientação do veículo espacial, ambos os quais haviam falhado várias vezes nas missões prévias Korabl-Sputnik. No primeiro dia, Nikolayev, Popovich, Gagarin e Titov receberam qualificações de ‘excelente’, enquanto que a Bykovskiy e Nelyubov foram atribuídas as classificações de ‘muito bom’. No dia seguinte, os candidatos realizaram um exame escrito, que completou o programa. Os resultados foram coligidos de seguida, e a comissão recomendou a seguinte ordem para se utilizar os treinandos nos voos: Gagarin, Titov, Nelyubov, Nikolayev, Bykovskiy, Popovich (os restantes onze cosmonautas activos – Anikeyev, Belyayev, Filatyev, Gorbatko, Khrunov, Komarov, Leonov, Rafikov, Shonin, Volynov e Zaykin – fizeram o teste a 4 de Abril de 1961. De uma possível classificação de ‘5’, KOmarov e Leonov receberam ‘5+’, Anikeyev, Filatyev, Shonin e Volynov receberam ‘5’, e Belyayev, Gorbatko, Khtunov e rafikov receberam ‘4’). Esta série particular de testes ajudou a estreitar a selecção de candidatos para a primeira missão aos três melhores cosmonautas: Gagarin, Titov e Nelyubov. Apesar de factores menos técnicos tais como as características fisiológicas e a ideologia iriam reduzir os três homens somente a um para a primeira missão, os três iriam viajar para Baikonur dentro de alguns meses.
Mesmo nesta fase inicial, Yuri Gagarin de 26 anos de idade, parecia claramente ser o favorito. As origens de Gagarin provinham da classe trabalhadora na região de Smolensk a Oeste de Moscovo, formando-se no ensino secundário em 1949. Passou os anos seguintes em vários institutos técnicos ingressando na Escola Superior da Força Aérea de Orenburg em 1955. Até à sua selecção como treinando para cosmonauta, servira como piloto em serviço activo em Zapolyarniy, a Norte do Círculo Árctico. Em todos os relatos é referido como um indivíduo afável e inteligente, e havia fortuitamente causado uma extremamente boa impressão a Korolev na primeira vez que os cosmonautas se encontraram com ele em meados de 1960. Apesar de ter havido uma tendência para colocar o jovem homem num estatuto de herói adorado por todos, mesmo aqueles que não eram dados muito a hipérboles não tinham nada de negativo a dizer sobre ele. Mais tarde o cosmonauta Khrunov lembrava que:
Gagarin era extremamente focado, e quando era necessário, muito exigente de si próprio e dos outros. É por isso que eu penso que se nos concentrarmos naquele seu famoso sorriso, podemos perder o seu verdadeiro ser e até diminuir a imagem de quem ele realmente era.
O engenheiro do OKB-1, Raushenbakh, relembra que “Gagarin nunca iria tentar ser ingrato consigo próprio e nunca era insolente. Ele nasceu com um dom inato.” Numa das primeiras avaliações da sua personalidade datada de Agosto de 1960, quando ele era apenas um dos vinte homens em treino para um voo, uma comissão de médicos da Força Aérea escreveu sobre os atributos positivos de Gagarin sem qualquer ambiguidade:
Modesto; fica embaraçado quando o seu humor se torna um porco despregado; o alto nível de desenvolvimento intelectual é evidente em Yuri; memória fantástica; distingue-se a sai próprio dos seus colegas pelo seu agudo e abrangente sentido de atenção a tudo o que se passa ao seu redor; uma imaginação bem desenvolvida; reacções rápidas; perseverante; prepara-se intensamente a si próprio para as suas actividades e exercícios de treino; lida com a mecânica celeste e com as fórmulas matemáticas com destreza e é esperto nas matemáticas avançadas; não se sente constrangido quando tem de defender o seu ponto de vista se considera que tem razão; parece que compreende a vida melhor do que muitos dos seus amigos.
Quando o grupo de cosmonautas levou a cabo uma votação anónima e informal para ver quem entre o grupo gostariam de ver a voas a primeira missão, todos com excepção de três nomearam Gagarin. Para lá das suas altas qualificações, ele também satisfazia os critérios não escritos do Partido Comunista de que o primeiro Soviético no espaço deveria ser completamente Russo e ter uma descendência na classe trabalhadora.
German Titov, com 25 anos de idade na altura, havia crescido no Distrito de Kosikhinskiy no Território de Altay antes de ingressar na Escola Superior da Força Aérea de Kacha em 1953. Após a sua formação em 1957, serviu como piloto em serviço activo no Distrito de Leninegrado. Surpreendeu muitos por ser o mais falante dos seis, e foi notado por se ter rebelado contra o que chamava de ‘questões sem sentido’ durante os processos de selecção em 1959. O mais novo dos seis, portara-se excelentemente e sem problemas ao longo do ano que passara nos treinos e era um competidor muito próximo de Gagarin. O último dos três, Grigoriy Nelyubov, de 26 anos de idade, era talvez o mais talentoso e qualificado do grupo dos seis. Crescido na Crimeia, tinha-se graduado na Escola Superior da Força Aérea de Ieisk em 1957 e servido como piloto de MiG-19 no Mar Negro. Pouco após a sua selecção como cosmonauta, demonstrou de forma consistente a sua capacidade como um dos melhores membros do grupo de vinte. Ele tinha também apoiantes influentes no OKB-1; o Chefe de Departamento Raushenbakh foi referido como ter apoiado a candidatura de Nelyubov para ser o primeiro Soviético no espaço. Pelo lado negativo, Nelyubov era também extremamente expressivo e individualista. Para Kamanin, um fervoroso Estalinista da velha guarda, o que de outra forma seriam os excelentes registos de Nelyubov nos treinos eram neutralizados pela sua natureza directa e crítica. Gagarin, que era de ‘carácter sereno’, era um candidato muito mais óbvio de uma perspectiva ideológica.
Em termos de preparação para a primeira missão Vostok, o treino dos cosmonautas era só a ponta do iceberg de um gigantesco empreendimento. Os requisitos de rastreio para uma missão pilotada eram muito mais estritos do que para os modestos Sputnik nos anos anteriores, e o instituto militar NII-4 foi mais uma fez encarregado com a coordenação de criar uma rede para apoiar no novo projecto. Os sete pontos de comunicações originais espalhados ao longo da União Soviética (em Baikonur / Tyura-Tam, Makat, Sary-Shagan, Yeniseysk, Iskhup, Yilizovo e Klyuch) para apoiar o programa inicial de satélites, foram aumentados por seis novas estações (em Leninegrado, Simferopol, Tbilis, Kolpashevo, Ulan-Ude e Moscovo) – cada um dos destes centros era denominado um Ponto de Medições Científicas (NIP), e cada um tinha um número em separado: NIP-1 (Baikonur / Tyura-Tam), NIP-2 (Makat), Nip-4 (Yeniseysk), NIP-5 (abandonado em 1958), NIP-6 (Yelizovo), NIP-7 (Baikonur / Tyura-Tam), NIP-8 (não foi construído), NIP-9 (Leninegrado), NIP-10 (Simferopol), NIP-12 (Kolpashevo), NIP-13 (Ulan-Ude) e NIP-14 (Moscovo). Apesar da União Soviética ter um comprimento quase duas vezes e meia o comprimentos dos Estados Unidos continentais, existiam limitações claras à monitorização das missões espaciais a partir de uma única massa de terra, tendo em conta de forma especial os elevados requisitos para uma missão pilotada. Talvez relutante em negociar tratados como a NASA fez para a colocação de estações de rastreio em solo estrangeiro, os Soviéticos criaram navios de rastreio totalmente equipados e colocados em todo o planeta. A primeira geração de navios de rastreio Soviéticos – Sibir, Sucha, Sakhalin, e o Chukota – estavam originalmente estacionados para monitorizar os impactos das ogivas dos ICBM e mais tarde para os eventos críticos das missões dos Korab-Sputnik. Estes navios foram comissionados como parte da oficialmente designada Expedição Oceanográfica do Oceano Pacífico n.º 4. A frota foi aumentada em Agosto de 1960 por uma nova segunda geração estacionada no Atlântico que fora especificamente construída para os programas Vostok, lunar e interplanetário: Dolinsk, Ilichevsk e o Krasnodar. A duração dos contactos de comunicações entre para ponto na superfície e o ceículo espacial em órbita era limitada a cinco ou dez minutos, com uma altitude de rastreio chegando aos 1.500 km a 2.000 km (um quarto navio de segunda geração, o Aksay, foi adicionado em Setembro de 1962).
Para as primeiras missões espaciais pilotadas, a NASA optou utilizar um centro de controlo no local de lançamento em Cabo Canaveral. Enquanto que os Soviéticos mantinham tal centro de controlo em Baikonur, o centro nevrálgico para todos os primeiros voos espaciais Soviéticos encontrava-se no subúrbio de Bolshevo, Moscovo, nas instalações da unidade militar NII-4. Era aqui que o denominado Complexo de Medição e Comando estava localizado, no controlo directo das Forças Estratégicas de Mísseis. O centro albergava pessoal vindo principalmente do NII-4 e era dirigido desde Julho de 1959 pelo Coronel Andrey G. Karas, um veterano dos lançamentos de Kapustin Yar. O apoio balístico e computacional durante as missões era dado or três diferentes centros de computação, cada um com o seu grupo de operações – um localizado no NII-4 e dois na Academia de Ciências. Apesar de Karas ser nominalmente o principal responsável por todo o Complexo de Medição e Comando, as operações técnicas diárias eram dirigidas pelo Coronel Amos A. Bolshoy, um cientista militar que teria um papal proeminente no controlo de todas as primeiras missões espaciais Soviéticas ao fornecer à Comissão Estatal as suas recomendações sobre os eventos mais críticos das mesmas (Bolshoy seria substituído por P. A. Agadzhanov em meados dos anos 60). O facto de que esta posição, quase análoga ao conceito Ocidental de um director de voo, ser ocupada por um coronel das Forças de Mísseis Estratégicas era meramente outro sintoma do crescimento do programa espacial Soviético a partir do esforço de desenvolvimento de mísseis balísticos. Esta foi uma das razões para que até os anos 70, os Soviéticos recusaram sempre identificar a localização do seu principal centro de controlo para o início do seu programa espacial tripulado. Para além do comando e controlo, a Força Aérea Soviética aceitou o fardo de organizar as forças de recolha para os cosmonautas que regressavam à Terra. Esta grande armada consistia em 25 aviões (20 Illyushin Il-4, 3 Antonov An-12 e 2 Tupolev Tu-95) bem como 10 helicópteros. Adicionalmente, sete equipas separadas de pára-quedistas foram estabelecidas para chegar de forma rápida a um cosmonauta no final da sua missão para fornecer apoio médico em primeira-mão (aparentemente também existiam três equipas de Illyushin Il-8 dirigidas por V. M. Pekin, M. A. Chernovskiy e G. P. Perminov. Entre os médicos que faziam parte da equipa estava B. B. Yegorov, que mais tarde se tornaria no primeiro médico a voar no espaço. O comandante do serviço de busca e salvamento era o General da Força Aérea A. I. Kutasin).
Ao longo de Janeiro e Fevereiro de 1961, ocorreram preparativos intensivos para o lançamento das duas restantes missões precursoras Vostok. Cada um destes veículos espaciais seria idêntico à variante pilotada, com excepção do facto de que cada uma transportar um único cão até à órbita terrestre. Um manequim do tamanho de um cosmonauta seria colocado no assento ejectável, enquanto que o cão seria colocado num contentor separado do mecanismo do assento ejectável. Ao contrário dos anteriores voos com cães, as missões deveriam ter a duração de uma única órbita – isto é, exactamente o mesmo que era planeado para o primeiro voo humano. Numa reunião da Comissão estatal presidida por Rudnev a 22 de Fevereiro, foram estabelecidos os calendários para as duas missões preliminares. A primeira missão Vostok 3A com um manequim seria lançada nos primeiros dias de Março antes da finalização dos testes no solo e da eleminação de todos os defeitos no modelo; a segunda Vostok 3A iria chegar à órbita terrestre somente após os testes no solo terem sido completos. Os problemas com o primeiro veículo espacial eram limitados a anomalias nos sistemas de suporte de vida e de ejecção, certamente elementos importantes para um satélite biológico. Numa reunião a 27 de Fevereiro, os Desenhadores Chefe Semyon A. Alekseyev (Fábrica n.º 918) e Grigoriy I. Voronin (OKB-124), responsáveis pelos sistemas do mecanismo de ejecção e de suporte de vida, respectivamente, aprovaram um plano detalhado para testar estes sistemas para o segundo veículo espacial Vostok 3A. Em particular, Voronin havia introduzido um novo sistema de ar condicionado, que tinha de ser submetido a um teste de treze dias para simular a contingência de ter um cosmonauta em órbita por esse período de tempo em caso de avaria dos motores de travagem.
A 2 de Março, o Chefe de Grupo do OKB-1 Feoktistov e o seu assistente Oleg G. Makarov, ambos destinados a serem cosmonautas anos mais tarde, prepararam um conjunto detalhado de instruções para o piloto na primeira missão, que incluíam acções para os vários estágios da missão bem como um número de diferentes situações de emergência. Os dois engenheiros tiveram o cuidado de incluir instruções para alterar de forma manual a atitude do veículo espacial em órbita e para levaram a cabo uma retrotravagem completamente manual, ambas as quais não estavam planeadas para serem executadas durante uma missão nominal. O documento final foi entregue a Komarov, Keldysh, Bushuyev e Voskresenskiy, que encurtaram de forma significativa a lista, argumentando que durante a primeira missão, o piloto não deveria controlar activamente qualquer instrumento no veículo espacial. Uma luta vigorosa teve lugar por Kamanin, pelo piloto de teste Gallay e pelo médico Yazdovskiy, que argumentavam que os cosmonautas estavam extremamente bem treinados e que se poderia esperar que levassem a cabo qualquer tarefa que lhes fosse atribuída sem qualquer problema. No final, após uma longa discussão com o Académico Keldysh sobre os méritos do controlo humano de um veículo espacial, Korolev e os outros acabaram por recuar, e o longo conjunto de instruções foi formalmente aprovado. Apesar de o primeiro cosmonauta vir a ter a opção de controlar manualmente certos sistemas, todos os membros da Comissão Estatal estavam de acordo de que as actividades do piloto deveriam ser o mais conservativas possível. A única concessão feita à pesquisa científica foi a inclusão de sementes secas, drosophila, e de bactérias lisogénicas como parte da carga para estudos biomédicos.
No início de Março de 1961, vários importantes chefes desenhadores e oficiais de alta patente das Forças de Mísseis Estratégicas deixaram Moscovo para a cidade de Leninsk perto de Tyura-Tam para dirigirem as operações para as duas próximas missões automáticas (a cidade de Zarya perto do local de lançamento foi rebaptizada de Leninsk a 28 de Janeiro de 1958). Um total de trinta a quarente dias seriam gastos durante este período no local de lançamento para testar cada sistema do terceiro veículo espacial, o veículo que iria transportar um humano, e o seu veículo lançador. Neste ponto, o primeiro Vostok 3A estava previsto para 9 de Março e o segundo para finais de Março. A pressão aumentava sobre os Soviéticos à medida que o Projecto Mercury parecia estar cada vez mais parte de um lançamento pilotado. A opção para lançar o primeiro Vostok 3A sem o benefício de um teste a grande escala no solo era uma prova evidente de que o OKB-1 não estava somente a tentar manter-se com o seu próprio calendário, mas também a tentar ultrapassar o seu principal rival a milhares de quilómetros de distância. Nos Estados Unidos, em meados de Fevereiro, o NASA Space Task Group havia recomendado seguir com uma missão suborbital pilotada na próxima tentativa de lançamento Mercury-Redstone. Numa movimentação de última hora que parece um momento chave em retrospectiva, Wernher von Braun, segundo os conselhos dos seus especialistas de foguetões, argumentou que seria necessário um voo automático adicional do Redstone antes de o certificar para um lançamento humano. A recomendação de von Braun foi aceite, adiando assim o primeiro lançamento de um astronauta de 25 de Abril para o princípio de Maio.
Para Korolev, cuja competição de décadas com von Braun era somente excedida pela sua intensa vontade de ser o primeiro, esta janela provou-se propícia em finais de Abril para coincidir com as celebrações do Primeiro de Maio. O líder Soviético estava, porém, categoricamente contra o agendamento de uma grande missão espacial com um feriado nacional, sem dúvida preocupado com a possibilidade de uma falha catastrófica. Em vez disso, Khrushchev pediu a Korolev para antecipar ou adiar o lançamento. Assim, a opção era clara: o desenhador chefe agendou informalmente o primeiro lançamento Vostok tripulado para meados de Abril. Num volte face cauteloso, o próprio Khrushchev anunciava a 14 de Março durante uma entrevista muito divulgada no Ocidente: “Não está longe a hora quando o primeiro veículo espacial (Soviético) com um homem a bordo irá voar no espaço.”
A primeira Vostok 3A foi lançada com sucesso às 06:28:59,6UTC do dia 9 de Março 1961 e entrou numa órbita de 183,5 km por 248,8 km com uma inclinação de 64,93º. O veículo foi designado Quarto Korabl-Sputnik na imprensa Soviética (O Korabl-Sputnik 4 (00091 1961-008A 1961 Teta 1) foi lançado por um foguetão 8K72K Vostok (E103-14)). Uma pequena esfera pressurizada no veículo espacial transportava o cão Chernushka juntamente com quarenta ratos brancos e quarenta ratos pretos, vários porquinhos da Guiné, répteis, sementes de plantas, amostras de sangue humano, células cancerígenas humanas, microrganismos, bactérias e amostras de fermentação. Ao contrário dos voos anteriores com cães, o assento ejectável estava ocupado por um manequim à escala normal (Ivan Ivanovich) completamente vestido com um fato espacial funcional SK-1 Sokol. Ratos adicionais, além de porquinhos da Guiné, micróbios e outros especímenes biológicos foram colocados no peito, estômago, coxas e outras partes do ‘corpo’ do manequim. Este grande conjunto de animais e plantas foi submetido a intensas experiências biomédicas durante o voo de uma única órbita. Um desenhador não identificado da Vostok revelou mais tarde um aspecto lateral interessante sobre a missão:
O principal propósito era o de garantir a recepção de transmissões de voz (da nave). Rejeitamos uma contagem decrescente numérica, temendo que as estações de rádio Ocidentais pudessem monitorizar a voz humana e levantar o clamor em todo o mundo alegando de que um Russo havia sido secretamente colocado em órbita. Uma música também levantou objecções porque seria dito no Ocidente que o cosmonauta “Russo” havia enlouquecido e começado a cantar! Foi então decidido gravar um coro popular russo Piatnitsky, e quando o manequim, vestido por propósitos de decência com uma blusa branca, de repente começou a cantar, foi muito engraçado.
Num ensaio para a exacta sequência de eventos que iriam ocorrer num voo espacial pilotado, o motor de retrotravagem TDU-1 foi accionado no tempo exacto e durante cerca de 42,5 segundos. Quase dez segundos mais tarde, o módulo de instrumentação separou-se do módulo de descida, com este a realizar uma reentrada balística na atmosfera. O manequim foi ejectado com sucesso do módulo de descida após a reentrada, enquanto que a cápsula principal com o cão no interior aterrou separadamente com o auxílio de um pára-quedas. A missão tinha durado apenas uma 1 hora 46 minutos. Os dois objectos da cápsula aterraram a cerca de 260 km a Nordeste de Kuybyshev no meio de um grande campo aberto coberto de neve. Aparentemente houve algum atraso em ter os representantes do OKB-1 junto da cápsula para neutralizar o sistema de auto-destruição. A equipa de salvamento dirigida pelo Tenente General Kamanin escolheu retirar o cão da cápsula antes da chegada do especialista do OKB-1 para assim impedir que o cão congelasse até à morte.
O sucesso inequívoco do Korabl-Sputnik 4 foi uma injecção de moral no programa Vostok, que até então não tinha tido uma missão sem qualquer problema desde Agosto de 1960. A euforia em relação à missão foi, porém, um pouco ofuscada por uma tragédia que atingiu a equipa de cosmonautas da maneira mais inesperada. A 23 de Março, somente dois dias antes do lançamento do último Vostok 3A precursor, o cosmonauta Bondarenko encontrava-se no décimo dia de um exercício de quinze dias na câmara de isolamento nas instalações do Instituto de Aviação e Medicina Espacial em Moscovo. A câmara continha 50% de oxigénio a uma pressão reduzida para simular a atmosfera de um veículo espacial, e era completamente à prova de som para testar os efeitos do isolamento. Após a finalização de alguns testes médicos na conclusão do seu período de isolamento, Bondarenko removeu os sensores que estavam fixados ao seu corpo e com algodão ensopado em álcool, limpou as zonas onde os sensores estavam colocados. Sem olhar, ele atirou o algodão com álcool que acabou por cair no anel de um aquecedor eléctrico que estava ligado. O algodão começou a arder de imediato e a chama tornou-se muito intensa numa atmosfera rica em oxigénio. Ao princípio, em vez de fazer soar o alarme, Bondarenko tentou apagar o fogo por ele próprio, mas o seu fato de treino de lã começou também a arder. O médico de serviço, Mikahil A. Novikov, tentou abrir a porta da câmara mal se apercebeu do incêndio, mas esta operação demorou vários minutos durante os quais Bondarenko ficou completamente queimado. Enquanto era retirado da câmara, repetia constantemente, “Foi culpa minha, não se culpa mais ninguém.”
O principal médico do hospital para onde Bondarenko foi transportado referiu mais tarde que “o corpo do cosmonauta estava totalmente sem pele, a cabeça de cabelo, não havia olhos na face – tudo tinha sido queimado. Era uma lesão total do pior grau.” Bondarenko acabou por falecer às 12:00UTC do dia 23 de Março, oito horas após o acidente, de choque resultante das queimaduras. Foi a primeira morte de um treinando espacial na história do programa espacial. Somente com 24 anos de idade e o mais novo da equipa, ele foi enterrado no seu local de nascimento em Kharkov, onde moravam os seus pais. A sua esposa Anya e o seu filho Sasha permaneceram em Zelenyy, recebendo uma pensão especial do estado por ordem directa do Ministro da Defesa Marechal Rodion Ya. Malinovskiy (a ordem foi assinada a 15 de Maio de 1961 e incluía o seguinte: “Fornecer a família do Primeiro-tenente Bondarenko com tudo que necessitar, como benefício da família de um cosmonauta”). As notícias do acidente foram completamente suprimidas no interesse da moral, especialmente considerando que a primeira missão pilotada Vostok estava então prevista para menos de três semanas. Não é claro se algum dos outros cosmonautas foi na altura ou várias semanas de pois informado acerca da tragédia. O acidente ou a existência de Bondarenko só foram revelados em 1986 como parte de uma série de artigos do jornal Izvestia celebrando o 25º aniversário do primeiro voo espacial pilotado.
Os preparativos para a última missão precursora continuaram com a tragédia de Bondarenko na memória de todos. Os seis cosmonautas principais voaram para Baikonur a 17 de Março para testemunhar as operações de pré-lançamento do próximo Korabl-Sputnik, e participar em exercícios de treino de última hora. Os treinandos realizaram uma variedade de testes, incluindo uma sessão de perguntas e respostas com Korolev. Ocorreu um pequeno atraso com o lançamento devido a um problema com o aparelho de comunicações de bordo, mas verificou-se que tal problema não era importante. As operações de lançamento foram também brevemente interrompidas devido a uma avaria num sensor do terceiro estágio do foguetão lançador, e com ordens do Desenhador Chefe Kosberg, os trabalhadores rapidamente substituíram a unidade em falha. Antes do lançamento, os controladores levaram a cabo testes de comunicações entre o centro de controlo perto da plataforma de lançamento e o veículo espacial para simular as condições de uma missão tripulada. Popovich havia sido designado para ser o principal comunicador durante o lançamento, uma posição análoga ao papel de «capcom» no programa espacial dos Estados Unidos.
O veículo espacial, designado Quinto Korabl-Sputnik na imprensa Soviética (o Korabl-Sputnik 5 (00095 1961-009A 1961Iota 1) foi lançado por um foguetão 8K72K Vostok (E103-15)), foi lançado com sucesso às 05:54:00,431UTC do dia 25 de Março, somente dois dias após a morte de Bondarenko. O veículo de 4.695 kg transportava outro grupo de animais e amostras biológicas, incluindo o cão Zvezdochka numa missão de uma única órbita. Os parâmetros orbitais eram de 178,1 km por 247 km com uma inclinação de 64,9º, próximo do previsto para um voo pilotado. A missão decorreu sem problemas, bem como todos os procedimentos de reentrada. Tal como aconteceu em várias missões anteriores, a recuperação dos animais e do manequim foi adiada devido ao mau tempo. O módulo de descida e o assento ejectável aterraram no meio de uma forte tempestade de neve, causando dificuldades na localização exacta do ponto de descida. Na altura em que um grupo de engenheiros da Fábrica n.º 918 chegou ao local, já haviam passado 24 horas desde a aterragem. Após viajarem várias horas em trenós puxados a cavalo sobre neve com metro e meio de espessura, o grupo chegou finalmente ao aparelho de descida com o cão, e eventualmente encontraram o manequim numa floresta próxima. As pessoas que viviam na vizinhança do local estavam aparentemente muito desconfiados das equipas de recolha, suspeitando de que pudessem querer fazer algum mal ao ‘homem’ que havia aterrado por pára-quedas. Os aldeões acabaram por se retirar quando lhes mostraram provas conclusivas de que o ‘homem’ era apenas um manequim. O Vice-presidente da Academia de Ciências Aleksandr V. Topchiyev sumarizou os resultados dos cinco bem sucedidos Korabl-Sputnik numa conferência de imprensa em Moscovo a 28 de Março. Presentes não estavam somente jornalistas Soviéticos e estrangeiros, mas também Gagarin, Titov e outros cosmonautas na fila da frente. É claro que ninguém tinha algum conhecimento sobre o facto de algum deles voar no espaço dentro de dias.
A aterragem em segurança do Korabl-Sputnik 5 abriu efectivamente o caminho para o primeiro veículo espacial Vostok pilotado. Para Korolev e Tikhonravov, este seria o ápex das suas longas carreiras no desenvolvimento de foguetões, que havia iniciado trinta anos antes com os amadores do GIRD numa cave em Moscovo. Korolev convidou alguns dos veteranos originais do GIRD para as suas instalações em Kaliningrado em Março de 1961, um mês antes ao primeiro lançamento previsto de uma missão tripulada. Foi uma reunião surpresa para os convidados, pontuada por muita reminiscência, apear de não terem ideia do verdadeiro trabalho de Korolev devido à sua natureza classificada. Perto do final da conversação, Korolev, falando sobre o frutuoso trabalho levado a cabo no GIRD, adicionou que “agora chegamos muito longe!” Convidou então os presentes para uma sala de montagem ali próxima. Nikolay I. Yefremov, um dos veteranos do GIRD, recordou mais tarde esta viagem:
Quando entramos na sala espaçosa e bem equipada, imediatamente vimos o nosso sonho de longa data. Segey Pavlovich (Korolev) apresentou-a, literalmente apresentou-a como se fosse uma coisa viva, o lindo foguetão. A um lado, num pedestal especial, vimos o cockpit do veículo espacial preparado para um voo tripulado. Era o veículo espacial “Vostok”.
Mesmo naqueles dias hécticos em direcção ao primeiro voo Vostok, foi traçada uma ligação entre o trabalho pioneiro dos anos 30 e o programa espacial Soviético dos anos 60. Após trinta anos de postulados e hipóteses, a realidade do voo espacial humano estava a pouco dias de distância.
Gagarin em Órbita
Após a missão do Korabl-Sputnik 5 Korolev regressou a Moscovo na noite do dia 28 de Março. Na tarde seguinte numa reunião da Comissão Estatal presidida pelo Presidente Rudnev, Korolev apresentou os resultados do programa Vostok completo e declarou a prontidão para lançar um humano para a órbita terrestre no próximo veículo Vostok 3A (o documento apresentado por Korolev tinha o título “Sobre o Estado do Trabalho Experimental”. Um segundo documento, intitulado “O Sistema de Orientação do Veículo satélite Vostok”, foi também assinado por Korolev no mesmo dia.). Mais tarde à noite, os principais membros da Comissão Estatal encontraram-se uma vez mais para escrever um documento formal requerendo a autorização do Partido Comunista para lançar um humano para o espaço. Pela primeira vez, um oficial de alta patente do Comité para a Segurança do Estado (KGB), o seu Primeiro Presidente Adjunto Petr I. Ivashutin, estava presente (Segundo Kamanin, os presentes nesta reunião eram S. P. Korolev (Desenhador Chefe do OKB-1), G. I. Voronin (Desenhador Chefe do OKB-124), S. M. Alekseyev (Desenhador Chefe da Fábrica n.º 918), L. I. Gusev (Desenhador Chefe do NII-695). M. V. Keldysh (Vice-presidente da Academia das Ciências da URSS), P. I. Ivashutin (Primeiro Presidente Adjunto do KGB), S. I. Rudenko (Primeiro Comandante em Chefe Adjunto da Força Aérea Soviética) e N. P. Kamanin (Chefe Adjunto do Grupo Geral da Força Aérea para as Preparações de Combate)). O memorando, endereçado ao Comité Central e classificado como ‘Absolutamente Secreto’, começava:
De acordo com o decreto do Comité Central do KPSS e do Concelho de Ministros da URSS de 11 de Outubro de 1960 sobre a preparação e lançamento de uma nave espacial com um humano, todos os trabalhos necessários para garantir um voo humano no espaço cósmico foram finalizados no tempo presente… Duas naves espaciais “Vostok-3A” foram preparadas para este propósito. A primeira nave está no local (de lançamento), e a segunda está a ser preparada para o lançamento. Seis cosmonautas estão preparados para o voo. A nave satélite com um humano a bordo será lançada para uma órbita da Terra e irá aterrar no território da União Soviética numa linha que vai desde Rostov – Kuybyshev – Pern.
Uma secção do documento detalhava os procedimentos de emergência em caso de eventos não previstos:
Para a órbita escolhida para a nave satélite, na eventualidade de avaria dos sistemas da nave para a aterragem na Terra, a nave pode descer devido à travagem natural da atmosfera após um período de 2 – 7 dias, com uma descida entre as latitudes de 65º Norte e Sul. Na eventualidade de uma aterragem forçada em território estrangeiro ou do resgate do cosmonauta por uma embarcação estrangeira, o cosmonauta tem instruções apropriadas. Adicionalmente a um abastecimento de emergência de dez dias de alimentos e água, a cabina do cosmonauta está equipada com um abastecimento de emergência de alimentos e água que irá durar 3 dias, e também com meios de rádio comunicações e com o transmissor ‘Peleng’ cujos sinais podem ser utilizados para determinar o local de aterragem do cosmonauta. A nave satélite não está equipada com um sistema para a destruição de emergência do Aparelho de Descida.
O assunto da instalação de um sistema de auto-destruição no veículo espacial foi discutido longamente durante o encontro. Todos os presentes, com a única excepção do representante do KGB Ivashutin, opuseram-se fortemente à inclusão de tal sistema num veículo pilotado. Ivashutin só desistiu quando todos os outros membros recusaram-se a concordar com a sua ideia. A Comissão Estatal também teve o cuidado de detalhar cuidadosamente a maneira de publicitar a missão nos media Soviéticos. Não houve a tentativa por parte dos membros em esconder ou mentir acerca de uma falha potencial, apesar do quase paranóico secretismo do programa espacial. Todas as tentativas foram feitas para dar precedência à segurança do cosmonauta sobre outras considerações políticas, tais como ter de admitir uma falha:
Consideramos que é aconselhável publicar o primeiro relatório da TASS imediatamente após a inserção orbital pelas seguintes razões:
- Se se torna necessário um salvamento, irá facilitar a sua rápida organização;
- Impossibilita qualquer governo estrangeiro de declarar que o cosmonauta é um espião com objectivos militares.
Se a nave satélite não entrar em órbita devido a velocidade insuficiente, pode descer no oceano. Neste caso, também consideramos aconselhável publicitar o relatório da TASS para assim facilitar o salvamento do cosmonauta.
Tinha havido discussões durante algum tempo sobre que designação das ao veículo espacial na imprensa. Um lado propôs reter o nome Korabl-Sputnik para a missão, meramente listando-a como a seguinte na série – isto é, o Sexto Korabl-Sputnik. Foi Tikhonravov que apaixonadamente argumentou que tal monumental missão não deveria ser referida por tal genérica designação. Em vez disso, ele propôs a divulgação do nome ultra secreto “Vostok” no relatório TASS. Korolev concordou e a Comissão Estatal ratificou a sua posição. O memorando da Comissão Estatal para o lançamento terminava com o seguinte: “Pedimos a permissão para lançar a primeira nave satélite Soviética com um humano a bordo e a aprovação para a preparação dos comunicados da TASS.” O voo foram agendado para entre 10 e 20 de Abril de 1961. O Documento foi assinado pelo Presidente da Comissão Militar Industrial Ustinov, pelo Presidente da Comissão Estatal Rudnev, pelos ‘ministros’ da industria de defesa Kalmykov, Dementyev e Butoma, pelo Académico Keldysh, pelo Comandante das Forças Estratégicas de Mísseis Moskalenko, pelo Comandante da Força Aérea Vershinin, pelo representante da Força Aérea Kamanin, pelo representante do KGB Ivashutin e pelo Desenhador Chefe Korolev. De notar que K. N. Rudnev era também o Presidente do Comité Estatal para as Tecnologias de Defesa, o ‘ministro’ que supervisionava os programas espaciais e de mísseis. V. D. Kalmykov era o Presidente do Comité Estatal para a Rádio Electrónica, P. V. Dementyev era o Presidente do Comité Estatal para as Tecnologias de Aviação, e B. Ye. Butoma era o Presidente do Comité Estatal para a Construção de Veículos. É aparente da lista que algumas alterações importantes tinham sido feitas desde o decreto original sobre a Vostok em Outubro de 1960. O Marechal Moskalenko havia tomado o cargo do falecido Marechal Nedelin como Comandante em Chefe das Forças Estratégicas de Mísseis, mantendo assim uma representação de alto nível do velho lobby militar. A Força Aérea tinha ganho em força com dois membros na comissão. O Comandante em Chefe Adjunto da Força Aérea Marechal Rudenko foi substituído em favor do Comandante em Chefe Marechal Vershinin e do Tenente General Kamanin. Rudenko estava, porém, estreitamente envolvido nos preparativos para o voo, mas a importância da missão talvez necessitasse da inclusão de Vershinin. A ‘promoção’ de Kamanin é notável em retrospectiva porque indica o seu rápido aumento de influência. Por óbvias razões de segurança, o representante do KGB Ivanishin foi incluído na comissão, e isto sublinha a importância com a qual o Partido Comunista via o projecto. As notáveis omissões do grupo central de Outubro de 1960 eram o Ministro Soviético da Defesa Malinovskiy, o antigo Presidente da Comissão Estatal para o Sputnik Presidente Ryabikov, e o resto do Conselho de Desenhadores Chefe. Malinovskiy provavelmente abandonou o seu papel para Moskalenko e Vershinin. A omissão de Ryabikov é algo confusa porque esteve envolvido no programa espacial e de mísseis desde 1946, ascendendo à elevada posição de topo de presidente do denominado Comité Especial em 1955, e assim supervisionando o seu antigo dirigente Ustinov. Com as alianças na indústria de defesa a serem constantemente alteradas, parece que o caminho de Ryabikov para o poder chegara a uma estagnação em 1960. Na altura da primeira missão Vostok, ele era o presidente do Conselho de Economia Nacional da República Socialista Soviética da Federação Russa, certamente uma ‘despromoção’ dos seus anteriores papéis na indústria de defesa.
O memorando foi oficialmente endereçado ao Comité Central do Partido Comunista, que em papel era composto por um grande grupo de indivíduos. Na prática, porém, e em especial no caso de um projecto de tão alta prioridade, somente dois indivíduos estiveram envolvidos na autorização final: Nikita S. Khrushchev e Frol R. Kozlov. O último havia herdado a posição de topo mo Partido Comunista para os sectores do espaço, mísseis e da defesa no Secretaria do em Julho de 1960 (de notar que a nomeação de Kozlov para o Secretaria do foi anunciada a 5 de Maio de 1960, apesar do seu predecessor Brezhnev não ter sido formalmente liberado do cargo até Julho de 1960). A partir daí, como membro do ‘gabinete’ do Partido responsável por importantes decisões políticas no programa espacial, Kozlov só tinha uma pessoa que podia anular a sua palavra. Como novo Secretário do Comité Central para a defesa e espaço, ele ajudaria a definir e reforçar uma posição que havia sido tratada de forma desigual pelo seu predecessor Leonid Brezhnev, que após a promoção de Kozlov se viu num posto largamente cerimonial.
A 3 de Abril, três dias após a recepção do memorando da Comissão Estatal, o seguinte ‘Estritamente Secreto’ decreto intitulado “Acerca do Lançamento da Nave Espacial Satélite” foi emitido pelo Presidium (mais tarde Politburo) do Comité Central:
1. A proposta de Ustinov, Rudnev, kalmykov, Dementyev, Butoma, Moskalenko, Vershinin, Keldysh, Ivashutin, e Korolev acerca do lançamento da nave satélite “Vostok 3A” com um cosmonauta a bordo.
2. os planos para o comunicado da TASS para anunciar o lançamento da nave espacial com um cosmonauta a bordo de um satélite da Terra é aprovado, e garante à Comissão para o Lançamento o direito, se necessário, de introduzir actualizações acerca dos resultados do lançamento e à Comissão do Presidum do Concelho de Ministros da URSS para os Assuntos Militares Industriais, o direito de o publicitar (note-se a curiosa omissão do nome de Kamanin no decreto do Partido Comunista, apesar de ele ser um signatário do pedido original. A Comissão do Presidum do Concelho de Ministros da URSS para os Assuntos Militares Industriais era mais usualmente conhecida como a Comissão Militar Industrial – VPK).
O actual comunicado da TASS foi autorizado pelo NII-4 militar sobre a supervisão do Director Adjunto do instituto Coronel Yuri A. Mozzhorin. A preparação do relatório noticioso foi um processo estranhamento surreal, tal como recordou Mozzhorin anos mais tarde:
Para não se perder tempo a escrever e transmitir os textos necessários para os comunicados na rádio e televisão, esses comunicados foram preparados no nosso instituto, com o acordo de S. P. Korolev e da liderança, e enviados de ante mão para as rádios, televisões e para a TASS em envelopes selados. No caso (do cosmonauta) entrar com sucesso em órbita, eles receberiam um sinal autorizando-os a abrir e a anotar os parâmetros orbitais (que seriam comunicados) por telefone, e a informação seria então tornada pública internacionalmente. Existiam também mais dois pacotes de material juntamente com o envelope (referido em cima) … com … comunicados para resultados imprevistos. (O primeiro era) breve – na eventualidade da morte do cosmonauta durante a inserção orbital ou durante o lançamento. O segundo seria utilizado no caso de não ter atingido a órbita, mas tendo aterrado em algum território estrangeiro ou nas regiões equatoriais dos oceanos mundiais. Este continha um apelo a todos os governos, em particular ao governo do território no qual o cosmonauta havia aterrado, requerendo a assistência necessária para a (sua) busca e regresso.
A aprovação oficial do Partido Comunista para o lançamento pode ter sido de facto o último passo para ter um humano no espaço, mas os problemas técnicos com o veículo espacial Vostok continuaram a ameaçar a possibilidade de um lançamento na hora prevista. A 24 de Março, o OKB-124, responsável pelo sistema de suporte de vida, anunciou num encontro da Comissão estatal que existiam sérias limitações nas unidades de secagem do ar condicionado do veículo espacial Vostok 3A. Testes de longa duração levados a cabo no Instituto de Aviação e Medicina Espacial haviam provado que lignina impregnada no sistema havia começado a verter após absorver uma certa quantidade de humidade, resultando na formação de grandes quantidades de salmoura no interior do veículo espacial. Numa segunda reunião a 28 de Março, o Desenhador Chefe do OKB-124 Voronin defendeu de forma veemente o seu sistema, afirmando que o cloreto de lítio seria inofensivo para o cosmonauta. Uma proposta competidora pelo médico do instituto Abram M. Genin para utilizar um novo sistema de secagem no veículo foi tema de muito debate.
O problema com o sistema de suporte de vida permaneceu sem resolução quando Korolev voou para Baikonur desde Moscovo ao final do dia 3 de Abril. Os seis cosmonautas principais chegaram na tarde do dia 5 de Abril como parte de um grupo de três aviões Iliyushin Il-14 fretados, seguidos pelo Presidente da Comissão Estatal Rudnev no dia seguinte. Deixando para trás as suas esposas em Moscovo, os cosmonautas foram instruídos para dizer às suas esposas de que o lançamento estava previsto para 14 de Abril, três dias mais tarde do que actualmente pretendido – para reduzir a preocupação. A primeira reunião da totalidade da Comissão estatal em Baikonur teve lugar imediatamente após a chegada de Rudnev, às 08:30UTC, com o principal tema de discussão a ser o sistema de suporte de vida e os resultados dos testes adicionais do fato espacial e do sistema de ejecção. O Desenhador Chefe Voronin relatou, de certa forma pouco convincente, que a suspeitosa unidade de secagem estava completamente pronta para uma missão de contingência de dez dias. Devido ao facto de uma missão nominal ter uma duração de somente uma hora e meia, as preocupações foram de certa forma aliviadas; simplesmente não haveria tempo suficiente para a formação de salmoura no interior do veículo espacial. A comissão também aprovou a proposta do treinador dos cosmonautas Mark L. Gallay para que os candidatos levassem a cabo sessões de treino no actual veículo espacial que um deles iria pilotar em vez de um veículo suplente. Estes testes foram realizados a 7 de Abril sem qualquer incidente por Gagarin e Titov, então os principais candidatos para o voo. Nelyubov, o terceiro candidato, estava considerado fora da corrida.
A Comissão estatal conclusivamente abordou a questão de quem iria voar a primeira missão numa reunião a 8 de Abril. O Tenente General Kamanin, como supervisor da equipa de cosmonautas, teve um papel importante na selecção de Gagarin. Tanto Gagarin como Titov haviam desempenhado sem qualquer falha durante os treinos, com Gagarin a ter uma ligeira vantagem sobre Titov nos exames de Janeiro de 1961. Apear de Gagarin ser um favorito marginal, Kamanin começou a inclinar-se para Titov nos dias finais antes do lançamento. A 5 de Abril, ele escreveu no seu diário:
Ambos são excelentes candidatos, mas nos últimos dias eu ouço mais e mais pessoas a falar em favor de Titov e a minha confiança pessoal nele está também a crescer … A única coisa que me impede de escolher (Titov) é a necessidade de ter uma pessoa forte para a (segunda) missão de um dia.
Enquanto Kamanin possa ele mesmo ter sido uma peça importante na selecção, existiu muita especulação no Ocidente de que a escolha final fora de facto feita por ‘ordens superiores’ como seria de esperar numa sociedade altamente centralizada tal como a União Soviética. Dias antes do lançamento, foram evidentemente enviadas fotografias e biografias de Gagarin e de Titov para o Departamento do Defesa do Comité Central, o gestor do programa espacial. Cada candidato tinha duas fotos, uma em roupas civis e uma em uniforme militar. Aqui, um variado número de apparatchiks consultou os seus registos e relatou a Ivan D. Serbin, o temido dirigente do Departamento de Defesa. Serbin mostrou então as fotografias a Kozlov, que por sua vez as mostrou a Khrushchev. Após ver as fotografias, o líder Soviético terá dito: “Ambos são excelentes! Eles que decidam por eles próprios!” Um notável historiador aeroespacial Russo, Yaroslav K. Golovanov, sugeriu que a única razão para um procedimento tão complicado foi o facto de simplesmente permitir aos apparatchiks do Partido serem capazes de dizer que a decisão foi tomada “ao mais alto nível”.
No final, na reunião da Comissão Estatal de 8 de Abril, Kamanin levantou-se e formalmente nomeou Gagarin como o piloto principal e Titov o seu suplente. Sem muita discussão, a comissão aprovou a proposta e avançou para outros assuntos logísticos de última hora. Era assumido que na eventualidade de Gagarin desenvolver problemas de saúde antes do lançamento, Titov tomaria o seu lugar, com Nelyubov a servir como seu suplente. A data de lançamento foi limitada na reunião entre 11 ou 12 de Abril. Os parâmetros orbitais seriam de 180 km por 230 km, e a missão duraria uma única órbita. Deu-se alguma discussão sobre a ideia de registar a missão como um recorde mundial absoluto. No interesse da manutenção do sempre patente secretismo, alguns membros da comissão, em particular Moskalenko e Keldysh, opuseram-se ao envolvimento de comissionários desportivos. No final, a comissão decidiu não divulgar o local de lançamento nem o tipo de veículo lançador, mas preencher os documentos junto das organizações internacionais para estabelecer um recorde mundial. Apesar da missão ser completamente automática, os membros da comissão propuseram dar num envelope ao cosmonauta os códigos para desbloquear o sistema de orientação manual para a reentrada. Em caso de avaria do sistema automático, o cosmonauta iria abrir o envelope selado e activar o sistema manual. A reunião terminou com a decisão de levar a cabo uma última sessão, mais uma formalidade, dois dias mais tarde.
No dia seguinte, Kamanin convidou Gagarin e Titov para um encontro privado no seu escritório e anunciou então que Gagarin iria voar e que Titov iria servir como seu suplente. Quando questionado anos mais tarde como se sentiu, Titov respondeu, “Porquê perguntar? Doloroso ou não – era no mínimo desconfortável.” Os dois homens relaxaram o resto do dia à medida que os procedimentos pré-lançamento para o foguetão 8K72K continuavam no Edifício de Montagem e Teste. Notavelmente, Korolev e os seus principais adjuntos Mishin e Chertok estavam ao mesmo tempo envolvidos no primeiro lançamento crítico do novo ICBM R-9 a partir do complexo 51. Era um programa de extrema alta prioridade não só para o OKB-1 mas para a União Soviética como um todo, e pode-se imaginar a intensidade das operações no cosmódromo durante a segunda semana de Abril de 1961. O primeiro lançamento do R-9 teve lugar a 9 de Abril (o lançamento do míssil 8K75 (E103-08) teve lugar às 09:16UTC a partir do Complexo 51/5), somente três dias antes do lançamento de Gagarin do complexo 1.
No dia seguinte às 08:00UTC, teve lugar uma grade reunião da Comissão Estatal num local com vista para as margens do majestoso Rio Syr Darya. Esta sessão foi simplesmente uma formalidade, primariamente para a imprensa Soviética, mas foi aberta a muitos trabalhadores curiosos que ainda não tinha tido a oportunidade de ver os cosmonautas. Presentes estavam setenta pessoas, incluindo os desenhadores chefe (tais como Korolev, Glushko, Pilyugin, Barmin, Ryazanskiy, Kuznetsov, Isayev, Kosberg, Alekseyev, Voronin, Bykov e Bogomolov), ministros, oficiais da Força Aérea, oficiais das Forças Estratégicas de Mísseis, e representantes do Partido Comunista e da Academia de Ciências, bem como os seis cosmonautas principais. O Desenhador Chefe Korolev, o Presidente da Comissão Rudnev, o Comandante das Forças Estratégicas de Mísseis Moskalenko, e o Director do Centro de treino de Cosmonautas Karpov, todos fizeram curtas mas dramáticas apresentações sobre a iminente missão, seguidos de discursos de agradecimento por Gagarin, Titov e Nelyubov. No final, Kamanin evidenciou Gagarin que se tornaria no primeiro humano a ir ao espaço. O jovem cosmonauta proferiu um discurso de aceitação, que foi interrompido a meio quando um operador de cinema fez saber que o seu filme tinha inadvertidamente terminado. Gagarin repetiu todo o seu discurso para que pudesse ser gravado de novo. Na madrugada, o foguetão 8K72K foi transportado para a plataforma de lançamento no complexo 1. O lançamento foi marcado para a manhã do dia 12 de Abril de 1961. Os engenheiros haviam calculado a hora exacta do lançamento, 06:07UTC, dado que permitiria a melhor iluminação solar para os sensores do sistema de orientação algures sobre África mesmo antes da retrotravagem.
No dia anterior ao lançamento, os engenheiros do OKB-1 Raushenbakh e Feoktistov instruíram Gagarin e Titov durante uma hora sobre vários eventos da missão, Raushenbakh recordou mais tarde que ele ainda tinha dificuldade em se aperceber da magnitude do que estava para acontecer:
“Eu olhei (para Gagarin) e na minha mente eu compreendi que amanhã este rapaz iria acordar o mundo inteiro. Mas ao mesmo tempo eu não conseguia acreditar que amanhã alguma coisa iria acontecer que o mundo nunca havia visto – que este Primeiro-tenente sentando à minha frente iria amanhã tornar-se o símbolo de uma nova época. Eu comecei por dar-lhe instruções, tais como, “Liga isto, não te esqueças de ligar isto,” – todas estas observações normais e até mundanas, e então eu fiquei silencioso e algum tipo de impulso interno começou-me a sussurrar, “Isto é um monte de tretas. Tu sabes bem que nada disto vai acontecer amanha.”
Sendo o centro de tudo, os cosmonautas estavam talvez menos conscientes da sua centralidade neste vértex de eventos. Testemunhas lembram-se de Gagarin a sorrir todo o dia, feliz por ter sido o escolhido para a missão. Os cosmonautas também visitaram a plataforma de lançamento para conhecer os jovens soldados, oficiais e sargentos que haviam trabalhado no foguetão nos últimos dias. Foi uma pragmática movimentação de gestão – uma que não só elevou a moral entre os trabalhadores de baixa patente, mas também teve um papel em incutir um sentido de responsabilidade, tanto entre os cosmonautas como nas equipas de trabalho. A Gagarin e Titov foram atribuídas pequenas casas perto da área da plataforma. Essa noite tomaram uma ligeira refeição com, o Tenente General Kamanin e estavam a deitar-se pelas 1830UTC quando Korolev calmamente os visitou para verificar o estado dos dois homens. Os médicos fixaram sensores em ambos os cosmonautas para monitorizar os seus sistemas vitais durante a noite. Adicionalmente, e desconhecido para ambos, calibradores de tensão haviam sido fixados às suas camas para verificar se ambos haviam tido uma noite calma ou se haviam revoltado e mexido muito nas camas (os médicos principais responsáveis por Gagarin e Titov na altura eram I. T. Akulinichev e A. R. Kotovskaya. Os calibradores de tensão foram desenhados pelos engenheiros I. S. Shadrintsev e F. D. Gorbov.). Ambos os homens acabaram por ter um sono notavelmente pacífico.
Korolev não dormiu de todo nessa noite. Entre as suas maiores preocupações, talvez a que mais o incomodava era a perspectiva de uma falha no terceiro estágio do foguetão durante a ascensão para a órbita, depositando o veículo espacial Vostok no oceano perto do Cabo Horn na ponta da América do Sul, um local infame devido às constantes tempestades. O Desenhador Chefe exigiu que houvesse um sistema de transmissão de telemetria no centro de controlo em Baikonur para confirmar que o terceiro estágio havia funcionado como planeado. Se o motor funcionasse de forma nominal, a telemetria iria imprimir uma série de ‘cincos’; caso contrário, seria imprimida uma série de ‘dois’. Apesar de todas as precauções, todos os testes, e todos os preparativos, Korolev ainda tinha as suas dúvidas. Um oficial militar recorda que “Por alguma razão, era somente o Cabo Horn que não dava a Korolev um momento de descanso.”
As operações de pré-lançamento no complexo 1 iniciaram-se às 00:00UTC do dia 12 de Abril, mesmo antes do amanhecer, quando os controladores começaram a tomar os seus lugares nas estações de controlo não só em Baikonur, mas em toda a União Soviética. Uma muito curta reunião da Comissão Estatal para verificar que tudo estava pronto teve lugar às 03:00UTC e terminou com a conclusão de “tudo preparado”, após a qual os membros dispersaram-se para as suas várias funções. Gagarin e Titov haviam sido acordados meia hora antes pelo Director do Centro de Treino de Cosmonautas Karpov que os presenteou com um ramo de flores silvestres, um presente de uma mulher que previamente havia habitado naquela casa. Após um curto pequeno-almoço com comida de um tubo (pasta de carne, marmelada e café), um grupo de médicos liderados por Yazdovskiy, quase dez anos após ter dirigido o primeiro voo histórico de cães dos desertos de Kapustin Yar, examinou os cosmonautas. Dois assistentes ajudaram Gagarin e Titov a vestirem os seus volumosos fatos espaciais Sokol – primeiro, um fato pressurizado azul, seguido de uma cobertura cor de laranja. Titov foi o primeiro a vestir-se para assim impedir que Gagarin sobreaquecesse dado que os fatos dependiam de uma fonte de energia externa para os seus ventiladores, que somente se encontravam no autocarro de transporte. Uma hora após despertarem, ambos os cosmonautas estavam no autocarro, acompanhados por outros onze indivíduos, incluindo os cosmonautas Nelyubov e Nikolayev e dois operadores de vídeo que gravaram toda a viagem (para além de Nelyubov e Nikolayev, estavam no autocarro o Director do TsPK Ye. A. Karpov, o Desenhador Chefe da Fábrica n.º 918 S. M. Alekseyev, F. A. Vostokov, V. I. Svershchek, G. S. Petrushin, Yu. D. Kilosanidez (todos da Fábrica n.º 918), o médico L. G. Golovkin e os cameraman V. A. Suvorov e A. M. Filippov.).
A viagem foi curta, e aparentemente ocorreram conversações alegres entre Gagarin e os outros. Numerosas fotografias dessa curta viagem mostram por vezes um Gagarin pensativo, convenientemente pouco afectado por ser o centro de tal empreendimento.
Ao chegar à plataforma, Gagarin e Titov foram saudados por Korolev, Keldysh, Kamanin, Moskalenko, pelo Presidente da Comissão Estatal Rudnev, e por outros oficiais. Korolev parecia fatigado e cansado enquanto calmamente observava Gagarin nas suas despedidas finais. Á medida que os observadores rondavam Gagarin, este virou-se para Rudnev e anunciou brevemente que estava pronto para a missão. Um dos mais duradouros mitos do voo era o de que antes de tomar o elevador até ao topo do foguetão, Gagarin teria feito um discurso de despedida. Os jornalistas da era Soviética durante anos superaram-se a si mesmos ao juntar e a embelezar referências de tal discurso de Gagarin com floreados melodramáticos tais como “Eu fui tomado por uma total elevação das minhas forças espirituais, como todo o meu ser eu escutei a música da natureza…” até este dia, os documentários usualmente exibidos mostram Gagarin a falar para a multidão reunida na base do foguetão, mas este discurso foi de facto gravado muito mais cedo, em Moscovo, quando Gagarin foi essencialmente forçado a dizer uma torrente de banalidades preparadas por anónimos escritores de discursos. Foram também gravados discursos similares por Titov e Nelyubov (o discurso já preparado incluía o seguinte: “Caros amigos, que estais junto de mim, e a vocês que não conheço, caros Russos, e às pessoas de todos os países e de todos os continentes: Em poucos minutos um poderoso veículo espacial irá me transportar para os distantes domínios do espaço. O que vos posso dizer neste minutos finais antes do lançamento? Toda a minha vida parece-me como um lindo momento. Tudo o que anteriormente vivi e fiz, foi vivido e sentido para este momento.”). Após os últimos abraços com Rudnev, Moskalenko e Korolev, Gagarin foi escoltado para o elevador de serviço onde parou e saudou excitadamente uma última vez antes da ascensão de dois minuto até ao topo. Titov foi deixado para trás, separando assim os futuros destes dois homens – um para a História outro para a Posteridade.
O principal desenhador da Vostok, Oleg G. Ivanovskiy, ajudou Gagarin a entrar no veículo espacial, que activou o sistema de comunicações por rádio às 0410UTC. Nas duas horas seguintes, ele conversou efusivamente com Korolev e com o cosmonauta Popovich, ‘capcom’ da missão. Kamanin, o Desenhador Chefe Bykov e o Presidente da Comissão Rudnev, também desejaram ao cosmonauta uma boa viagem. O principal bunker de comando, composto por várias salas, estava perto da plataforma de lançamento. No dia do lançamento, foi colocada na sala principal uma pequena mesa com uma manta verde especialmente para Korolev. Aqui estava um rádio transmissor receptor e um único telefone vermelho para fornecer a palavra passe que catapultaria o cosmonauta em caso de emergência durante os primeiros quarenta segundos do lançamento. Somente três pessoas conheciam a palavra passe: Korolev, o seu Adjunto Leonid A. Voskresenskiy e o Coronel Anatoliy S. Kirillov, um oficial das Forças Estratégicas de Mísseis que havia sido recentemente nomeado para dirigir o Primeiro Directorado em Baikonur – isto é, a divisão responsável pelas operações de voo. O seu predecessor havia sido morto no recente desastre com o R-16. Para Voskresenskiy, era a culminação de uma longa carreira como adjunto de Korolev para os testes de voo. As suas façanhas nos testes dos mísseis alemães A-4 em Kapustin Yar nos anos 40 haviam-se tornado parte de uma lenda. Para além de Korolev, Voskresenskiy e Kirillov, os três homens primariamente responsáveis pela direcção do lançamento, outros presentes na sala principal incluíam Mark L. Gallay, o reconhecido pilote de teste Soviético que havia assistido o treino dos cosmonautas. Korolev aparentemente havia permitido a sua presença para testemunhar o lançamento não pelas suas capacidades como piloto, mas porque Gallay era um escritor famoso – um que podia escrever a crónica dos eventos para aqueles que não tinham tido a sorte de estarem presentes. A maior parte dos membros da Comissão Estatal, bem como engenheiros seniores tais como Glushko e Feoktistov, estavam alojados numa segunda sala denominada a ‘sala de convidados’ do bunker. Numa terceira sala, o Desenhador Chefe Ryazanskiy actuava como dirigente dos sistemas de telemetria (outros na sala principal incluíam o engenheiro do OKB-1 B. A. Dorofeyev, o oficial da Força Aérea N. P. Kamanin, o Desenhador Chefe do NII-85 N. A. Pilyugin, o cosmonauta ‘capcom’ P. R. Popovich e o Desenhador Chefe Adjunto V. P. Finogenov.). O nome código de Gagarin era ‘Kedr’ (‘Cedro’), enquanto que o nome código do solo era ‘Zaria-1’ (‘Amanhecer-1’), provavelmente assim escolhido devido à mesma designação do sistema primário de comunicações por voz na Vostok.
Às 04:50UTC a escotilha foi fechada, mas dos contactos indicava que não havia sido pressionado como deveria. Três engenheiros no topo do foguetão removeram todos os trinta parafusos na escotilha e fecharam-na uma segunda vez, com todos os indicadores a darem sinais positivos. Esta acção demorou quase uma hora, e os técnicos finalmente deixaram a vizinhança do veículo cerca de trinta minuto antes do lançamento. Um excerto das comunicações entre Kedr e Zarya-1 mostra que apesar dos riscos envolvidos, havia tentativas para aliviar alguma tensão:
05:14UTC
Popovich: Yuri, não estás enfadado aí, pois não?
Gagarin: Se houvesse música, aguentava-se melhor.
Popovich: Um minuto.
05:15UTC
Korolev: Estação Zarya, aqui Zarya-1. Cumpram o pedido de Kedr. Dêem-lhe alguma música, dêem-lhe alguma música
Popovich: Ouviste isso? Zarya responde: Vamos tentar cumprir o teu pedido. Tenhamos alguma música ou ele fica enfadado.
05:17UTC
Popovich: Bem, que tal está? Já há música?
Gagarin: Nada de música ainda, mas espero que haja rápido.
Korolev: Bem, eles deram-te música, certo?
Gagarin: Ainda não.
05:19UTC
Korolev: Claro, é a maneira de ser dos músicos; agora estão aqui, agora estão ali, mas não fazem, nada muito depressa, como diz o ditado, Yuri Alekseyevich.
Gagarin: Deram-me canções de amor.
A T (lançamento) menos quinze minutos, Gagarin calçou as suas luvas e dez minutos mais tarde fechou o seu capacete. A torre foi afastada da plataforma ao mesmo tempo. Nesta altura, a tensão subia claramente, e Korolev e Voskresenskiy tomaram ambos calmantes para relaxar os seus corações. O registo do foguetão 8K72K não era algo que instilasse confiança. Até aquela altura tinham ocorrido dezasseis lançamentos do R-7 com a combinação do estágio superior Blok Ye, tal como a que iria enviar Gagarin para a órbita. Destes dezasseis lançamentos, seis haviam falhado devido a problemas no R-7, enquanto que dois haviam falhado devido ao Blok Ye, isto é um rácio de sucesso de exactamente 50%. No caso dos sete veículos Vostok que voaram, dois veículos não haviam atingido a órbita terrestre devido a problemas no foguetão, enquanto que outros dois não haviam completado as suas missões. Para um empreendimento que na teoria requeria uma garantia de 100% de sucesso, se o registo anterior era alguma indicação, o potencial para um acidente era significativo na missão de Gagarin.
Enquanto que Korolev e Voskresenskiy necessitavam de calmantes, Gagarin, afastado de certa forma do rebuliço de actividade, estava calmo como nunca:
05:41UTC
Kamanin: Estás-me a ouvir bem?
Gagarin: Eu ouço-te bem. Como me ouves?
Kamanin: A tua pulsação é de 64, respiração 24. Tudo corre normalmente.
A pulsação de Gagarin chegaria a umas excitadas 157 batidas por minutos segundos antes do lançamento, apesar do seu tom permanecer completamente calmo. Finalmente, exactamente às 06:06:59,7UTC do dia 12 de Abril de 1961, o veículo espacial Vostok era lançado (a Vostok-1 (00103 1961-012A 1961 Mu 1) foi lançada pelo foguetão 8K72K Vostok (E103-16)) com o seu passageiro de 27 anos de idade, o Tenente Sénior Yuri Alekseyevich Gagarin. A sua primeira exuberante expressão foi “Poyekhali!” (“Aqui vamos!”).
Korolev, Voskresenskiy e Kirillov tinham os códigos para abortar a missão caso o foguetão 8K72K não conseguisse uma performance nominal, mas a trajectória de lançamento era a prevista. Nos primeiros minutos após o lançamento, Gagarin referiu que sentia a carga gravítica da aceleração no seu corpo, mas não deu qualquer indicação de alguma falta de conforto. De facto, mantinha o bom humor:
06:09UTC
Korolev: T mais 100. Como te sentes?
Gagarin: Eu sinto-me bem. Como te sentes?
A T+119 segundos, os quatro propulsores laterais na base do R-7 separaram-se, permitindo ao estágio central continuar a sua queima. A carenagem de protecção separou-se do veículo espacial Vostok exactamente cinquenta segundos mais tarde como planeado. A cerca de cinco g, Gagarin relatou alguma dificuldade em falar, referindo que todos os músculos na sua face estavam esticados e tensos. A carga gravítica aumentou lentamente até que o estágio central do foguetão cessou a sua operação e se separou a T+300 segundos. Após a separação do estágio já gasto e dos propulsores laterais, o motor RD-0109 do estágio superior entrou em ignição para acelerar a nave para a velocidade orbital.
Korolev estava literalmente a tremer ao longo de todo este processo, tendo-se obcecado com a possibilidade de descer no oceano a Sul do Cabo Horn em caso de falha do estágio superior. A telemetria começou a emitir uma série de ‘cincos’, indicando que tudo estavam bem. Então, de repente, os números mudaram para uma série de ‘três’. Ocorreram uns breves segundos de terror – um ‘dois’ era uma avaria, mas o que era um ‘três’? Após uns segundos agonizantes, os números reverteram para os ‘cinco’. O engenheiro Feoktistov recorda que “estas interrupções, de alguns segundos, encurtam as vidas dos desenhadores.”
Durante a fase propulsionada do voo, o pulso de Gagarin atingiu um máximo de 150 batidas por minuto. Apesar de Popovich ser oficialmente o ‘capcom’ para a missão, a excitação de Korolev absorveu-o por completo e tomou as comunicações pessoalmente durante uma boa parte da ascensão orbital, constantemente perguntando a Gagarin acerca do seu bem-estar:
06:10UTC
Korolev: A carenagem foi separada, tudo está normal. Como te sentes?
Gagarin: … Separação da carenagem… Eu vejo a Terra. A carga g está a aumentar um pouco. Eu sinto-me excelente, bem disposto.
Korolev: Bom rapaz! Excelente! Tudo está a correr bem.
Gagarin: Eu vejo as nuvens. O local de aterragem… É lindo. Que beleza! Como me escutas?
Korolev: Ouvimos-te bem, continua o voo.
A inserção orbital ocorreu finalmente a T+676 segundos logo após o final da queima do motor RD-0109 do terceiro estágio. Pela primeira vez na história, um ser humano havia escapado às garras gravíticas da Terra e entrado no espaço exterior. Os parâmetros orbitais iniciais para o veículo espacial Vostok eram 175 km por 302 km com uma inclinação de 65,07º em relação ao equador. A órbita era muito mais elevada do que a que havia sido planeada para o voo; o apogeu era cerca de 70 km mais elevado, indicando uma performance imperfeita do foguetão lançador. Quando os parâmetros foram relatados a Baikonur a partir do centro de controlo de voo no NII-4 em Moscovo, sem dúvida que se criou uma pequena ansiedade devido ao facto de que a órbita mais elevada poderia resultar numa missão mais longa caso ocorresse um problema na retrotravagem.
Imediatamente após entrar em órbita, Gagarin relatou que se sentia excelente e descreveu vividamente as imagens no exterior da sua escotilha. No seu relatório secreto após o voo, ele recordou as suas sensações de ser o primeiro ser humano a experimentar a microgravidade prolongada:
Comi e bebi normalmente. Podia comer e beber. Não notei qualquer dificuldade fisiológica. A sensação de ausência de peso era de certa forma pouco familiar comparado com as condições na Terra. Aqui, sentes como se estivesses suspenso por cintas numa posição horizontal. Sentes como se estivesses em suspensão. Obviamente, o sistema de suspensão à medida pressiona o tórax… Mais tarde habituei-me e não tinha sensações desagradáveis. Escrevi algumas notas no meu livro de registo, relatei, trabalhei com o teclado de telégrafo. Quanto comia, também bebia água. Deixei a placa de escrita sair das minhas mãos e ela flutuou juntamente com a caneta à minha frente. Então, quando tive de escrever o relatório seguinte, peguei na placa, mas a caneta não estava onde a havia deixado. Havia flutuado para algum sítio. Fechei o meu livro de registo e arrumei-o no meu bolso. Já não tinha qualquer utilidade, porque não tinha nada com que escrever.
Uma vez os parâmetros orbitais precisamente determinados, os controladores no NII-4 enviaram os números para as agências de notícias em Moscovo, instruindo os jornalistas a abrir os envelopes secretos. Devido a uma grosseira ineficiência, a agência de notícias Soviética TASS não foi capaz de anunciar o lançamento até uma hora após a partida de Gagarin. Todos em Baikonur estavam desconcertados, pouco certos sobre a razão pelo facto de a notícia ainda não ter sido anunciada após as garantias de que seria. Finalmente, cinquenta e cinco minutos após o lançamento, a famosa personalidade Soviética Yuri B. Levitan anunciava:
O primeiro navio espacial do mundo “Vostok” com um humano a bordo foi lançado para uma órbita em torno da Terra a partir da União Soviética. O piloto-cosmonauta do satélite navio espacial “Vostok” é um cidadão da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, Major da Aviação Yuri Alekseyevich Gagain.
Os serviços de inteligência norte-americanos estavam já conhecedores da missão antes do anúncio. Uma estação de inteligência electrónica no Alasca havia detectado as transmissões do veículo espacial, vinte minutos após o lançamento. Outras intercepções das comunicações em tempo real trinta e oito minutos mais tarde mostraram claramente um humano movendo-se no interior do veículo espacial.
A maior parte da órbita única de Gagarin foi passada a observar a vista através da escotilha e os sistemas do veículo. Não estavam planeadas quaisquer experiências para a missão, e não foram detectadas anomalias durante o seu tempo em órbita. Devido à preocupação dos médicos acerca dos efeitos adversos da ausência de peso na psicologia do cosmonauta, foram tomadas precauções para garantir que o cosmonauta não poderia controlar o veículo espacial e colocar a sua vida em perigo. Um código especial de seis dígitos foi programado num ‘livro lógico’ especial para bloquear o sistema de controlo da cápsula; a Gagarin, não foram ditos três dos dígitos. Se a Vostok perdesse a ligação de comando com o solo, então Gagarin poderia abrir o envelope especial que continha o código (1-2-5) e assim desbloquear o sistema de controlo. De outra forma, todas as acções durante o voo teriam lugar de forma automática ou eram controladas pelo solo.
Quando o contacto com Zarya-1 em Baikonur foi perdido acerca de sete minutos após o lançamento, Gagarin manteve o contacto com Zarya-2 em Kolpashevo e Zarya-3 em Yelizovo (os comunicadores em Zarya-2 eram o Tenente-coronel da Força Aérea G. I. Titarev e o representante da unidade militar n.º 32103 Tenente B. V. Seleznez. O comunicador em Zarya-3 era o Coronel da Força Aérea M. F. Karpenko. Adicionalmente, as comunicações eram também mantidas com a estação em Khabarovsk (Coronel da Força Aérea M. P. Kaduskin) e em Moscovo (Desna) no NII-4 (Capitão V. I. Khoroshilov). Antes da retrotravagem, a nave foi orientada para a atitude correcta utilizando o sistema de sensores solares, resultando em três comandos para activar os pequenos motores. O sistema de retrotravagem TDU-1 foi accionado com sucesso às 0725UTC, e Gagarin notou o estado de todos os sistemas, gravando os seus comentários num gravador porque se encontrava fora da cobertura das comunicações com o solo.
O motor de travagem foi accionado exactamente por 40 segundos. Durante este período, ocorreu o seguinte. Mal o motor de desligou, ocorreu um abanão e a nave começou a rodar em torno do seu eixo a uma velocidade muito alta. A Terra passava no ‘Vzor’ do topo superior direito para a parte inferior esquerda. A rotação era de cerca de 30 graus por segundo, pelo menos. Eu estava num ‘corps de ballet’: cabeça, depois os pés, cabeça, depois os pés, rodando rapidamente. Tudo estava a andar à roda. Agora vejo África (isto aconteceu sobre a África), a seguir o horizonte, depois o céu. Tinha pouco tempo para me cobrir para proteger os meus olhos dos raios de Sol. Eu pus as minhas pernas na escotilha, mas não fechei as cortinas.
Após a ignição do motor de retrotravagem, a grande secção instrumental do veículo deveria separar-se do módulo de descida esférico, com este a descer nas camadas superiores da atmosfera. Foi precisamente neste ponto que a única avaria significativa ocorreu na missão:
Perguntava-me o que se estava a passar e esperei pela separação. Não houve separação. Eu sabia que estava prevista para 10 a 12 segundos depois a actuação do retro motor. Quando foi actuado, todas as luzes do painel de controlo apagaram-se, eu senti que mais tempo havia passado, mas não havia separação. A luz do painel ‘Aterragem 1’ não se havia apagado.
O mecanismo de separação, composto por quatro tiras de metal que se juntavam num único fecho, evidentemente libertara os dois módulos a tempo, mas os compartimentos mantiveram-se frouxamente ligados por alguns cabos; o módulo de descida mais pesado permanece por debaixo do módulo de instrumentação mais leve à medida que o veículo espacial reentrava na atmosfera. Apesar da situação ser preocupante, não parece que a vida de Gagarin esteve ameaçada, tal como havia sido sugerido por alguns analistas ocidentais quando este incidente foi finalmente revelado em 1991. Gagarin, que estava claramente ciente a situação, permanece calmo como sempre:
…ainda não há sinais da separação. Continua o ‘corps de ballet’. Pensava que algo havia corrido mal. Verifiquei o tempo no relógio. Cerca de dois minutos haviam passado que não havia separação. Eu relatei através do canal de comunicações (de alta frequência) de que a retrotravagem havia ocorrido normalmente. Eu estimei de que seria capaz de aterrar normalmente de qualquer das formas, porque a distância até à União Soviética era de seis mil quilómetros e a União Soviética era de cerca de oito mil quilómetro de comprimento. Isso significava que eu poderia aterrar antes do extremo Leste da Soviético. Assim, eu decidi não me preocupar muito sobre isso. Utilizai o telégrafo para transmitir a mensagem de ‘VN’ significando que ‘tudo corria bem’.
A separação finalmente ocorreu às 07:35UTC, cerca de dez minutos mais tarde do que o previsto, salvando o veículo espacial de uma perigosa reentrada. A descrição de Gagarin de uma reentrada balística, a primeira na história, foi vivida e cheia de detalhes:
Subitamente apareceu uma brilhante luz púrpura nos bordos das cortinas. A mesma luz púrpura podia ser observada na pequena abertura na escotilha direita. Senti oscilações do veículo espacial e a cobertura a queimar. Não sei o que causava o som de algo a partir: se era a estrutura ou se era a expansão da camada resistente ao calor como resultado deste, mas eu ouvia som de fracturas. A frequência era de aproximadamente uma ruptura por minuto. De forma geral, sentia que a temperatura era alta… A seguir as sobrecargas começaram a aumentar gradualmente. A bola estava constantemente a oscilar em torno de todos os eixos. À medida que o factor de carga atingia o seu pico, eu podia ver o Sol. Os seus raios penetravam na cabina através das escotilhas. Pelos raios reflectidos do Sol eu podia determinar a forma como a nave espacial estava a rodar. Na altura em que o factor de carga atingiu o seu máximo, as oscilações do veículo espacial reduziram 15 graus. Nesse momento eu senti que o factor de carga atingiu cerca de 10g. Houve um momento durante cerca de 2 ou 3 segundos quando as leituras dos instrumentos tornaram-se turvas. A minha visão ficou um pouco cinzenta. Eu estiquei-me de novo. Isto funcionou, e tudo assumiu os seus devidos lugares.
A uma altitude de 7.000 metros, abriram-se os pára-quedas principais do módulo de descida e então a primeira escotilha foi ejectada da cápsula. Por sua vez, Gagarin foi ejectado do veículo, ainda no seu assento, só dois segundos mais tarde. Olhando para baixo, ele imediatamente reconheceu que a região de aterragem era perto do Rio Volga. Separou-se do assento e o seu pára-quedas pessoal abriu-se. Mais tarde recordava:
Quando estava no treino de salto de pára-quedas, saltamos muitas vezes sobre este mesmo lugar. Voamos muito aqui. Eu reconheci a linha de caminho de ferro, uma ponte ferroviária sobre o rio, e a longa camada de terra que se estendia pelo Volga. Pensei que era provavelmente Saratov. Eu estava a aterrar em Saratov.
O controlo no solo passou longos minutos em tensão a seguir a reentrada após o corte das comunicações. Pouco após a ocorrência do comando para a retrotravagem, Korolev telefonou a Khrushchev, que se encontrava na sua casa de férias em Pitsunda, dizendo-lhe que “o pára-quedas abriu-se, e ele está a aterrar. O veículo espacial parece estar Ok!” De forma excitada, Khrushchev perguntava, “Ele está vivo? Ele está a enviar sinais? Ele está vivo? Ele está vivo?”
Gagarin aterrou de uma forma relativamente suave num campo próximo a uma profunda ravina às 07:53UTC, somente uma 1 hora e 46 minutos após o lançamento (durante anos a hora de descida de Gagarin foi indicada como sendo 07:55UTC, porém novos dados referem que Gagarin aterrou às 07:53UTC e a cápsula às 07:48UTC.). O ponto de aterragem era a 26 km a Sudeste da cidade de Engels na região de Saratov, próximo da vila de Smelovka. Imediatamente após a aterragem, ele teve alguns problemas para abrir a válvula de ar do seu fato espacial, e demorou seis minutos de «luta» antes de ser capaz de respirar ar natural. A sua primeira preocupação foi a de relatar que se encontrava bem:
Tinha de fazer algo para enviar uma mensagem a dizer que havia aterrado normalmente. Subi uma pequena colina e vi uma mulher com uma rapariga aproximando-se de mim. Ela estava a cerca de 800 metros de distância de mim. Eu caminhei na sua direcção para lhe permutar onde poderia encontrar um telefone. Então eu estava a caminhar na sua direcção, quando reparei que a mulher estava a abrandar e que a rapariga estava a afastar-se dela e a correr na direcção oposta. Quando vi isto, eu comecei a acenar as minhas mãos e a gritar: “Eu sou um amigo. Eu sou Soviético!” Ela disse-me que podia utilizar o telefone do campo. Eu pedi à mulher para não deixar ninguém tocar no meu pára-quedas enquanto eu me dirigia para o edifício. À medida que nos aproximávamos do pára-quedas, vimos um grupo de homens, cerca de seis no total – condutores de tractores e mecânicos do campo agrícola. Eu falei com eles. Disse-lhes quem eu era. Eles disseram que as notícias do voo espacial estavam a ser transmitidas naquele momento pela rádio.
As equipas de resgate acabaram eventualmente por chegar ao local e levaram-no para uma unidade militar não muito longe de Engels, onde recebeu um telegrama de felicitações de Khrushchev e relatou oficialmente via telefone ao Comandante em Chefe da Força Aérea Vershinin, referindo-lhe ter finalizado a sua missão. O adjunto de Vershinin, Coronel General Agaltsov, foi o primeiro oficial espacial de alta patente a encontrar-se com o cosmonauta, e após mais telefonemas de felicitações de Khrushchev e de Brezhnev, Gagarin foi rapidamente escoltado para Kuybyshev nas colinas Zhiguli no Volga.
Em Baikonur, uma vez conhecidas as notícias de que Gagarin estavam em segurança, as tensões que haviam permanecido durante toda a missão dissiparam-se instantaneamente. Após uma pequena reunião da Comissão Estatal, festejou-se com champanhe por entre congratulações mútuas. Korolev estava completamente fora de si, rindo e sorrindo pela primeira vez em muitos dias, excitado e animado para além do que muitos colegas alguma vez viram. Os membros da comissão voaram para o local de aterragem para inspeccionarem o módulo de descida; testemunhas recordam que Korolev simplesmente não retirava os seus olhos da cápsula, tocando-a e verificando tudo. Após a inspecção, ele voou para Kuybyshev para finalmente encontrar-se com Gagarin, que minutos antes havia sido promovido de Tenente Sénior directamente para Major. Após ver Korolev, Gagarin referiu calmamente, “Tudo está bem, Sergey Pavlovich, está tudo bem.” Segundo um jornalista, Korolev estava tão fora de si com o choque da euforia que ele estava sem palavras: “Não tinha qualquer pista sobre o que (lhe) dizer ou de como responder (a Gagarin).”
Durante a manhã seguinte, ocorreu uma última reunião oficial da Comissão Estatal, durante a qual Gagarin descreveu todo o seu voo em grande detalhe, uma narrativa que foi preservada em fita. Após o monólogo, os membros da comissão perguntaram-lhe uma série de questões sobre vários aspectos do voo. A 19 de Abril, o Marechal Vershinin apresentou formalmente as transcrições de ambas as sessões ao Comité Central. Ambas foram classificadas “Muito Secretas” e indisponíveis para os investigadores até 1991, trinta anos após a missão.
A 14 de Abril, Gagarin regressou ao aeroporto de Vnukovo em Moscovo enquanto milhares de espectadores o aclamavam. Uma procissão de automóveis seguiu de seguida para a Praça Vermelha, onde Khrushchev, Brezhnev, Kozlov e outros líderes do estado Soviético se banhavam no sucesso inqualificável da primeira missão ao espaço por um humano. Foi um momento sem igual na história Soviética, muito possivelmente o zénite absoluto de mais de quarenta anos de feitos Soviéticos no espaço. Classificada durante anos pelo Ocidente pela sua tecnologia atrasada e costumes antiquados, a União Soviética tinha dado abruptamente um dos mais importantes passos na história da humanidade, a primeira viagem espacial humana. Foi um dia cheio de hipérbole para milhares de pessoas nas ruas, mas nada menos teria feito justiça ao que acabara de ocorrer. Korolev, o arquitecto chefe deste feito permanecia, como sempre, anónimo entre as multidões. Ele viajava vários carros atrás no veículo normal e sem identificação especial, impedido de utilizar as suas prévias condecorações estatais na sua lapela por receio de que agentes Ocidentais pudessem suspeitar de algo. Tal era o curioso e talvez triste legado de uma poderosa e grande nação, sem sentir o peso das noções de liberdade política.
O voo de Yuri A. Gagarin irá sem qualquer dúvida permanecer como um dos maiores marcos não só na história da exploração espacial, mas também na história da humanidade. O facto de que este feito foi levado a cabo com sucesso pela União Soviética, um país completamente devastado pela guerra somente dezasseis anos antes, torna o feito ainda mais impressionante. Ao contrário dos Estados Unidos, a URSS teve de começar de uma posição de tremenda desvantagem. A sua infra-estrutura industrial havia sido arruinada, e as suas capacidades tecnológicas estavam na melhor das hipóteses desactualizadas. Uma boa porção da sua terra havia sido devastada pela guerra, e havia perdido mais de 25 milhões de cidadãos. Assim, comparações da estranha corrida entre as duas superpotências nos anos após o Sputnik são, em algumas maneiras, distorcidas pela ausência de contexto. No mais cruel dos termos, foi uma sociedade devastada pelo totalitarismo equipada por máquinas desactualizadas a competir contra um país democrático e intacto, e equipado com uma tecnologia muito superior. Ambos os exerciam o imperativo político de explorar o espaço, mas foi o estado totalitário que tomou a dianteira de forma opressiva.
Por Asif A. Siddiqi. Tradução e edição Rui C. Barbosa